A verdade sobre a Síria e a manipulação da mídia

A Imprensa ocidental é teleguiada pela leitura equivocada dos Estados Unidos e Otan , e desde o início do conflito, usou a comunicação para desinformar e para doutrinar o cidadão brasileiro, apoiando e retransmitindo apenas a opinião dos rebeldes, diz Claude Fahd Hajjar.
Por Claude Hajjar*, em IANotícia

A maioria dos sírios deseja a manutenção da ordem e da paz na Síria e acredita que apenas o presidente Bashar Al Assad pode manter esta ordem e fortalecer as instituições do país.
A Síria que eu conheço e que visito e convivo há mais de 35 anos tem uma população que tem um alto grau de politização e conhece muito bem as dificuldades e os estigmas que vivem tanto o povo, quanto o governo da Síria. Por convicção, defendem o princípio da soberania nacional, da autodeterminação e da não ingerência estrangeira.

O cidadão sírio tem consciência e critica a corrupção e morosidade da atual máquina burocrática deste governo da Síria; deseja reformas, deseja o combate à corrupção, mas entende que esta luta deve se processar de forma pacífica, as mudanças têm que ser construídas e o governo de Bashar Al Assad está empenhado nestas reformas.
A população síria está acostumada com conforto, segurança, estabilidade.

País predominantemente agrícola, tem no trigo, algodão de fibra longa e no azeite a base de sua produção. Em seu subsolo, possuí petróleo e gás. Enfrenta problemas políticos que impedem a modernização de suas refinarias e a prospecção de suas riquezas.
A vocação de hospitalidade somada à rica e milenar história da Síria despertou o setor de turismo nos últimos anos. O investimento em estradas, em hotelaria e em serviços, vinha fomentando o turismo do mundo inteiro para a Síria.

É um país distribuidor de bens e serviços para todo o mundo árabe seja da Península Arábica, seja do Norte da África.

Não é uma sociedade perfeita. Transitou do socialismo ao quase capitalismo em menos de 12 anos.

A Síria dos últimos 42 anos saiu da miséria e do feudalismo para um socialismo e uma prosperidade cada vez mais visível em cada um de seus cidadãos. O país mais laico do Oriente Médio teve na educação a base do seu desenvolvimento.

Foi este regime, no período do pai de Bashar Al Assad, Hafez Assad que conseguiu implantar a reforma agrária (anos 1970) e os sírios sunitas, grandes proprietários de terras e pertencentes às famílias tradicionais, imigraram para a Europa e EUA. Alguns dos filhos destes sírios sonham em retornar… Mas apenas para promover a deposição do regime e ocupar o poder.

A Síria hoje tem uma população de 22 milhões de habitantes; a maioria de 70% é de muçulmanos sunitas; e os demais são 13% Alauítas; 12% de cristãos; e 5% de drusos, turcomanos e outros.

Os grupos rebeldes que foram cooptados pelo eixo EUA, Israel, Otan e CCG, não representavam nem 1% da população síria, no início das manifestações. Mas com o acirramento dos enfrentamentos, com o dinheiro rolando solto e com as armas sendo distribuídas em abundância, e recebendo aplausos da comunidade internacional, sentiram que deveriam lutar até depor o inimigo: o governo do presidente Bashar Al Assad….

Uma luta cuja motivação é de natureza econômica e política, foi sendo construída e acirrada nas camadas de baixa renda e transformada em conflito sectário.

A mídia-empresa ocidental funciona como papagaios da retransmissão das agências de notícias ocidentais. Estou com saudade de nossos analistas políticos, de nossos correspondentes e do verdadeiro jornalismo.

A imprensa no Ocidente é teleguiada pela leitura equivocada dos EUA e Otan, e desde o início do conflito, usou a comunicação para desinformar e para doutrinar o cidadão brasileiro, apoiando e retransmitindo apenas a opinião dos rebeldes. A imprensa brasileira subestima a inteligência do telespectador e oferece o Fast Food pronto que as agências de notícia transmitem. Foi e tem sido parcial e irresponsável ao veicular informações falsas para referendar seus conceitos.

O que observamos na imprensa do Ocidente é sempre um jornalismo dirigido e copiado das agências de notícias como a BBC, France Press e Reuters, todos copiando a Al Jazeera (Catar) e transmitindo apenas as notícias do Conselho Nacional Sírio, Exercito Livre Sírio e do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (um cidadão sírio em Londres, posicionado na sua lojinha com um computador e retransmitindo todas as mentiras e barbaridades que a TV Al Jazeera lhe pedia).

Temos relatos das montagens de cenas, blefes, cenas do Iraque como sendo Síria, helicóptero do Afeganistão como sendo sírio. Montagem de sons dos ataques.

Durante os ataques em Homs, a TV Síria retransmitia vídeos amadores que captavam os bastidores das gravações que eram encomendadas pela Al Jazeera.

A estratégia da imprensa foi focar na ”Primavera Árabe da Praça Tahrir”, este movimento popular emocionou e contagiou os jovens no mundo todo e em especial nos países árabes; e como rastilho de pólvora seguiu para a Líbia e em poucos dias foi votada a moção no Conselho de Segurança da ONU que autorizou a criação de uma zona tampão na Líbia, com a alegação de “responsabilidade de proteger” que permitiu a entrada da máquina de matar da Otan e aliados que lutaram junto com a Al Qaeda em Bengazi e depois em toda a Líbia. .

A “guerra humanitária” da Otan e aliados já matou mais de 150 mil pessoas na Líbia.
Criou um caos quase impossível de ser reordenado; destruiu a infraestrutura de um povo que vivia bem, com garantias de toda a espécie assegurada pelo governo. Não considero o governo de Muamar Al Kadafi o ideal, mas este é o país que eles puderam construir e prosperar. Perdeu o povo líbio, perdeu o povo africano a quem Kadafi ajudava e venceram a França e seus aliados com os novos contratos para se apossar das bacias de petróleo.

A quem a Otan e seus aliados vieram proteger? A seus próprios interesses. A opinião pública mundial parou pasma com a chamada “primavera árabe”.

Apesar da experiência acumulada e do cuidado de muitos de nós, queríamos crer que havia de fato uma primavera árabe… Que ilusão! Bastaram poucos dias para assistir pela TV que o cenário preparado já tinha um script pronto e manipulado na Líbia através do Sarkozy desde outubro de 2010 (quatro meses antes da entrada da Líbia na onda da “Primavera”).

No Egito, ocorreu o mesmo, e tomamos conhecimento da presença de agentes americanos junto aos manifestantes na Praça Tahrir, e que chegaram a ser detidos pelas forças de segurança no Cairo. A diplomacia americana resolveu o episódio que sumiu da imprensa, e em seguida, convidaram a representação da Irmandade Muçulmana em 4 de abril de 2012 a visitar os EUA e acertar a sua atuação no futuro governo no Egito.

Esta preparação com armas e com treinamento militar teve início de fato depois do ataque perpetrado por Israel contra o Líbano e defendido bravamente pelo Hezbollah em julho de 2006. Se já havia uma intenção dos EUA de destruir o governo de Damasco, passou a ser um ponto de honra para EUA e Israel. Afinal, os mísseis que foram usados pelo Hezbollah e pelo Hamas foram fabricados e fornecidos por Damasco.

Na Síria, em janeiro de 2011 a embaixada norte-americana recebe como embaixador o agente americano Robert Stephen Ford, assessor do especialista em inteligência, o americano John Negroponte que foi encarregado de aplicar no Iraque o plano de destruição usado em San Salvador.

O objetivo agora era instaurar o caos na Síria: ele conseguiu em 60 dias transformar a Síria de um país pacífico, seguro, tranquilo e confiante, em um país instável, inseguro e em guerra de destruição e desgaste que já dura 16 meses.

A Rússia e a China, signatários do tratado de Xangai, e membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, após os acontecimentos na Líbia e a licença para destruir que foi concedida à Otan, viram que o Ocidente, está desestabilizando a região do Oriente Médio e avançando em áreas estratégicas para o Grupo de Xangai. A Rússia e China defendem seus próprios interesses ao defender os interesses do povo e governo sírios. Ao mesmo tempo em que a queda de Damasco pode balcanizar toda a região e envolver atores regionais que até agora permanecem fora do conflito.

A Rússia tem relações privilegiadas, com a Síria de longa data, que lhe possibilita a presença de uma Base Militar Russa no Porto de Tartus. Soma-se a isto uma relação afetiva com a forte e representativa população cristã ortodoxa da Síria.

Com a China, a relação sino-síria tem base em tratados culturais, artísticos, econômicos e políticos.

Hoje, com o isolamento do Irã, quem está adquirindo o petróleo iraniano é a China, inclusive comprando-o por um preço abaixo do mercado, e com uma negociação em moeda local. Ganham neste negócio a China e o Irã… Perdem os EUA e o dólar americano, e perde também a União Européia…

A quem interessa esta luta sectária na Síria de muçulmanos sunitas contra muçulmanos xiitas (que dividem o governo com cristãos, drusos e alauitas)? Aos países do Golfo: Catar, Arábia Saudita e também a Turquia, aliados e intérpretes do desejo dos EUA, Israel e Otan. Porque, ao derrubar a Síria, o caminho fica livre para derrubar o Hezbollah no sul do Líbano e para atingir o Irã. Portanto, o objetivo é ter o caminho livre para o Irã e de lá para os gasodutos e oleodutos de toda região.

Outro interesse dos EUA e aliados é a mais importante bacia de gás que está na costa mediterrânea da Síria. Ora, se o século 20 foi o século do petróleo, o século 21 é o século do gás. Esta disputa já está lançada entre norte-americanos, russos e alemães.

*Vice-presidente da Fearab-América, autora de “Imigração Árabe -100 anos de Reflexão”