A influência do pleito municipal na sucessão presidencial

O crescimento eleitoral dos partidos no pleito municipal pode ser decisivo para a montagem de bons palanques em 2014, ainda que eleições presidenciais, notadamente em período de reeleição, dependam mais do desempenho da economia, da sensação de bem-estar da população, da popularidade do chefe do Poder Executivo e, principalmente, dos arranjos das candidaturas majoritárias nos estados (governador e senador) – nos quais prefeitos e vereadores são peças-chave.

Por Antônio Augusto de Queiroz*

Na eleição deste ano, a briga por posições tende a ser mais acirrada entre os partidos da base do que entre situação e oposição. Um bom desempenho nas eleições municipais garante ao partido boas perspectivas de poder nos planos estaduais e nacional, seja para lançar candidatos próprios nas eleições gerais, seja para assegurar espaço privilegiado nas coligações e coalizões. Para alguns, é questão de sobrevivência, como nos casos do Partido Social Democrático (PSD), que disputa sua primeira eleição, e do Democratas (DEM), que passa por um processo de esvaziamento.

A importância dos prefeitos e vereadores no apoio às eleições gerais, inclusive a presidencial, é inquestionável. Eles, além de formadores de opinião, têm serviços prestados, são conhecidos em suas comunidades, dispõem de estrutura política e material, contam com apoiadores fidelizados e, portanto, possuem capilaridade e capacidade de mobilizar recursos (inclusive financeiros) e pessoas para fazer a campanha do candidato majoritário ao Senado, aos governos estaduais e à Presidência da República.

Esvaziamento da oposição

Um balanço das duas últimas eleições municipais (ver tabela abaixo), ambas realizadas com o Partido dos Trabalhadores (PT) na Presidência da República, combinado com fatos da conjuntura, dá boas pistas sobre a tendência do pleito de 2012, que sinaliza para um decréscimo da oposição em relação à performance de 2008, particularmente do DEM e do Partido Popular Socialista (PPS), e um crescimento dos partidos da base, especialmente do PT e do Partido Socialista Brasileiro (PSB), cuja principal liderança é o governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Uma análise tendo por base o porte dos partidos (grandes, médios e pequenos), os projetos políticos (projeção de prefeitos e vereadores a eleger) e o histórico das eleições anteriores sinaliza para mudanças relevantes.

Entre os grandes, a tendência é de crescimento do PT, em número de prefeituras e em quantidade de votos, e de redução do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), nos dois quesitos. No caso do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o principal partido de oposição, muito provavelmente haverá redução do número de prefeitos, embora possa haver aumento do número de votos com a candidatura de José Serra, em São Paulo capital.

O PT, que poderá eleger entre oitocentos e mil prefeitos, protagonizará duas grandes disputas, uma contra seu principal aliado no governo federal, o PMDB, para ver quem fará mais votos e elegerá mais prefeitos, outra com o PSDB na disputa pela Prefeitura de São Paulo, o principal reduto eleitoral tucano.

PT versus PMDB

Quanto ao número de votos é praticamente certo que o PT ultrapassará o PMDB, assim como já o fez em 2004, mas não será fácil superá-lo em número de prefeitos, até porque o PMDB possui grande capilaridade, inclusive em pequenos municípios do interior do país. De qualquer forma, é curioso que o PMDB que, desde 1992, é recordista em número de prefeitos, corra o risco de perder essa posição exatamente para o PT, de quem é parceiro no governo. Em número de vereadores, entretanto, dificilmente outro partido conseguirá superar o PMDB.

Entre os médios, o PSB é o que reúne melhores condições para crescer, podendo bater a meta de quinhentos prefeitos, e o DEM deverá manter sua trajetória de queda, como aconteceu no pleito de 2008, quando perdeu 40% das prefeituras que administrava. O Partido Popular (PP), o Partido da República (PR) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) estão no seu limite, com mais possibilidades de perderem administrações do que de ampliar o número de prefeitos. O Partido Democrático Trabalhista (PDT), com boa penetração no movimento sindical, beneficiou-se da visibilidade que ganhou à frente do Ministério do Trabalho e organizou o partido. No pior cenário, manterá o atual número de prefeitos, mas a tendência será mesmo de crescimento.

A grande incógnita nesse grupo será o PSD, que poderá sair de sua primeira eleição menor do que entrou. O partido não conseguiu, ainda, espaço nas rádios e TVs, nem recursos do fundo partidário proporcional à bancada na Câmara Federal, onde é a quarta maior força política, perdendo apenas para PT, PMDB e PSDB. Caso não consiga, dependerá de coligações para escapar do fiasco em 2012.

Maiores perdedores

Entre os pequenos, o PPS, por sua condição de oposição, e o Partido da Mobilização Nacional (PMN), pela migração de seus quadros para o PSD, podem ser os maiores perdedores. Podem crescer o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Social Cristão (PSC) e o Republicano Brasileiro (PRB), todos da base de sustentação do governo. O PV, apesar da saída de Marina Silva, que deu grande visibilidade ao partido na eleição presidencial, poderá ficar do mesmo tamanho ou até crescer um pouco no pleito municipal.

A primeira conclusão, relativa ao crescimento ou redução dos partidos, é que vão crescer alguns partidos da base, especialmente PT e PSB, sendo parte desse crescimento por subtração de prefeituras dos partidos de oposição e grande parte por migração ou disputa entre os partidos da base. Assim, PMDB, PP, PR e PTB serão os candidatos naturais a perderem administrações para os que crescerão na base aliada. As dissidências e ameaças de rebelião, inclusive com derrotas do governo no Congresso, já são reflexos dessas disputas por posições com a proximidade do pleito.

Assim como nas votações anteriores, as grandes disputas de 2012, que poderão dar alguma dimensão nacional à disputa, acontecerão nas capitais e nas cidades com mais de 100 mil eleitores, localidades onde o PT, o PSDB e o PMDB, nesta ordem, apresentam melhor performance em relação ao percentual de prefeituras que administram. E mesmo nessas cidades, o eleitor estará mais preocupado com os problemas do seu cotidiano e, por isso, tende a passar por cima dos embates nacionais entre PT e PSDB ou no caso específico de São Paulo entre Serra e Lula/Haddad. Aliás, se insistirem na estratégia de nacionalizar o pleito em São Paulo, correm o risco de deixar mais espaço para o PMDB de Gabriel Chalita.

A disputa nesses colégios, portanto, também terá foco majoritariamente local e se dará entre esses três partidos. Se dividirmos as cidades em quatro grupos, sendo o primeiro com até 10 mil eleitores, o segundo com entre 10 e 20 mil, o terceiro entre 20 e 100 mil e o quarto com mais de 100 mil eleitores, o PT concentra o maior número de suas prefeituras, 23%, nesta última categoria; o PSDB tem seu melhor desempenho, 15% do número de prefeituras, respectivamente nas cidades com entre 20 e 100 mil e acima de 100 mil, e o PMDB possui seu menor índice, 19%, entre as cidades com mais de 100 mil eleitores.

Reeleição

Das 26 capitais, que fazem parte das 252 cidades com mais de 100 mil eleitores (o DF não tem eleição municipal), apenas 13 poderão ter candidatos à reeleição. Isso significa que se todos os atuais prefeitos com direito a reeleição em capitais disputarem e renovarem seus mandatos, mesmo assim haverá uma renovação de 50%. Para se ter uma ideia, no pleito anterior, 20 dos 26 prefeitos de capitais disputaram a reeleição e, destes, 19 foram reeleitos. Há, portanto, na eleição deste ano, espaço para disputas emocionantes nas capitais.

Os grandes partidos também lideram nas 79 cidades com mais de 200 mil eleitores, entre as quais estão 24 capitais. Numa análise dos resultados eleitorais de 2008 nessas cidades, verifica-se que o PT elegeu prefeitos em 23, o PMDB em 17 e o PSDB em 13.
Será na disputa para as maiores prefeituras, incluindo as de capitais, que estarão em jogo o prestígio e, em certa medida, a perspectiva de poder no futuro, de lideranças dos principais partidos. No caso do PT, Dilma e Lula estão empenhados em ganhar a eleição em São Paulo, como parte do projeto de reeleição da presidente. No caso do PSDB, Geraldo Alckmin irá priorizar a retomada da Prefeitura de São Paulo, com a candidatura de José Serra; Beto Richa, em Curitiba, apoia o candidato à reeleição do PSB; e Aécio Neves, em Minas Gerais, particularmente em Belo Horizonte, precisa sair vitorioso, sob pena de enfraquecimento em seu projeto para 2014. No caso do PMDB, o desafio de Michel Temer é disputar bem em São Paulo com Gabriel Chalita. E o de Sérgio Cabral é reeleger o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.

A grande novidade da eleição nas capitais no pleito deste ano será o partido do governador Eduardo Campos, o PSB, que poderá melhorar sua performance, inclusive com o apoio do PSDB, um partido de oposição ao governo federal, do qual os socialistas são aliados históricos. O PSB, que na eleição de 2008 ficou na oitava posição entre os partidos que mais elegeram prefeitos, poderá saltar para o quinto lugar no ranking, alcançando a marca de quinhentos prefeitos. Seu fácil trânsito entre os outros partidos, inclusive na oposição, como o PSDB, e no centro-direita, como PSD, facilita as alianças e coligações e, em consequência, suas chances de crescimento.

Aliados

A segunda avaliação, extraída da análise de eleições anteriores, é que os partidos governistas no plano federal, especialmente em período de bom desempenho da economia e de alta popularidade da presidente da República, tendem a crescer nos pleitos municipais. A força da máquina federal, combinada com as perspectivas de levar obras e programas sociais, costuma favorecer os candidatos aliados.

As estatísticas, em períodos em que o presidente da República está bem avaliado, confirmam a vantagem de seus aliados nos pleitos municipais. Em geral, o partido do governo cresce nessas eleições. Na eleição de 2008, por exemplo, os partidos aliados do Executivo federal tiveram 68% dos votos e 71% das prefeituras, contra, respectivamente, 32% dos votos e 29% das prefeituras ganhas por partidos de oposição. Se considerarmos que a oposição atualmente possui menos prefeitos do que elegeu no pleito anterior, por força da migração para outras legendas, especialmente para o recém-criado PSD, a tendência é que a redução da oposição seja proporcional à perda de aliados.

A eleição municipal dificilmente será nacionalizada. Assim, o fato de o Produto Interno Bruto (PIB) de 2011 ter sido de apenas 2,7%, quando o governo, antes da crise, projetava 4,5%, não terá força ou peso suficiente para interferir substantivamente no resultado da eleição, salvo se, ao contrário das previsões governamentais e do mercado, houver uma redução da atividade econômica, e não uma aceleração. E, mesmo nesta hipótese, o PSDB, como maior partido de oposição, dificilmente tiraria proveito disto, por estar dividido e envolvido em luta interna.

A terceira e última avaliação é de que, apesar do baixo PIB em 2011, da queda de uma dezena e meia de ministros, sete deles por denúncia de corrupção desde a posse do atual governo, os aliados da presidente Dilma Rousseff tendem a ser os principais beneficiários do pleito de 2012. Somente com uma queda brusca na economia e uma completa desagregação da base, com o deslocamento de importantes partidos da base para a oposição, e uma grande perda de popularidade da presidente e de seu governo, é que poderia haver uma inversão de expectativa no pleito municipal.

A tendência geral, portanto, é que os candidatos à reeleição, especialmente os que estão bem avaliados, renovem seus mandatos, inclusive os prefeitos de partidos de oposição, e que as legendas da base de sustentação do governo cresçam em números de votos, de prefeitos e vereadores eleitos. A particularidade, como já mencionado, é que, dentro da base, partidos como o PT e o PSB cresçam e o façam não somente com votos retirados da oposição, mas também e, principalmente, com votos subtraídos de outros partidos da base, como o PMDB, o PP, o PR e o PTB. A temperatura ainda vai subir muito até as eleições de outubro próximo.

* Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).