UNE cumpre seu papel com juventude, afirma Belluzzo em entrevista

O professor de Economia Luis Gonzaga Belluzzo falou, em entrevista ao site da UNE, sobre o momento econômico do país, educação e o papel dos movimentos sociais na luta por um país mais justo e democrático. "Vocês estão recolocando a UNE no papel que ela cumpriu na ditadura militar. Esse é o papel que a UNE deve ter: fazer com que os jovens se mobilizem nas discussões sobre o Brasil", afirma Belluzzo.


Equipe do Site da UNE entrevista o professor Belluzzo em sua casa / Fotos Camila Hungria e Patrícia Blumberg

 

Entender o momento econômico que o Brasil e o mundo vivem é fundamental para se pensar o país que queremos construir para os próximos dez anos, e, principalmente, que caminhos são possíveis para atingir tal objetivo. Promover esse debate é o principal objetivo da Caravana da UNE Brasil+10, promovida pela União Nacional dos Estudantes (UNE), que ao longo do último mês tem viajado o Brasil, levando à juventude e às universidades de todo o país essa reflexão.

Na sala de jantar do professor, que é um misto de biblioteca e escritório, repleta de livros cuidadosamente organizados, o economista deu uma verdadeira aula para a equipe. Fundador da Facamp (Faculdade de Campinas), Belluzzo também falou sobre qualidade do ensino privado, educação pública e a importância de programas que democratizem o acesso à educação, como o ProUni.

Site da UNE: Como você vê o papel dos movimentos sociais em relação à política econômica do país?
Luis Gonzaga Belluzzo: São os movimentos sociais que devem se impor e dizer a direção, afirmar qual deve ser a nossa política econômica e a que pé está. Cabe, atualmente, aos movimentos sociais, como aos sindicatos, pautar com intensidade as políticas econômicas do governo. É preciso pedir e ao mesmo tempo responder pelo que se pede para aprofundar as relações democráticas do país. Porque, senão, fica algo puramente corporativo. O capitalismo é um regime que tende a ser despótico, e a execução plena da democracia é o melhor cenário para que esses setores se imponham.

Site da UNE: Que avaliação você faz da política econômica do Brasil?
LGB: Estamos em uma saia justa, numa situação clara de desaceleração e é visível o nosso impasse no que diz respeito à política econômica. Temos um problema primário de gestão de dívida pública, de apontar a direção, já que o governo não quer ficar na mão do mercado. Eu defendo, por exemplo, que se tenha um superávit fiscal parrudo. Para dizer para eles: não vem que não tem, o nosso mercado interno tem que acelerar novamente. Por outro lado, essa invasão de dólares está provocando duas coisas: primeiro você vai aumentar brutalmente as reservas. Vai comprar dólar e vai esterilizar isso para evitar efeitos monetários da conversão de dólar para real. Você compra dólares com uma taxa de juros que tem um diferencial grande com a norte-americana. O que impacta na dívida pública. Seria um custo muito menor se você impusesse limites a essa entrada, mas teria que ser muito duro.

Site da UNE: Na sua opinião, a política orçamentária do Brasil é benéfica a quem? Nessa luta, hoje, quem está ganhando?
LGB: O que acontece é que se construiu um consenso na forma de apropriação da riqueza que está provocando uma concentração. O poder do setor financeiro não se resume aos bancos, mas a um contingente que aprendeu a viver de rendimentos altos da sua riqueza acumulada no passado. Isso é um exemplo dramático de como a riqueza acumulada afeta a criação de riqueza para o futuro ou para outros segmentos da sociedade, porque este poder decorre da fixação da mentalidade de uma boa parte da classe média brasileira. O sistema de proteção social é ruim: o cara tem medo de ficar com uma aposentadoria ruim, medo de hospitais públicos, enfim, uma coisa se conecta a outra. Não é que os bancos necessariamente fiquem a favor de uma taxa de juros altos. Quando uma dona de casa corta gastos, ela prejudica poucas pessoas. No campo macro, quando o governo corta gastos, ele prejudica muita gente.

Site da UNE: Falando sobre cortes, o governo federal anunciou recentemente um corte de R$ 55 bilhões no orçamento, que chega a casa de R$ 1,9 bilhão na educação. Como o senhor avalia esse corte?
LGB: Dentro dos limites, o orçamento é uma redistribuição dos recursos entre setores da sociedade. Por isso, é preciso lutar por uma outra forma de discussão de orçamento. É preciso que o orçamento se oriente de acordo com a estrutura social, a uma instância popular mais representativa. A gente não pode achar que o orçamento é uma distribuição técnica, isso é uma ilusão.

O orçamento público tem uma característica que, no fundo, é o resultado das pressões, visto que vivemos uma sociedade de interesses. O fato de vocês se mobilizarem é fundamental, assim como os profissionais de saúde devem se mobilizar, porque o orçamento é constituído assim, é assim que se faz, através dos interesses de cada grupo. Não há como escapar das mobilizações em uma sociedade democrática.

Site da UNE: Em um cenário de crise econômica, que não cabe nem a adoção do Bem-Estar social nem a política neoliberal, o que o mundo espera do Brasil?
LGB: Os países, claro, esperam que nos comportemos como um todo, mas eles não têm autoridade moral para dizer como devemos nos comportar. É evidente que este é um cenário intrincado de negociações. O que o Brasil faz, neste caso específico? Se deixa carregar por essas forças de maneira passiva ou deve criar defesas usando instrumentos disponíveis para proteger sua indústria? Ou vai aceitar o avanço do processo de desindustrialização? Em dez anos, o consumidor vai perder posição porque o produtor foi expelido do mercado. Isso é grave por conta disso, sobretudo devido a taxa de urbanização que temos. O Brasil não pode deixar que ocorra uma transferência de mal-estar dos que estão hoje aqui para nossos filhos, netos.

Site da UNE: Então o senhor enxerga um processo de desindustrialização?
LGB: Arrisco afirmar que a desindustrialização do Brasil é menos acentuada do que aquela verificada nos Estados Unidos e na Europa, em especial no Reino Unido, onde ocorre de forma bastante intensa. Mas está acontecendo, e é grave. Há um forte declínio da participação da indústria manufatureira no PIB e no emprego, revelando o que se pode qualificar de “desindustrialização precoce”. A estrutura industrial brasileira pode ser comparada a uma nebulosa em que sobressaem algumas grandes e médias empresas em cada setor. Elas têm conseguido resistir, até agora, graças à racionalização e à especialização, bem como à elevação do coeficiente de insumos importados. Para sorte do Brasil, ser exportador de commodities hoje é bem diferente do que era anos atrás, em função da interrelação com áreas de grande sofisticação, como, por exemplo, tecnologia e comunicações.

Site da UNE: Existe consequência para isso? Qual o futuro da indústria?
LGB: A consequência de uma possível desindustrialização a médio prazo é a perda de competitividade externa do sistema econômico como um todo. O futuro se prende a três pontos: primeiro, a indústria brasileira tem um baixo nível de inovação; segundo, há ainda pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento; terceiro, há também pouca relação entre universidade e indústria. A novidade, em se tratando do futuro da nossa indústria, vem por conta do pré-sal. E o impacto do pré-sal pode ser muito bom ou muito ruim, dependendo de como os ganhos forem administrados. Será muito ruim se ocorrer no Brasil o fenômeno conhecido como doença holandesa, cujo exemplo recente mais conhecido é a Venezuela. Será bom se os ganhos do pré-sal forem direcionados para setores que poderão alavancar o crescimento econômico e o desenvolvimento do país, como educação ciência e tecnologia.

Site da UNE: Nos últimos anos, o Brasil manteve uma taxa de câmbio muito baixa e praticou juros muito altos. Agora, após ouvir sindicatos e movimentos, abaixou um pouco a taxa de juros e elevou a taxa de câmbio, trabalhando com um piso fixo. Como o senhor vê a interferência do governo para segurar esse piso, em contraposição à ideia de um câmbio flutuante, que sempre existiu?
LGB: A crise demonstrou limitações na política de metas desenvolvida pelos governos nos últimos anos. O que a política de metas pratica é uma impossibilidade: achar que com as taxas de juros e câmbio flutuantes você consegue controlar a política monetária e coordenar expectativas. Acontece que no mundo em que prevalece relações capitais e situações históricas diferentes entre economias, as taxas de juros não convergem, o que foi na contramão do que muitos economistas previam. As taxas de juros têm uma importância grande devido ao volume de capitais que circulam de um lado para outro. O fato da taxa global média de inflação ter caído dos anos 1980 para cá tem muito a ver com a integração produtiva, com o deslocamento da produção manufatureira dos países de renda média maior, de salários mais altos, para países com salários mais baixos. Boa parte da queda de inflação se deve ao fato de que os preços relativos dos bens manufaturados caíram assustadoramente. Uma TV LCD hoje custa, chutando alto, R$ 2 mil. Antes não saia por menos de R$ 12 mil.

Por isso, chegou à conclusão de que a política de metas tem lá suas limitações. É preciso ter política cambial, é preciso interferir na economia quando preciso, isso é correto, não faz mal. Não existe uma regra para a economia. A política monetária tem que ser levada de acordo com as circunstâncias.

Site da UNE: Falando sobre educação, hoje existe um grande número de instituições privadas que são verdadeiros tubarões do ensino. Muitas vezes, utilizam do dinheiro para mercantilizar o ensino ao invés de propor melhores condições para os alunos aprenderem. Como o senhor avalia esse processo?
LGB: A qualidade de ensino nas universidades passa prioritariamente pela formação libertária e emancipadora dos estudantes, e deve apresentar uma perspectiva humanista de ensino em que as pessoas possam ter consciência crítica e melhor leitura da realidade. Segundo a Constituição brasileira, a educação é um serviço básico, não podendo simplesmente ser oferecido sob a lógica de lucros do mercado. Na minha opinião, o ensino tem que ser fundamentalmente público, isso é uma conquista republicana. O ensino privado deve ser apenas uma complementação. O problema é que destruímos isso, principalmente no ensino básico, que é uma tragédia. E não iremos para frente sem valorizarmos a figura do professor.

Site da UNE: Mas o ensino público fica cada vez mais distante com as privatizações…
LGB: Fica. Quando eu vejo as pessoas falando de educação, falam de uma maneira bastante instrumental: “eu quero formar o pessoal para o mercado de trabalho”. Mas não é só isso, temos que formar uma pessoa integral, essa é a ideia da educação. O que é educação pública? Isso tem um sentido muito mais profundo do que as pessoas querem dar, no sentido de ser uma forma de integração do cidadão à sociedade que vive, em que você tira seu filho da particularidade da família e entrega à sociedade, para que ela eduque e o socialize de maneira decente. Mas nós criamos um sistema em que privatizamos tudo: escola, saúde, segurança. E isso, além de ser uma combinação terrível, é um grande obstáculo, até porque as nossas classes um pouco mais altas não querem saber do sistema público.

Site da UNE: Educação pública é sinônimo de educação gratuita para o senhor?
LGB: Sim, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, por exemplo. O governo fez duas coisas incríveis na educação que traduzem bem o que quero dizer. Uma é o ProUni e outra é o FIES. Dos programas que o governo desenvolveu esses dois são muito importantes e devem ser ampliados, no sentido de transformar a estrutura da universidade. Temos que caminhar para um sistema de promoção, cujo fator preponderante é o nível de renda.

Site da UNE: Uma das maiores lutas da UNE é para que o Plano Nacional de Educação (PNE) seja aprovado com uma meta de 10% do PIB de investimento público em educação. Você acha que possível chegarmos a esse número de investimento?
LGB: Claro que é possível, não sei nem quais são os argumentos desfavoráveis para isso. É preciso estudar quais são as formas de garantir que esses recursos cheguem à educação. Todo mundo diz que vinculação não é uma coisa boa, mas vinculação para saúde e educação é uma coisa boa, sim. São gastos que vão melhorar tudo, capacidade de gerar empregos, tudo. Não vamos esperar que o setor privado vá gerar esses recursos por causa do progresso técnico. As pessoas não dão conta que no pós-guerra a condição da Europa só foi possível devido aos trabalhos públicos. Por isso, é importante os movimentos se mobilizarem para conseguirem esse investimento.

Site da UNE: Belluzzo, a UNE, neste momento, está percorrendo o Brasil com uma Caravana que irá passar por 12 estados e 24 universidades para levar aos estudantes a discussão sobre qual é o país que queremos para daqui a dez anos. Como um grande economista, como você enxerga o Brasil daqui a dez anos?
LGB: Primeiramente, queria dizer que vocês estão recolocando a UNE no papel que ela cumpriu na ditadura militar. Esse é o papel que a UNE deve ter: fazer com que os jovens se mobilizem nas discussões sobre o Brasil. Estava aqui relembrando o Aldo Arantes, o Serra tiveram um papel importantíssimo nas discussões atuais da época, como as Reforma de Base do Goulart. Isso não pode se perder, os estudantes devem estar a par dos acontecimentos do país, devem participar e propor mudanças. Eu espero que, daqui a dez anos, o Brasil seja mais igualitário e menos hipócrita. Tudo está bem distante do que eu desejaria ver, então eu realmente espero menos hipocrisia e mais esperança, mais justiça. A minha geração é herdeira dos ideais do socialismo e espero que alcancemos algo parecido, uma igualdade entre todos.

Fonte: Site da UNE