Luiz Carlos Prestes Filho: Para a Economia da Cultura, foco e luz

Entre os anos de 1999/2002 , coordenei um estudo que demonstrou que a Economia da Cultura do Rio de Janeiro contribui com 3,8% para a formação do PIB: cerca de R$ 5.1 bilhões, em 1999, e, aproximadamente R$ 18 bilhões, em 2010.

Por Luiz Carlos Prestes Filho*

Após a realização desse estudo, avançamos na investigação sobre o tema. Executamos, entre os anos de 2002/2005, o estudo sobre a Cadeia Produtiva da Economia da Música , e entre 2006/2009, o estudo Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval . A música e espetáculos são setores dinâmicos setorialmente. A música é uma das principais plataformas para a execução do conteúdo brasileiro. A cara do Brasil não é predominante nem nas TVs abertas (apesar da produção de novelas, programas de auditório e jornalismo), nem nas TVs fechadas. No mercado de cinema e de vídeo/DVD acontece a mesma coisa. Na indústria editorial e gráfica de livros, jornais e revistas não é o conteúdo Brasil que garante o faturamento.

Na música, os bilhões movimentados pelo setor vêm da comercialização de música brasileira no mercado consumidor interno. É uma realidade que não tem paralelos na América Latina: o brasileiro ouve música brasileira. O mesmo não se verifica na Argentina, Chile, México ou Colômbia, onde o conteúdo estrangeiro é que manda nos negócios.

Ao estudar as economias da Música e do Carnaval, verificamos que deveríamos continuar a realizar estudos no campo da Economia da Cultura, que é parte integrante da Economia do Entretenimento, onde estão atividades da Economia do Turismo e da Economia do Esporte. A Economia da Cultura é o núcleo duro da Economia Criativa.

Entendo que é difícil analisar o impacto setorial da cultura através da ampliação das fronteiras, abraçando de uma só vez todas as atividades econômicas situadas no campo da Economia Criativa. Fica mais claro quando estudamos as atividades da Economia da Cultura Direta e da Economia da Cultura Indireta. A indireta nos dá, inclusive, uma boa aproximação para entender qual é o seu espaço concreto na Economia Criativa.

Em recente pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan/2008), foi sugerido que a Economia Criativa se estende até a produção de sofwares, de comunicação (telefonia), de arquitetura, de design, de moda e de publicidade. Modelo estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Mas é importante lembrar que para a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), entidade da OMC, o tema envolve a observância dos acordos internacionais, como a Convenção de Berna, a Convenção de Paris e a Convenção de Roma, que regem os acordos multilaterais de comércio. E, para a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Unctad) entidade ligada a ONU, o tema envolve questões como a economia solidária, acessibilidade a conteúdos (obras/criações) protegidos e a necessidade de revisão dos acordos internacionais. Todos estes temas dizem muito aos países em desenvolvimento que tem precário arcabouço jurídico, baixos indicadores no campo da educação e frágil estrutura científica e tecnológica, o acesso às patentes e aos direitos autorais dos países desenvolvidos.

Por outro lado, ao meu ver, em qualquer atividade econômica, até mesmo na área de petróleo e gás, não se pode fazer nada hoje sem criatividade. Não podemos pensar a Economia Criativa sem incluir estes segmentos econômicos que trabalham com inovação, marcas e patentes, propriedade industrial, direitos autorais.

No Estado do Rio de Janeiro e Capital, assim como nos outros estados da federação, por falta de padronização dos classificadores de atividades econômicas – onde estão listados os códigos tributários das atividades da Economia da Cultura – é quase impraticável elaborar um programa consistente que possa promover a Economia da Música, a Economia do Livro, a Economia do Audiovisual ou a Economia do Carnaval, entre outras. Essas atividades não são visualizadas nas políticas fazendárias do Governo do Estado, da Prefeitura, da Federação das Indústrias, da Federação do Comércio e da Associação Comercial. Tanto que um fabricante de flauta transversa (de metal) e um fabricante de penicos (de metal) são identificados como representantes de um mesmo setor: indústria de transformação. A legislação tributária não leva em conta o valor agregado que surge com a fabricação de uma flauta transversa. O impacto que a mesma provoca quando vai para as mãos de um compositor ou de um músico.

Possivelmente, somente a tão esperada reforma tributária poderá modificar este quadro, nunca um programa de boas intenções.

Foco para Fabricação de Instrumentos Musicais

Por exemplo, um dos importantes elos da Cadeia Produtiva da Economia da Música no Brasil, de acordo com estudo realizado, é o da fabricação de instrumentos musicais. As nossas orquestras sinfônicas e de câmara, os nossos quartetos e duos, assim como os grupos de choro, pagode e samba, são formados por profissionais que tocam, na sua maioria, em alguns milhões de instrumentos, muitos deles fabricados fora do Brasil. Quando analisamos a infraestrutura das bandas de rock brasileiras e os grandes eventos gospel e de funk, verificamos que os equipamentos importados dos Estados Unidos são predominantes. Melhor dizendo, tem a marca americana, mas foram fabricados na China.

No estudo Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval, verificamos entretanto que a fabricação de instrumentos para o maior espetáculo popular do mundo não tem política pública ou empresarial no país. Segmentos como os das cuícas estão absolutamente reprimidos, quase extintos.

Como disse anteriormente, hoje já é de entendimento dos economistas que a música brasileira é um importante ativo nacional. O Brasil é, ao lado dos Estados Unidos, o país que mais consome seu próprio conteúdo: samba, choro, pagode, bossa nova, rock, música clássica, brega, romântico, regional gaúcho, entre outros gêneros. Os números levantados demonstram que 80% do market share do mercado interno pertence às empresas que trabalham com a música brasileira. Basta consultar a série histórica no site da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) , sobre os produtos mais vendidos, ou o site do Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais (ECAD) , sobre as obras mais executadas que geram Direitos Autorais, para confirmar a importância econômica da música nacional.

Portanto, existe espaço para realizar uma política estruturante tendo em vista o fortalecimento das empresas fabricantes de instrumentos musicais. Especialmente, neste momento, quando o Ministério da Educação está realizando o planejamento para cumprir a lei de obrigatoriedade do ensino de música nas escolas públicas e privadas. Milhares de escolas terão que ser equipadas nos próximos anos.

Não podemos impedir a importação de instrumentos – somos uma economia aberta. Muito menos, impedir a livre concorrência entre os fabricantes destes produtos, estrangeiros e nacionais. Mas, podemos elaborar um programa que permita às fábricas brasileiras consolidar seu mercado interno e avançar no mercado internacional como, por exemplo, no mercado de instrumentos musicais existente no Mercosul e nos países africanos de língua portuguesa (onde nossa música é produto de mercado). Fazer com que a maioria dos instrumentos musicais – nas mãos de músicos brasileiros – sejam aqueles fabricados no Brasil.

No Classificador Nacional de Atividades Econômicas (CONCLA), encontramos os seguintes códigos:

3220-5/00 – CORDAS PARA INSTRUMENTOS MUSICAIS; FABRICAÇÃO DE
3220-5/00 – INSTRUMENTOS MUSICAIS DE CORDA; FABRICAÇÃO DE
3220-5/00 – INSTRUMENTOS MUSICAIS DE PERCUSSÃO; FABRICAÇÃO DE
3220-5/00 – INSTRUMENTOS MUSICAIS DE SOPRO; FABRICAÇÃO DE
3220-5/00 – INSTRUMENTOS MUSICAIS DE TECLADO; FABRICAÇÃO DE
3220-5/00 – INSTRUMENTOS MUSICAIS ELETRÔNICOS; FABRICAÇÃO DE
3220-5/00 – ÓRGÃOS E HARMÔNICAS (INSTRUMENTOS MUSICAIS); FABRICAÇÃO DE
3220-5/00 – PEÇAS E ACESSÓRIOS PARA INSTRUMENTOS MUSICAIS; FABRICAÇÃO DE
4649-4/99 – ACESSÓRIOS PARA INSTRUMENTOS MUSICAIS; COMÉRCIO ATACADISTA DE
4649-4/99 – INSTRUMENTOS MUSICAIS; COMÉRCIO ATACADISTA DE
4756-3/00 – ACESSÓRIOS PARA INSTRUMENTOS MUSICAIS; COMÉRCIO VAREJISTA
4756-3/00 – INSTRUMENTOS MUSICAIS; COMÉRCIO VAREJISTA
7729-2/02 – INSTRUMENTOS MUSICAIS; ALUGUEL DE, LOCAÇÃO DE
9529-1/99 – INSTRUMENTOS MUSICAIS; REPARAÇÃO DE, CONSERTO DE

Estes códigos podem orientar o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) para, em conjunto com todos os agentes da Cadeia Produtiva da Economia da Música, elaborar um programa bem focado para fortalecer a produção industrial de instrumentos musicais em nosso país. Devemos nos mobilizar para impedir o fechamento de fabricas por conta das importações.

É bom lembrar que a fabricação de instrumentos musicais está entre aquelas atividades que promovem intensivo uso de mão de obra, garantindo emprego e renda para milhares de trabalhadores.

Por falar em música, entendo que é importante acabar com o mito de que nossa música é produto de exportação. Pois, entre os principais produtos brasileiros mais exportados, indicados nos relatórios do Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC), encontramos minérios, café, carnes, couros e aviões, entre outros produtos primários e industriais. E olha que são 32 mil relatórios todo mês! Fonte de informação importante para as empresas e instituições que trabalham com exportação.

Produtos culturais brasileiros quase não aparecem nestas listas. Nem música, nem literatura, nem dramaturgia, nem cinema ou TV. Existe a indicação somente das seguintes nomenclaturas: quadros; pinturas e desenhos feitos à mão; produções originais de arte estatuária ou de escultura; gravuras; estampas e litografias; e antiguidades com mais de cem anos. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o desempenho nacional na Economia do Turismo é processado diretamente pelo Ministério do Turismo.

Economia da Cultura & Economia Criativa

Portanto, é sensato realizar mais e mais os estudos sobre a Economia da Cultura: a Economia do Livro, a Economia da Música e a Economia do Audiovisual. Não estamos preparados conceitualmente para desenvolver estudos e planejamento estratégico ampliando as fronteiras setoriais, abrangendo toda a Cadeia Produtiva da Economia Criativa.

Facilitaria muito estabelecer fronteiras para buscar soluções para problemas que impedem o produto cultural brasileiro de ser um produto de mercado ou ser um produto de exportação. Questão que deve ser encarada com inteligência e não com achismos de empresários, governos e artistas.

Ao realizar estudos sobre Economia da Cultura limitamos nosso campo de trabalho. E isso nos ajuda a caminhar com segurança. Permite colocar a cultura de igual para igual com os produtores de softwares, de comunicação (telefonia), arquitetura, design, moda e publicidade. Colocar a Economia da Cultura no mesmo grau de importância da economia do petróleo, do gás, da metalurgia, da indústria naval e do setor automotivo.

Já é difícil no Brasil fazer avançar os setores estratégicos da Economia da Cultura. Alargando as fronteiras para o universo das atividades da Economia Criativa, estaríamos nos distanciando da busca de resultados concretos na música, no audiovisual e no livro. Não podemos, num país que tem sua base exportadora sustentada por commodities, entrar num campo de abstrações.

É oportuno lembrar que a dimensão econômica da cultura no Brasil (1% do PIB) foi mensurada por uma pesquisa concebida na gestão do Ministro Celso Furtado (governo Sarney) e executada pelo Ministro Francisco Weffort (governo Fernando Henrique Cardoso). Desde então, caminhamos às cegas.

Para terminar uma citação do economista Sérgio Cidade de Rezende: “Nenhuma indústria vai ao mercado pelos belos olhos azuis do consumidor, ou melhor, até vai, porque é este o tipo físico ocular que tem renda para absorver a produção. Dizendo então de outra forma, nenhuma indústria vai ao mercado pelo belo tipo faceiro brasileiro mestiço de olhos escuros; vai para vender e lucrar, pouco se importando com os olhos do comprador. O que os compradores têm que ter, independentemente da cor da íris, é bala na agulha, a grana. Quanto mais, melhor. Atividades da indústria cultural são, como em qualquer indústria, atividades com fins lucrativos; são como em qualquer indústria, atividades que ao lucro atribuem a função de servir de bastião ético às unidades produtivas que formam o conjunto das empresas do setor. Em suma, não prega prego sem estopa, não produz coisa alguma sem a expectativa concreta de lucro – quanto mais, melhor.

Indústria cultural significa produção de cultura em larga escala. Vale dizer que o produto dessa indústria para ser vendido a um elevado número de consumidores deve ser comercializado como mercadoria. Sob tal enfoque, cultura é um negócio como outro qualquer sem que seus produtores, comerciantes e prestadores de serviços precisem estar atentos a outra coisa que não as condições de mercado, onde oferta e procura satisfaçam interesses da produção e desejos do consumo.

O que importa ao conjunto da indústria cultural é descobrir, com o auxílio das ciências humanas do comportamento e das relações sociais, quais preferências e gostos culturais escondem-se no subconsciente da massa de consumidores. Pesquisando, procura identificar a forma e o conteúdo que devem ter os produtos culturais para que sejam assimilados e adquiridos sob a roupagem de palavras, imagens, cores, sons, objetos, equipamentos mirabolantes, etc. É uma indústria que, como dizem os sociólogos, nos dá satisfação e nos deixa saciados mesmo quando sabemos que se pode comprar uma sensação, mas nunca um sentimento”.

*Luiz Carlos Prestes Filho é autor dos livros “Economia da Cultura – a força da indústria cultural do Rio de Janeiro! (2002), “Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval” (2005) e Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval” (2009).