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'Busquei no estudo uma vida melhor', diz 1ª travesti doutoranda do país

“Canalizei toda a energia para os estudos e, assim, fui conquistando o respeito de todos. Busquei no estudo uma alternativa de vida melhor”, afirmou à imprensa a cearense Luma Nogueira de Andrade, que em julho, se tornará a primeira travesti a apresentar uma tese de doutorado no Brasil.

Mesmo na infância em Morada Nova, a 163 km de Fortaleza, a discriminação não foi barreira para a cearense, que nasceu com o nome de João. Filha de agricultores analfabetos, ela resolveu abrir caminhos e enfrentar a pobreza e o preconceito com o conhecimento.

A doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) estuda a realidade de travestis nas escolas. Segundo ela, em sua tese relata casos de estudantes que vivenciam situações de aceitação ou de total repressão.

Preconceito, por que?

Emocionada, Luma contou que em seus primeiros anos de escola chegou a ser agredida por outros alunos por “ser diferente e sempre preferir brincar com as meninas”.

“Uma vez, quando cheguei à sala de aula chorando, ouvi da professora: 'Bem feito. Quem mandou você ser assim?' ”, recorda.

Em vez de desistir de assumir quem era ou se rebelar, Luma repetia para si mesma: “Eu vou superar isso”. E, assim, foi vencendo o preconceito dos alunos e professores, sendo sempre o destaque da turma.

“A estratégia era eu ser a melhor aluna. Eu fazia um acordo, e ajudava, dando aulas particulares e eles, e assim, eles me aceitavam”, diz.

Superação

Aos 18 anos, quando passou no vestibular na primeira tentativa para o curso de Ciências da Universidade Estadual do Ceará (Ceará), no campus de Limoeiro do Norte, os olhares de reprovação por se vestir com roupas femininas e estar maquiada não diminuíram.

“Eu me enganei. Na faculdade, eu sofri tanto quanto na educação básica.”

Em 1998, Luma Andrade passou para concurso de professor efetivo da rede municipal de Morada Nova e também começou a ensinar em escolas estaduais e particulares. Quando passou no Mestrado em Desenvolvimento do Meio Ambiente em Mossoró, no Rio Grande do Norte, apesar de ser vista por colegas de trabalho como “mau exemplo”, não abriu mão de continuar a ensinar e pediu transferência para uma escola de Aracati, município mais próximo de onde estudava.

Com o título de mestre, em 2003, ela prestou concurso para a rede estadual de ensino de Aracati e, de quatro vagas, foi a primeira e única aprovada. Na hora de ser lotada, os diretores disseram que não havia vagas e Luma teve de pedir a intervenção da Secretaria de Educação do Estado (Seduc) para assumir o cargo.

Em Aracati, Luma passou a dar palestras e aulas de cursinho pré-vestibular e desenvolveu, em 2005, o projeto “Intimamente Mulher” que incentivava alunas e professoras a fazer exames de prevenção. A iniciativa ganhou o primeiro lugar no estado e Luma recebeu o prêmio no Ministério da Educação.

Mesmo com reconhecimentos e títulos, a educadora continuava encontrando discriminação. Ao colocar próteses de silicone nos seios, a travesti conta que foi enviada uma denúncia à Secretaria de Educação.

“Eles diziam que estava mostrando os seios para os alunos, mas provei que não era verdade. Ia até com uma bata para não chamar atenção”. Em 2007, passou em uma seleção e mudou-se para Russas para ser supervisora de 26 escolas estaduais em 13 municípios do Ceará. No cargo, a travesti pode acompanhar e ajudar mais de perto as histórias de outras “Lumas” agredidas na escola ou em casa. “Eu via nelas eu mesma. Toda a dificuldade que passei”.

Mudança de nome

Aos 33 anos, Luma ainda tinha nos documentos o nome de João Filho Nogueira de Andrade. No Dia da Mulher de 2010, ganhou o presente de ser a primeira travesti a ter o direito de mudar os documentos sem a operação de mudança de sexo no Ceará. As histórias de vitórias e de superações que já chamaram atenção de cineasta e políticos não vão parar. Luma não se cansa de seguir e abrir os caminhos em defesa da diversidade humana.

“Quero combater todo o preconceito. Cada passo que eu dou, cada degrau que eu subo, sei que estou contribuindo para mudar pessoas e não posso deixar de buscar novos espaços. A própria travesti pensa que não existe outro caminho sem ser a prostituição”, afirma.

Fonte: G1