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Jaime Sautchuk :Rio + ou – 20?

O tempo vai passando, o longíquo junho de 2012 está chegando, e os organizadores da conferência global conhecida como Rio + 20 dão claras indicações de que as coisas não vão bem. Sério retrocesso pode resultar desse esperado evento, que assim poderá ficar para a história como Rio – 20.

Por Jaime Sautchuk*

O que se esperava era um processo mais ou menos assim. Pegaríamos o calhamaço de decisões adotadas há 20 anos no Rio de Janeiro, avaliaríamos de modo crítico, contundente se necessário, as ações dele decorrentes mundo afora e se definiria um novo patamar para as próximas décadas. Doce ilusão.

Os encontros preparatórios já realizados no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) têm seguido uma linha de suavidade, bem light mesmo. A linha vem sendo ditada, em verdade, pelos representantes dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos, preocupados com a crise do sistema agora, não com o futuro.

Nesses encontros. o que os representantes dos demais países conseguem fazer é dependurar emendas num copião de documento em discussão, batizado de marco zero. O nome até convém, já que navega solenemente sobre as decisões de 92 e da Rio + 10, em 2002.

Entretanto, tentativas de se fixar grandes pontos sobre questões de relevância, como redução das desigualdades, respeito aos direitos humanos, uso de recursos naturais e corrida armamentista, por exemplo, têm sido sistematicamente ignoradas ou sufocadas.
O físico José Goldemberg, que tem acompanhado o tropel dos acontecimentos é um dos pesos-pesados que denunciam essa maneira frouxa com que o assunto tem sido tratado. Com um grave agravante: ao tratar do tema, em suas recentes viagens pelo mundo, a presidente Dilma Rousseff tem posto alguma lenha na fogueira, justamente por assoprar.
Ela tem dito que o conclave deve ser objetivo e direto, sem “romantismos”. Pode ser uma questão semântica, mas de todo modo preocupante. Um documento dessa natureza é muito mais que um papel, é um compromisso dos povos do Planeta com o seu próprio futuro.

Por isso mesmo, essa questão tem que ser tratada com forte conteúdo visionário, no sentido da definição de atitudes e metas que serão sentidas lá na frente. Mas não é o que vem ocorrendo. O que está prevalecendo é a visão das grandes potências de que o documento final da Rio + 20 deve ter coisa de meia dúzia de páginas, com colocações genéricas, esvoaçantes.
Além dos mais, neste momento histórico, não está havendo grandes arranca-rabos entre os chamados movimentos ambientalistas e governos e entidades partidárias da rápida acumulação de capital. Essa é uma tendência que vem se manifestando em todos os cantos do mundo, segundo observou Goldemberg semana passada.

O que explica isso talvez seja o fato de que a questão ambiental está, hoje, no âmbito do chamado desenvolvimento sustentável. E este nada mais é do que a tentativa de compatibilizar a atividade econômica com a qualidade de vida das pessoas e a própria sobrevivência do Planeta.

Muita gente fala essa linguagem, mas segue agindo de acordo com metas mais imediatas, descomprometidas com o futuro. Não precisa ir muito longe para se ter clareza disso. O modelo energético brasileiro e nossa opção pelo transporte individual são dois exemplos que saltam aos olhos. E se reproduzem mundo afora.

Com incentivo oficial, no Brasil a produção de automóveis cresce muito mais rapidamente do que as linhas de transporte coletivos ou mesmo as ciclovias. Falta pouco para chegarmos à marca de um carro para cada dois habitantes, com as consequências que disso decorrem.
Não se fala apenas da poluição do ar. É a qualidade de vida no geral. A histórica luta dos trabalhadores pela jornada de oito horas, por exemplo, há muito foi para o bebeléu. Os engarrafamentos, no país inteiro, aumentam brutalmente essa jornada para todo cidadão. Exceto, claro, os que andam de helicópteros. A indústria automobilística gera empregos agora, dizem. Ignoram, porém, que esse mesmo operário poderia estar assentando trilhos.

Por seu lado, as usinas hidrelétricas proliferam, ao sabor de interesses que suscitam muitas dúvidas. A começar pelos das empreiteiras que tocam essas obras bilionárias. Pouca atenção se dá a outras fontes de energia, cujo potencial brasileiro é por demais conhecido. E seguimos inundando vastas áreas em que mal conhecemos os biomas locais.

Ou seja, a Rio + 20 caminha nesta direção. Tudo indica que vai tratar de abobrinhas, de generalidades que, essas sim, nada tem a ver com a vida na Terra. Estão no mundo da Lua. E bem atrás da Rio-92.

*Jornalista, escritor, colunista do Vermelho