Renato Rabelo: refletir, planejar e prever os novos processos

De que maneira a esquerda latino-americana reflete o conceito de desenvolvimento sustentável e como é possível prever e aplicar novos processos econômicos em seus governos progressistas? Essas foram algumas das questões centrais que o ato internacional “A esquerda latino-americana e o debate sobre o desenvolvimento sustentável”, promovido pelo Foro de São Paulo, procurou responder. A atividade aconteceu na Tenda Milton Santos, da Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro (RJ).

O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, que fez questão de comparecer à atividade por conta da importância do momento atual vivido no país e no mundo. Ele integrou a mesa nos primeiros minutos do ato para dar um panorama sobre a situação econômica e política nos países da América Latina e do mundo.

No total, 11 painelistas latino-americanos se revezaram na explanação das diversas realidades vividas em cada um dos países, desenvolvendo o panorama exposto pelo presidente do PCdoB. Cada um falou por cerca de 15 minutos. A atividade começou por volta das 15h e se estendeu até as 18h30. Por conta do horário, um grupo pequeno de seis pessoas da plateia expôs suas preocupações e dúvidas sobre as intenções dos países desenvolvidos sobre os recursos naturais dos países da América Latina.

Da Venezuela, falou a deputada Ana Elisa Osorio Granado, da direção nacional do Partido Socialista Unido (PSVU) e presidenta da Comissão de Meio Ambiente e Turismo do Parlatino, que preferiu dar exemplos de saídas para as crises, como as encontradas pelos venezuelanos desde que Chávez assumiu a presidência do país.

“É preciso uma nova perspectiva de respeito à natureza e também aos homens, à mãe terra. É preciso uma sociedade mais solidária, mais unida, onde os recursos naturais pertençam ao povo. A proposta de economia verde é a mercantilização da natureza. Temos que criar mecanismos e dinâmicas que possam criar uma ofensiva contra isso, e seguir lutando para criar uma nova civilização”, destacou a deputada venezuelana.

Vale lembrar que o 18º Encontro do Foro de São Paulo acontecerá em Caracas, nos dias 3 e 6 de julho, logo depois se lançará a campanha presidencial da Venezuela, e os países do Foro de São Paulo apoiam a candidatura de Hugo Chávez. O Foro de São Paulo é uma organziação de partidos de esquerda latino-americanos, criado em 1990.

As saídas para o socialismo

Em sua exposição, o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, procurou esclarecer o que está em jogo neste momento de decisões da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Para ele, é preciso conhecer o processo histórico das revoluções industriais, para planejar e prever novos processos que os países demandam, levando em conta os três pilares do desenvolvimento sustentável, definidos na Rio92: econômico, social e ambiental. Portanto, a proposta de uma economia verde só faz sentido se a enxergarmos como um processo histórico relevante, a partir da Terceira Revolução Industrial, e somar a ela o processo de inclusão da população mais pobre, como defende o “Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20” – do governo brasileiro.

“A economia verde, longe de ser este monstrengo apresentado pelo imperialismo, é parte integrante de um processo histórico de maior relevância engendrada na própria fronteira da técnica a partir da terceira revolução industrial. Ou compreendemos a essência desse processo histórico ou estaremos fadados a repetir velhas palavras de ordem, com cada vez menos capacidade de intervenção na realidade, negando a própria natureza de uma realidade que devemos compreendê-la”, argumentou o dirigente comunista.

Ele lembrou que estão sendo criadas possibilidades para as forças progressistas, por conta da crise atual do capitalismo, e salientou a importância de não somente idealizar uma sociedade socialista, mas também em planejar o percurso para se alcançar tal objetivo: “É importante salientar que se fala muito no socialismo como uma forma superior de organização da sociedade. Mas pouco se fala ou se discute que essa superioridade só é possível com planejamento e com previsão de processos”.

Renato Rabelo acrescentou o conceito de soberania, definido pela legenda em seu documento norteador. “Não podemos ir no extremo da produção a qualquer custo e nem da visão santuarista do meio ambiente. O Brasil precisa do desenvolvimento, que é fundamental para o bem-estar de nosso povo. É um desafio teórico interessante e está no detalhamento do que o nosso partido chama de desenvolvimento sustentável soberano, que se refere ao desenvolvimento da técnica de uma forma mais racional possível de harmonização das relações homem-natureza”, disse Rabelo.

Para que isso se concretize, ele completou que é preciso aprimorar a técnica, gerar mais desenvolvimento econômico que consiga tornar realidade as inovações tecnológicas que sejam capazes de diminuir os atritos inerentes às relações homem-natureza.

Como exemplo, citou o Plano Quinquenal Verde, da China, lançado em 2011, cujo investimento para alcançar as metas de redução de emissão de gás carbônico será na ordem de US$ 250 bilhões, até 2015.

No documento brasileiro para a Rio+20, há alguns exemplos sobre a integração de estratégias econômicas, ambientais e sociais, como os programas de transferência de renda e fomento a atividades de conservação ou recuperação ambiental; apoio aos segmentos da população que obtêm renda a partir da reciclagem de resíduos sólidos; disseminação de boas práticas agropecuárias com tecnologias acessíveis às pequenas propriedades e aos agricultores familiares e a incorporação de tecnologias de maior eficiência energética em programas habitacionais populares.

Também é possível planejar os sistemas a partir da adoção de programas de geração de trabalho, emprego e renda, a partir da concessão de linhas de financiamento produtivo e microcrédito produtivo e orientado.

Rabelo fez um alerta sobre a tentativa do imperialismo de se impor uma vez mais sobre as economias do planeta, a partir de um novo modelo capitalista, que pretende extrair os recursos naturais dos países em desenvolvimento, classificados pela ordem mundial de periféricos. Trata-se de uma crise que atinge as estruturas capitalistas e se desdobra em quatro faces, segundo avaliou Renato Rabelo:

“Primeiro abala a democracia pela via de ataques sistemáticos contra os direitos históricos dos trabalhadores; segundo, amplia a barbárie com a possibilidade de intervenções imperialistas, causa e efeito da própria decadência relativa ao imperialismo em novos polos de poder, numa realidade que consideramos do mundo em transição. O terceiro é que agrava a crise social, não somente nos países pobres, mas também nos países ricos, profundamente. E também, a crise ambiental, fruto de um sistema proscrito historicamente, onde a anarquia da produção impõe o manejo completamente racional dos recursos existentes”, pontuou o dirigente.

Renato Rabelo classificou a atual crise um “verdadeiro salve-se quem puder” no sentido de que qualquer possibilidade de manutenção de índices de consumo deve ser explorada, amplificada e propagandeada. Todos contra as possibilidades de desenvolvimento dos países periféricos para privilegiar a acumulação capitalista para um grupo de países eleitos e suas grandes corporações privadas.

“É esse o espírito hipócrita, anticientífico, e até neomalthusiano, que se faz valer nessa Rio+20 que deve ser objeto de ampla denúncia por parte das forças consequentes aqui presentes [na Cúpula dos Povos]. Esse é o papel, companheiros e companheiras, desses países ricos capitalistas, de empurrar o ônus da crise para cima dos países em vias de desenvolvimento, chamados países da periferia. A atual crise ambiental é usada na tentativa de imposição de uma agenda de cima para baixo, sob os auspícios das Nações Unidas, onde um novo paradigma econômico deles seria o mote para a ampliação das possibilidades de desenvolvimento dos países ricos”, alertou Rabelo, que chamou a atenção para a tentativa de desmonte da agricultura de países da América Latina, Ásia e África em prol dos grandes produtores europeus e norte-americanos.

Renato explicou que a chamada economia verde se baseia em incentivos aos investimentos privados, na compra e pesquisa de cadeias produtivas limpas, em detrimento dos subsídios estatais destinados à agricultura. Também não ficou acertado de que maneira ocorrerá a difusão de técnicas surgidas nos países ricos aos países menos capazes de financiamento e como podem adquirir tecnologias limpas.

Rabelo citou a necessidade do país em se criar um novo Código Florestal Brasileiro para se preparar para uma nova etapa de crescimento, incluindo a agricultura familiar.

“No Brasil, que a duras penas conseguiu construir um setor produtivo na agricultura, capaz de tornar insuportável a concorrência dos países ricos, conta atualmente com cerca de 2 milhões de pequenos agricultores vivendo à margem da lei. Dai a necessidade de um novo Código Florestal, que se encontra na fase da indicação e das propostas feitas pela presidenta Dilma, no sentido de equilibrar a produção e o meio ambiente no sentido de equilibrar as tendências deste país, desta grande nação”, contextualizou o presidente do PCdoB.

Por conta dos avanços na legislação e no amadurecimento das discussões ambientais, o Brasil adquiriu uma rara compreensão sobre o meio ambiente, se comparado com outros países que não distinguem áreas de preservação e conservação das demais.

Para Renato Rabelo, os brasileiros podem contribuir na busca do desenvolvimento e da sustentabilidade, levando em conta o bem estar da população e o equilíbrio com a natureza.

Deborah Moreira, especial para o Vermelho, do Rio de Janeiro