Artigo: Hora de pensar no estudante

Por Marcelo Gavião*

Fiz militância política no movimento estudantil secundarista na década de 90. Vivi o período que ficou marcado, dentre outras coisas, pela ofensiva da implementação da política neoliberal, que trazia consigo a ideia de estado mínimo e privatizações de serviços. Ainda muito novo me engajei no enfrentamento a essa política, que no meu cotidiano se materializava na luta por melhores condições de ensino, por melhores salários para os professores e pela construção de uma escola que fizesse jus ao fato de ser nossa “segunda casa”. Nesse percurso participei de greves e inúmeras mobilizações, iniciativas que correspondiam ao desejo de transformação que move boa parte do povo brasileiro. Durante essa trajetória, em cada função que ocupei, da presidência do grêmio do Colégio Municipal Padre Luis Palmeira (Simões Filho), passando pela presidência da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, até os dias de hoje, sempre estive lado a lado com os educadores.

Na Bahia a greve que já alcança dois meses de duração toca no âmago de um dos mais graves problemas brasileiros, que é a valorização dos educadores. O segmento sempre foi tratado sem distinção, jogado ao lugar comum da função pública, desconectada de um projeto de estado e afastada de qualquer ligação com o futuro do país. É assim desde que o Brasil é Brasil e em nosso estado não é diferente.

Defendo sempre que o salário do professor deve conferir a ele o valor e sua importância social, e, por isso, sou árduo defensor de um melhor salário para ele. Lamentavelmente, o que assistimos neste momento na Bahia é um justo movimento reivindicatório, mas que cerra dentes em uma pauta corporativa e radicaliza em discursos raivosos contra o governante de plantão. E não vai além disso.

A educação pública brasileira e baiana não precisa apenas de uma greve para debater os 22,22% de aumento. Precisa de um levante que discuta seu papel social e transformador. O Piso Nacional veio aliviar uma dívida histórica, mas não é o fim, é apenas um processo que precisa continuar evoluindo para garantir a este profissional um status de excelência definitiva. Mas o bom debate esta sendo esquecido.

Do ponto de vista pedagógico, o ano letivo está se perdendo. Um retorno ao trabalho agora já se daria com enorme prejuízo aos estudantes. Voltar ainda mais à frente é formalizar a perda definitiva do período, mesmo que haja a dita “reposição”, que sabemos, é sempre débil e insuficiente. Para os estudantes que estão prestes a entrar na universidade (via vestibular ou Enem) o passivo é irreversível.

Exigir o cumprimento do acordo é justo. Afinal de contas, está no papel e a categoria é merecedora, mesmo que sua assinatura tenha sido um erro, pois não se faz uma despesa sem saber quanto ela custará e nem de onde devem vir os recursos para pagá-la. O governo diz que não tem como cumprir e apresenta uma proposta alternativa. No impasse, o bom senso manda negociar. Quem já esteve em algum embate que envolve negociação sabe que é preciso enxergar os limites que estão do outro lado, para não se perder no espontaneísmo paredista, normalmente desastroso.

É hora de calcular os ganhos e perdas de dois meses de greve e apontar uma saída, porque quem pensa com consciência sã não acha que será possível manter a paralisação ed eternum. Como militante da área de educação, penso que aceitar o parcelamento proposto é uma mediação que evitaria um mal maior, que é a perda do ano letivo pelos estudantes. Se concretizada, trará sérios prejuízos políticos ao governo. Mas vai arrastar para o precipício da culpa e do desgaste também os professores e sua entidade, a APLB-Sindicato.

Quem se lembra da greve de 1991 sabe que naquele ano não houve sequer contra-proposta. O governador da época, Antonio Carlos Magalhães, simplesmente ignorou professor e sindicato e esperou o movimento se deteriorar por inanição, para o consequente retorno ao trabalho dos professores, sem ganhos, empurrados pela força da realidade. O atual governador fez um gesto e recolocou na mesa a proposta de pagamento parcelado dos 22,22%, assim como o pagamento dos salários cortados mediante a reposição das aulas perdidas. É hora de refletir e comparar, aproveitando a experiência para tirar o melhor proveito no presente e no futuro.

Os professores não podem perder o sentido de suas vitórias neste momento. Flexionar sua posição e continuar levantando o debate do Fundeb força o governo a mostrar as contas do Fundo e debater as prioridades com a sociedade. Estamos em ano eleitoral, quando uma pauta tão importante ganha relevância.

A radicalização da greve que prejudica os estudantes apenas confirmaria a falta de compromisso com um debate mais profundo sobre os rumos da educação em nosso Estado. E uma paralisação já vitoriosa, que poderia abrir caminhos para pensar um novo projeto para o setor, pode se encerrar na bandeira do “aumento já”, caminhando para o isolamento, sem apoio da sociedade, que até agora ficou ao lado dos professores. A intransigência pode derrotar esse importante instrumento de luta que é a greve, que deve sempre ser entendida como um meio, e não como um fim.

Por esta compreensão, avalio que é hora dos professores encerrarem a greve e apostar na negociação.

* Marcelo Gavião é ex-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes)