Alejandro Nadal: Europa, austeridade, recessão e crise bancária

A Espanha afunda novamente na recessão. É o mais recente golpe à economia europeia no que promete ser uma longa cadeia de más notícias. A crise nunca foi embora.

Por Alejandro Nadal*

O anúncio sobre a nova queda do PIB foi feito pelo Instituto Nacional de Estatística: a economia espanhola encolheu 0,3% durante o primeiro trimestre deste ano. No último trimestre de 2011 o retrocesso também foi de 0,3%: a economia espanhola entrou já oficialmente em sua segunda recessão em apenas vinte e quatro meses.

Em 2008 a economia espanhola começou sua primeira retração: a evolução do PIB passou de uma taxa de crescimento anual de 2,8% a uma taxa de -4,8% em meados de 2009. Por um momento, alguns pensaram que a crise havia tocado o fundo. Em julho do mesmo ano, o PIB começou a sair do buraco e cresceu a uma taxa de 1% até meados de 2011. Aí reiniciou o declínio até chegar a esta segunda queda: é a recessão em forma de W. E os prognósticos não são bons para os próximos dois anos: para 2012 e 2013 se prevê contrações de 1,5% e 0,5%, respectivamente.

Decididamente algo anda muito mal com esta crise. Alguém disse que talvez sua gravidade tenha sido subestimada, ou talvez a resposta da política econômica fosse equivocada. Acho que são ambas as coisas. Mas a única brincadeira que se pratica na Europa é a austeridade. Como a aritmética não mente, amanhã o panorama será mais obscuro.

O desemprego na Espanha chega quase a 25%. É o nível mais elevado em dezoito anos e coloca mais de 5,6 milhões de pessoas na rua. Em quatro das regiões autônomas, o nível de desemprego é superior a 30%, e em nível nacional o desemprego entre menores de vinte e cinco anos é de 52%. Isso não parece preocupar o governo do senhor Rajoy. Seu severo plano de austeridade certamente vai agravar esta triste paisagem no mercado de trabalho.

Seu cérebro não consegue entender que isso traz juntas outras dificuldades macroeconômicas em um feroz círculo vicioso.

A primeira consequência da nova recessão será uma queda na arrecadação. Isso tornará mais difícil alcançar as metas de redução do déficit que já tiveram que ser modificados. Os "mercados" financeiros não vão titubear em baixar o grau de qualificação sobre a dívida espanhola, o que incrementará o custo do refinanciamento. O governo deu sinais de querer incrementar o imposto ao valor agregado, além de manter firmes seus cortes salariais e golpes às pensões, o que representa um novo garrote à já fraca demanda dos consumidores.

Uma segunda consequência da contração é a diminuição na capacidade de pagamento das dívidas que já sobrecarregam os lares espanhóis. Isto já se observa no aumento da carteira vencida de empréstimos, em especial de hipotecas, e isso supõe que, em algum momento, o governo espanhol terá que intervir para resgatar os bancos.

Na semana passada as agências qualificadoras mostraram o que sabem fazer: denunciar com alarme as possibilidades de não pagamento para afugentar o espectro de uma reestruturação de dívidas (ainda que na Grécia o tiro tenha saído pela culatra). A Standard & Poor's reduziu a qualificação sobre a dívida soberana de curto e longo prazo do Reino da Espanha. A agência explicou a medida pela deterioração na trajetória do déficit para o período 2011-2015, assim como pela probabilidade de que o governo intervenha para ajudar um setor bancário em dificuldades. Alguns analistas colocam o montante da "ajuda" que necessitará o setor bancário em uns 120 bilhões de euros para este ano.

Agora se apresenta a questão da recapitalização dos bancos e isso representa um sério problema para o governo. Diferente de 2008, hoje o governo se encontra em uma situação complicada. Uma forma de reunir recursos é colocando dívida no mercado internacional, mas isso será custoso e implica uma maior deterioração na posição creditícia do governo, agravando a crise da dívida soberana e afetando negativamente os estados financeiros dos bancos que obtenham os novos bônus.

Há que aceitar que a flexibilização da política monetária do Banco Central Europeu, através do programa de refinanciamento de longo prazo (LTRO), é insuficiente frente à onda de austeridade que a torpeza e covardia da classe política impôs em toda a Europa. O mecanismo LTRO foi posto em marcha em dezembro de 2011 e seu objetivo é injetar liquidez no sistema bancário. Os bancos podem agora tomar recursos do ECB durante três anos a uma ridícula taxa (1%) para reinvesti-los como melhor lhes pareça. Devem dar uma garantia ao BCE que pode consistir em bônus de dívida soberana, o que se traduz em uma espécie de intervenção indireta nesse mercado soberano por parte do Banco Central Europeu. Desta forma, o BCE guarda incólumes seus dogmas neoliberais e pensa que pode ajudar a reduzir a instabilidade no mercado de bônus soberanos.

As coisas não saíram totalmente bem. É possível, como afirma Paul de Grauwe, um dos analistas financeiros mais lúcidos nesta crise, que a injeção de liquidez tenha sido muito maior do que se houvesse requerido através de uma intervenção direta. De toda forma, a instabilidade nos bônus soberanos não foi eliminada. Por outro lado, a austeridade está empurrando as economias europeias a uma recessão mais profunda e, nessas condições, nem os lares nem as empresas querem tomar novos créditos. A crise no front de bônus soberanos regressará e com vingança.

Talvez o mais importante aqui, é que a flexibilidade da política monetária na versão do BCE não permite assegurar a recapitalização dos bancos. As utilidades que os bancos podem obter através das operações com os recursos do LTRO no mercado de bônus soberanos não são suficientes. Esses lucros, associados ao chamado "carry trade", têm seus custos e o resultado líquido não é suficiente como demonstra um cálculo de Atsushi Ito, da UBS (pode ser consultado em www.bidus.eu). De forma que, não só não há reativação econômica, mas tampouco há recapitalização dos bancos. Este será o fracasso da política monetária e o aprofundamento da crise.

A Europa se enfrenta com um duplo efeito: por um lado o potente freio da austeridade e, pelo outro, o pseudo motor da liquidez em aumento, pelas operações do BCE. O resultado é evidente: a milagrosa receita de austeridade está ganhando a partida da flexibilização monetária.

*Alejandro Nadal é membro do Conselho Editorial do SinPermiso

Fonte: Carta Maior