Movimento de luta contra a aids questiona: o que nos tira o sono?

Um manifesto redigido por ativistas da luta contra a aids está circulando nas redes de discussão e levantando a questão: há ou não a estabilização da epidemia no país, defendida por dirigentes do Ministério da Saúde durante a 19ª Conferência Internacional de Aids, realizada em julho, nos Estados Unidos. Para a Pasta, nada em relação à aids tem tirado o sono do governo. Para contrapor e expor a realidade, foi produzido o texto “O que nos tira o sono”.

O manifesto divulgado na segunda-feira (21) faz críticas a posição do governo brasileiro em relação a resposta brasileira à doença e é assinado por 54 docentes, pesquisadores e integrantes da sociedade civil.

"A afirmação de que a epidemia de aids está sob controle no Brasil, além de falaciosa, tem prejudicado a resposta nacional, despolitizando a discussão e afastando investimentos internacionais. Se no passado, declarar que éramos o melhor programa de aids do mundo legitimou as decisões ousadas que outrora caracterizaram o programa brasileiro e que tantos benefícios trouxeram à população, o que temos hoje é, pelo contrário, um programa desatualizado, cujos elementos são insuficientes para enfrentar a configuração nacional da epidemia", diz um trecho do documento (que pode ser lido aqui).

No mesmo dia, no final da tarde, o departamento enviou uma nota de esclarecimento em resposta ao manifesto, ressaltando o aumento do número de pessoas diagnosticadas e tratadas contra o HIV no País e a estabilização da epidemia.

"O investimento na atenção à saúde de quem vive com HIV/aids se reflete na estabilidade da média de notificação de casos da doença. Em 2010 foram notificados 34 mil casos novos de aids no Brasil (com taxa de incidência de 17,9 casos por 100 mil habitantes). Há sete anos (2005), a notificação era de 33 mil novos casos, com taxa de incidência de 18 casos por 100 mil habitantes.

"O que me tira o sono é a acomodação da sociedade civil, mas acho que ela finalmente acordou da letargia dos últimos anos. É necessário transformar esse sentimento em ação, só assim conseguiremos acertar o passo na luta contra a epidemia. Também me tira o sono e causa pesadelos acordado o avanço do fundamentalismo cristão em todas as esferas de poder", disse Beto Volpe, presidente do grupo Hipupiara, de São Vicente, e um dos representantes do colegiado da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+), no estado de São Paulo.

Renato da Matta, da secretaria executiva do Fórum de ONG/Aids do Rio de Janeiro, também acredita que a pressão da bancada evangélica no Congresso Federal é a principal responsável pelo retrocesso do combate à doença no País. “Hoje, se quisermos desenvolver um projeto de prevenção ao HIV nas escolas com distribuição de preservativos, por exemplo, encontraremos uma grande dificuldade por conta das críticas evangélicas”, comentou.

Renato disse ter dúvidas sobre a real situação epidemiológica no País. “Ao contrário do que diz o governo, a aids não está controlada. Todos os dias notamos muitos novos casos, principalmente entre a população jovem”, conta.

Ele critica ainda a qualidade do atendimento prestado aos doentes com HIV. “Dar medicamentos já não é mais o maior desafio… Precisamos agora garantir o bom atendimento aos soropositivos com internações e remédios para doenças oportunistas, o que aqui no Rio de Janeiro e terrível”, disse. “A aids mudou de cara no Brasil, mas o governo não mudou sua postura em relação a isso”, acrescentou.

O representante da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV e Aids, José Rayan, disse que a resposta brasileira contra a epidemia deixou de ser dinâmica e inovadora. “Não só a política do programa nacional de aids está retrocedendo, como o Estado no que diz respeito às questões de direitos humanos”, enfatizou.

Para ele, é necessário que as populações vulneráveis participem e tenham um espaço garantido na construção das políticas de saúde. “O veto [à campanha do carnaval] foi violação de direitos humanos e impedimento de participação social. O governo precisa inovar nas campanhas e na qualidade técnica e política do Departamento [de Aids]. O Departamento precisa ter mais autonomia”, comentou.

Fonte: Agência de Notícias da Aids