Octávio Augusto: Dois exemplos para a luta que travamos

Assinalam-se por estes dias duas importantes datas da história do movimento operário em Portugal. Foi há 50 anos que tiveram lugar as grandiosas manifestações do 1.º de Maio, precedidas de um amplo movimento grevista, que mobilizou mais de 200 mil trabalhadores em todo o País, com destaque para a manifestação realizada em Lisboa.

Por Octávio Augusto*

Um 1.º de Maio marcado pelas reivindicações de melhores salários e pela sua afirmação inequívoca de luta contra a repressão e o fascismo, pela liberdade e pela democracia.

Foi também há 50 anos que os operários agrícolas do Alentejo e do Ribatejo conquistaram as 8 horas de trabalho no campo. A conquista das 8 horas, alicerçada num magnífico movimento de massas, expresso em dezenas de greves, paralisações, manifestações e concentrações, em que participaram mais de 250 mil operários agrícolas, veio pôr fim a um regime de tipo feudal em que viviam os assalariados agrícolas do sul.

Até Maio de 1962, como nos relata António Gervásio, os assalariados agrícolas do Sul (com pequenas diferenças no Ribatejo e na Margem Esquerda do Guadiana) não conheceram outro horário de trabalho no campo que não fosse o escravizante horário de sol a sol, ou seja: pegar ao nascer do sol e despegar ao sol-posto. Fazer o caminho de casa para o trabalho e vice-versa, a pé, uma, duas horas (e mais). Não havia transportes, raros eram aqueles que possuíam uma bicicleta a pedal!

Os assalariados agrícolas não tinham subsídio de desemprego, nem reforma, nem assistência médica, nem segurança social. Tinham salários de miséria, passavam fome, eram trabalhadores sem direitos! Entre 1960 e 1962 o seu salário médio rondava os 25$00 a 30$00 para o homem e 13$00 a 17$00 para a mulher! O desemprego atormentava os trabalhadores longos meses sem ganharem um tostão para o seu sustento e das suas famílias.

Outra realidade que importa relembrar: nas décadas de 40 a 60 havia nos campos do Sul mais de duas centenas de milhares de assalariados agrícolas. Cada vila e aldeia constituíam uma concentração de trabalhadores agrícolas, homens e mulheres, sem terra sua. A única fonte de subsistência, sua e da família, era a venda da sua força de trabalho, mão-de-obra sem direitos sujeita à exploração sem lei dos agrários.

A mais pequena luta era violentamente reprimida. Muitos milhares de trabalhadores agrícolas foram espancados, presos e alguns assassinados. Privado de direitos sindicais, o proletariado agrícola foi um baluarte de resistência contra a ditadura, uma classe combativa, com um elevado espírito de unidade e de organização.

Os assalariados agrícolas conquistaram aquilo que há muito tinham conseguido os trabalhadores da indústria e do comércio, uma jornada de 8 horas.

Resistir e lutar

Ao lembrarmos estes dois momentos, fazemo-lo para que se não esqueça o que foi o fascismo, mas também para valorizar o papel dos trabalhadores e do seu Partido na luta incansável por melhores condições de vida, pela liberdade e pela democracia. Fazemo-lo também pela sua actualidade.

Hoje, pela mão da troika nacional, protagonista do ajuste de contas com Abril e as suas conquistas, o poder económico está a desferir uma ofensiva global contra direitos conquistados antes e depois de Abril. São disso exemplo as alterações à legislação laboral que, a consumarem-se, representam um profundo golpe nos direitos adquiridos em décadas de luta pelos trabalhadores portugueses.

Fazemo-lo para ilustrar a falsidade da ofensiva ideológica em curso e que visa levar os portugueses a aceitarem a inevitabilidade da retirada de direitos, a aceitação da ideia de que não há outro caminho que não seja o de se sujeitarem ao aumento das desigualdades e da exploração. De que a luta nada resolve. De que não vale a pena lutar.

Se assim fosse, se da luta não se extraíssem consequências e resultados, o poder econômico e os seus subalternos, comentadores, analistas, politólogos e outros que tais, não se empenhavam tanto em desvalorizá-la. Na verdade, a história do nosso País e do nosso povo está repleta de exemplos que demonstram a importância e o papel da luta de massas como factor de resistência, defesa e conquista de direitos e como alavanca da transformação social.

Foi assim antes de Abril, assim foi durante o processo revolucionário e na ofensiva contra-revolucionária que se lhe tem seguido há mais de três décadas. Hoje como ontem resistir e lutar é o caminho para impedir e derrotar a ofensiva e o seu pacto de agressão.

Resistir e lutar em todas as circunstâncias e das mais diversas formas. Da pequena à grande luta. Da luta sectorial e específica às lutas de convergência. Do abaixo-assinado, à concentração, à manifestação, à greve. Hoje, como ontem, com o PCP no centro da mobilização, do esclarecimento, da proposta alternativa, da mobilização e conscientização para a luta.

Luta que pode e deve ser criativa e adequada às condições, às realidades e às potencialidades para o seu desenvolvimento, enquadrada em objectivos concretos, imediatos e a prazo. Lutas que têm de ser valorizadas no quadro político, económico e social em que se realizam. Luta que não precisa de ser reinventada para que se desenvolva, se intensifique e se generalize, bebendo da rica experiência do movimento operário e do nosso Partido.

*Octávio Augusto é membro da Comissão Política do Partido Comunista Português.

Fonte: Avante!