Paul Craig Roberts: Escapar da teoria econômica 

Alguns leitores por vezes pedem-me para recomendar um livro no qual possam aprender teoria econômica (economics). O problema em ler um livro para aprender a teoria econômica que é ensinada nas universidades e praticada em Washington é que a mesma é agora um assunto altamente formalizado baseado em modelos e suposições abstratas e que foram matematizadas.

Por Paul Craig Roberts*

Não é que seja totalmente inútil sem qualquer aplicabilidade a problemas do mundo real. O problema, antes, é que a disciplina tanto se retarda perante um mundo sempre em mudança como entende algumas coisas erradamente desde o princípio. Consequentemente, aprender teoria econômica coloca uma pessoa dentro de uma caixa onde algumas das ferramentas e o entendimento proporcionado estão ultrapassados e incorretos.

Por exemplo: Todo manual desenhará um quadro da agricultura como o exemplo perfeito de mercados competitivos nos quais "nenhuma quantidade produzida por produtores é suficientemente grande para afetar o preço". Isto fazia sentido quando um terço da força de trabalho dos EUA estava em quintas familiares. Hoje, a agricultura americana é dominada por corporações e agrobusiness. Além disso, parte da desastrosa desregulamentação financeira pressionada por economistas que não pensam foi a remoção de limites de posição sobre os especuladores. Antigamente, os especuladores suavizavam a agricultura e os mercados de commodities pela compra e venda a fim de estabilizar preços nos períodos em que a oferta e a procura estavam desequilibradas. Agora os especuladores podem dominar os mercados e amanhar preços em benefício dos seus lucros.

Há muitos exemplos assim em que a teoria econômica já não corresponde ao mundo real. Dois outros bastarão:

A maior parte das pessoas inteligentes está consciente que os recursos naturais são finitos, incluindo a capacidade do ambiente de absorver os resíduos ou a poluição resultante de atividades produtivas (ver por exemplo, Jared Diamond, Colapso , 2005). Mas poucos economistas têm a percepção disso, por assumirem que o capital feito pelo homem é um substituto perfeito para o capital da natureza. Esta suposição implica que não há limites ambientais finitos para um crescimento econômico infinito. Perdidos em tal mundo imaginário, economistas ignoraram o custo pleno da produção e não podem dizer se o valor dos aumentos no PIB é maior ou menor do que o custo pleno para produzi-lo.

Economistas quase universalmente têm confundido a deslocalização (offshoring) de empregos com o livre comércio. Economistas conseguiram mesmo produzir "estudos" destinados a mostrar que uma economia interna é beneficiada por ser transformada no PIB de algum outro país.

Economistas conseguiram fazer esta declaração mesmo quando o seu absurdo é óbvio para aquilo que resta da força de trabalho da indústria manufatureira, industrial e de trabalho qualificado (engenheiros de software, por exemplo) e para as cidades e estados cujas bases fiscais foram devastadas pelo movimento de exportação de empregos estadunidenses.

Os poucos economistas que têm a inteligência de reconhecer que a exportação de empregos é a antítese do livre comércio são despedidos como "protecionistas". Economistas são tão dogmáticos acerca do livre comércio que construíram mesmo o mito folclórico de que a ascensão da economia dos EUA foi baseada no livre comércio. Como provou Michael Hudson, um economista capaz de pensar fora da caixa, não há a mínima evidência que corrobore este mito folclórico (ver America's Protectionist Takeoff 1815-1914 ).

O meu conselho aos leitores que pretendem desenvolver a sua compreensão econômica é começar com os economistas fora da caixa que estão a tratar das questões reais. Exemplo: For the Common Good , de Herman E. Daly e John B. Cobb é acessível a leitores comuns que se disponham a fazer o esforço de pesquisar no Google as definições de termos não familiares. Entretanto, o mais importante desenvolvimento na teoria do comércio não está ali. Global Trade and Conflicting National Interests , de Ralph E. Gomory e William J. Baumol (MIT Press, 2000) aparentemente está muito acima das cabeças de economistas profissionais, que preferem antes tagarelar de forma ignorante acerca dos "benefícios do livre comércio" do que aprender aquilo que devem saber. No entanto, os leitores deveriam entender que a defesa do livre comércio nunca mais será a mesma após a sua dissecação por Gomory e Baumol.

Com esta introdução, volto-me agora para o assunto principal: o economista Michael Hudson.

Hudson está totalmente fora da matriz na qual economistas se aprisionam a si próprios. Hudson não vive na realidade artificial de economistas ou de sócios apostadores para corporações e a Wall Street.

Pode-se aprender um bocado com Hudson. O seu livro Trade, Development and Foreign Debt (2009) explica como o comércio exterior e o desenvolvimento econômico tem sido utilizados para concentrar poder econômico nas mãos dos países dominantes. O que está realmente a acontecer é [habitualmente] encoberto com verborreia e modelos formais. Na realidade, o comércio e o desenvolvimento são meios de colonizar países que pensam serem independentes. (Outro bom livro sobre este assunto é The Globalization of Poverty, de Michel Chossudovsky).

Talvez o melhor livro para começar seja o mais recente de Hudson, The Bubble and Beyond , que estará disponível dentro em breve.

Neste livro Hudson trata tanto da crise na economia como da crise na disciplina da ciência económica. A partir do mesmo poderá entender não só a crise mas também porque economistas a diagnosticaram mal e estão a aplicar remédios incorretos.

Hudson mostra que um dos problemas centrais é o fato de a teoria econômica ignorar o papel da dívida na economia. A teoria econômica também pretende que a política econômica, como a política monetária do Federal Reserve, serve o interesse do público ao invés dos interesses dos privados poderosos.

Tal como Lenine e outros previram, o capitalismo industrial transformou-se em capitalismo financeiro. O capitalismo financeiro não financia ou cria novos investimentos reais tais como instalações manufatureiras. Ao invés disso, o capitalismo financeiro funciona como um rentista (rentier). Ele alavanca dívida e extrai pagamentos de juros (e hoje salvamentos dos contribuintes pelas suas apostas super-alavancadas). O capitalismo financeiro floresce ao converter cada vez mais recursos da sociedade em pagamentos para si próprio.

Um resultado disso é que os mercados cessam de expandir-se e as economias cessam de crescer quando a austeridade é imposta ao serviço da acumulação de dívida. A austeridade deprime as economias, pois o consumo e o investimento são reduzidos a fim de servir a dívida. Hudson conclui que o resultado é que banqueiros agora recebem as rendas (uma forma de rendimento não merecido) que outrora afluíam para a aristocracia fundiária. Ao contrário da aristocracia, que foi desapossada das suas rendas, os banqueiros não o foram.

Hudson conhece a história do pensamento econômico e história econômica. A leitura de The Bubble and Beyond permite aos leitores verem como as ideias econômicas desenvolveram-se por caminhos que deixam economistas incapazes de perceberem o caráter real dos problemas que os desafiam. Aprisionados no molde que construíram para si próprios, economistas são incapazes de criar soluções.

Hudson escreve que as economias ocidentais estão num ponto de viragem. O crescimento do PIB consiste cada vez mais de acumulação de encargos financeiros. Os ganhos de riqueza são ganhos de papel, não ganhos de instalações e equipamentos reais, e estão cada vez mais concentrados nas mãos do um por cento. Os ganhos financeiros são extraídos dos ganhos de capital tangível e do trabalho. Matt Taibbi detectou o ponto essencial com a sua imagem da Goldman Sachs como "um grande polvo vampiro envolvendo a humanidade, a sugar implacavelmente o seu sangue canalizando qualquer coisa que cheire a dinheiro".

A minha sugestão é que leia Hudson juntamente com Griftopia , de Taibbi; It Takes A Pillage , de Nomi Prin; Reckless Endangerment , de Gretchen Morgenson e Joshua Rosner; e For the Common Good, de Daly e Cobb. A seguir, se estudar teoria económica, estará protegido e não ficará preso à matriz que produz economistas para serem sócios apostadores do capitalismo financeiro, ou para a destruição ambiental e a deslocalização da economia.

Toda a gente quer sempre uma solução. Hudson apresenta sugestões de como reconstruir a economia a fim de que ela sirva às necessidades dos 99% ao invés de servir apenas os 1%.

Comece a trabalhar. Ler estes livros fará para si muito maior bem do que brincar com jogos vídeo, ver TV ou frequentar bares. Nosso país precisa de uma geração mais jovem e mais bem informada para substituir a menos bem informada geração mais velha.

* Paul Craig Roberts é ex-secretário assistente do Tesouro dos EUA e editor associado do Wall Street Journal. Seu último livro, Wirtschaft am Abgrund (Economias em colapso) , acaba de ser publicado.

Fonte: Resistir.info/ .