Os 100 anos do Amado camarada

Em meio à ascendência das plantações de cacau do município de Itabuna, no sul da Bahia, nascia Jorge Amado, há 100 anos (10). Filho de um fazendeiro da região, João Amado de Faria, o “romancista do povo”, como ficou conhecido, decidiu não seguir com os negócios da família, preferindo as letras e a militância pela paz e pela igualdade social. A participação política, aliás, foi uma das principais fontes para a produção e popularização dos trabalhos do escritor.

Ainda cedo, Jorge se mudou para Ilhéus, outro município da região cacaueira, onde passou a infância. Depois foi para Salvador, onde estudou em colégios tradicionais da cidade. Foi na capital baiana que começou a participar da vida literária, tendo trabalhado em jornais e fundado a Academia dos Rebeldes. Aos 19 anos, lança o primeiro romance, “O país do Carnaval” (1931), uma crítica à ética de intelectuais da época diante do cenário político, anterior à Revolução de 30, e surpreendeu.

Da Bahia, o jovem escritor partiu para o Rio de Janeiro, onde estudou na Faculdade Nacional de Direito, se formando em 1935. Nesse período, Amado se insere na militância comunista, onde permaneceu por mais de duas décadas. Um dos primeiros sinais da ligação do baiano com a ideologia foi dado já no início da década de 1941, quando decidiu contar em livro a vida de Carlos Prestes. O objetivo de “Cavaleiro da Esperança” (1942) era pressionar a libertação do líder, que tinha sido preso seis anos antes.

“Dos mais de sessenta anos de carreira, quase 25 foram dedicados à construção de uma prática literária visceralmente ajustada aos dilemas associados ao seu engajamento no Partido Comunista do Brasil (PCB)-”, defende Luiz Gustavo Rossi, no livro “A militância política na obra de Jorge Amado”. Para o pesquisador, uma marca dos trabalhos amadinos são os conflitos causados pelas condições de miséria, opressão e privações nas quais viviam os personagens, o mesmo cenário combatido pelos comunistas.

Imerso na luta, Amado vislumbrou compor a Assembleia Nacional Constituinte pelo Partido Comunista do Brasil, que na época utilizava a sigla 'PCB', e se candidatou a deputado federal por São Paulo. Na campanha, destacava o título de “Romanceiro do Povo” e os romances publicados, que, naquele momento, já eram famosos, como Jubiabá (1935), Mar Morto (1936), Capitães da Areia (1937). Foi eleito em 1945 com uma votação expressiva, se tornando o deputado mais votado no estado.

No exercício do mandato, o baiano esteve à frente da elaboração da Constituição de 1946 e defendeu, principalmente, as liberdades individuais. Foi ele o autor do projeto que garante aos brasileiros o direito à liberdade de culto religioso. O Vermelho teve acesso ao áudio do discurso de Jorge na promulgação da Carta Magna, em que ele falava pela bancada comunista:

“Hoje, o Brasil ingressa em um novo período da sua vida política. O Partido Comunista do Brasil, e a sua bancada na Assembléia Constituinte, se despoliu e votou essa Constituição e está, tanto o partido quanto a sua bancada, dispostos a lutar para que essa Constituição seja cumprida nos seus preceitos democráticos, para que o povo brasileiro tenha nela uma bandeira da democracia”, discursou Jorge Amado.

A luta na Constituinte, no entanto, durou pouco. Muito por conta da atuação combativa, o partido foi considerado ilegal e todos os membros começaram a ser perseguidos, em 1947. Recém casado com Zélia Gattai e com o filho de colo, o deputado foi obrigado a deixar o país. Com a família, Jorge Amado se exilou na França, de onde continuou com a militância.

“Durante sua temporada na França, Amado tornou-se um dos principais líderes do movimento mundial pela paz, que mobilizava os comunistas de todo o Globo, tendo realizado inúmeras viagens, sobretudo aos países do Leste Europeu”, explica o pesquisador Marcelo Ridenti, no artigo intitulado “Jorge Amado e seus Camaradas no círculo comunista internacional”.

A presença do escritor no país europeu foi importante para a divulgação da obra dos latino-americanos que integravam a rede comunista. Amado se tornou uma espécie de embaixador cultural do Brasil e ajudou escritores, pintores, cineastas a divulgarem seus trabalhos e até a ganharem prêmios no exterior. Além disso, Ridenti defende que o exílio do escritor teria implicações para a introdução no Brasil do realismo socialista.

O retorno de Jorge Amado aconteceu no final de 1952, depois de uma temporada em Praga. Ele voltou com um nome consolidado e se tornou o principal artista comunista. O afastamento do PCB aconteceu em 1956, depois de denúncias dos crimes de Stálin, que abalaram o escritor. Depois disso, o baiano decidiu dedicar-se exclusivamente à literatura.

As obras de Amado foram adaptadas para o cinema, teatro e televisão. A mais recente é Gabriela, minissérie da Rede Globo inspirada no romance “Gabriela, Cravo e Canela” (1958). Os livros foram traduzidos para 49 idiomas e estão presentes em 55 países; alguns têm exemplares em braile e em formato de audiolivro.

O artista brasileiro mais importante do comunismo morreu em Salvador, no dia seis de agosto de 2001, quatro dias antes de completar 89 anos. A pedido dele, o corpo foi cremado e as cinzas enterradas no jardim da casa onde morou anos com Zélia Gattai e os filhos, no endereço mais famoso da Rua Alagoinhas, no tradicional bairro do Rio Vermelho.

Apesar da saída do Partido Comunista do Brasil, Jorge Amado permaneceu na órbita comunista, sempre participando ativamente das discussões políticas. O escritor-militante nunca deixou a luta porque continuou a partilhar com os camaradas o ideal de uma sociedade mais justa. Jorge sempre foi um camarada!

De Salvador,
Erikson Walla