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Vindo do Amazonas, chega ao mercado um bacalhau brasileiríssimo

Com a proximidade da Páscoa, cresce consideravelmente no país o consumo de bacalhau. Até agora, as opções disponíveis na maior parte do país eram todas importadas. Mas agora chega ao mercado o Bacalhau da Amazônia, feito a partir da salga do pirarucu (Arapaima gigas), peixe exclusivo da bacia amazônica. Uma opção saudável, ecologicamente correta e brasileiríssima.

Por Cláudio Gonzalez*

O Bacalhau da Amazônia já está no mercado da região norte desde o final do ano passado e neste mês de abril passa a ser vendido nas demais regiões do país através da rede de supermercados do grupo Pão de Açúcar. A expectativa da rede, que vende mais de 5 mil toneladas de bacalhau importado por ano, é que a versão amazonense alcance 5% deste mercado. Também há um acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel/AM) para a comercialização direta do produto industrializado com a cadeia de restaurantes local.

No vídeo abaixo, do portald24am , Eron Bezerra fala do produto

O lançamento do produto na região sudeste acontece nesta segunda-feira, dia 2 de abril, no Restaurante Dressing, em São Paulo, a partir das 12h. Os chefs Felipe Schaedler, do restaurante Banzeiro, de Manaus, e Ednaldo Santana, do restaurante Dressing, de São Paulo, prepararão diversas receitas para degustação do pescado.

A marca “Bacalhau da Amazônia” também poderá alçar voos internacionais. O Governo do Estado e o Ministério de Relações Exteriores (MRE) irão promover, no dia 24 de abril, no Palácio do Itamaraty, em Brasília, o lançamento do produto para as Embaixadas Estrangeiras com sede na capital federal.

Produção sustentável

Eron Bezerra, secretário estadual de Produção Rural do Amazonas, é um dos grandes incentivadores do bacalhau brasileiro. Ele apresentou a novidade em janeiro, durante o Fórum Social Temático, em Porto Alegre, onde o Bacalhau da Amazônia, também conhecido como Bacalhau do Norte, foi classificado como o melhor exemplo de alternativa para o desenvolvimento sustentável.

Eron lembrou, durante sua palestra, que o pirarucu salgado já está presente na mesa dos amazonenses há muito tempo, inclusive sendo vendido em abundância nos mercados populares, mas agora o processo de industrialização irá agregar valor ao produto cujos princípios de produção são a sustentabilidade ambiental, a justiça social e a viabilidade econômica.

O secretário destacou que, junto com o processo de industrialização, está sendo criado um selo que vai atestar o processo de fabricação conforme a legislação, com o aval da Comissão de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Codesav) e do Ministério da Agricultura. A partir de então, os órgãos de fiscalização poderão atuar com mais rigor na fiscalização contra a comercialização ilegal deste tipo de produto. “A industrialização desencadeia todo um processo que vai combater inclusive a pesca ilegal”, diz Eron.

Fábrica em Maraã

A primeira indústria do produto na América do Sul foi inaugurada no ano passado pelo governador Omar Aziz no município de Maraã (a 635 km de Manaus).

O faturamento dos produtores que fornecem pirarucu para a Fábrica de Bacalhau da Amazônia teve acréscimo de quase 100% só nos quatro primeiros meses de operação da fábrica.

Segundo Eron Bezerra, os números foram possíveis graças à instalação da fábrica que dá garantias ao produtor rural. “O Governo conseguiu solucionar dois problemas de uma vez só. Isso porque nós elevamos o preço pago ao produtor e acabamos com a falta de mercado, já que a Fábrica de Bacalhau da Amazônia tem capacidade de processar tudo o que hoje é produzido”, afirma.

Atividade autossustentável

Ainda de acordo com Eron, a atividade também pode ser considerada autossustentável. Ele explica que, de uma forma geral, o processo de industrialização do pescado costuma ter perdas, mas, no caso da indústria de Maraã, isso não aconteceu. Para que a produção fosse economicamente viável, das 160 toneladas de pirarucu adquiridas seria necessário transformar em produto final pelo menos 30 toneladas. “O Amazonas ultrapassou essa meta. De todo o peixe comprado pelo governo, nós aproveitamos entre 60 e 80 toneladas. Somos autossustentáveis”, comemora o secretário.

Além de Maraã, com capacidade de processar 1,5 mil toneladas por ano, uma segunda fábrica de salga de peixe, com o dobro da capacidade, está sendo construída no município de Fonte Boa (a 680 quilômetros de Manaus). Com as duas fábricas em atividade, será possível processar todo o pirarucu do Estado, garante a Sepror.

As fábricas serão abastecidas com o pescado de áreas de manejo, como a reserva de Mamirauá e outras RDS da região. Para o governador Omar Aziz, este é o tipo de projeto que interessa ao Amazonas pelo seu caráter sustentável e por garantir o desenvolvimento de toda a cadeia do pescado. “Vamos gerar empregos diretos, mas muito mais indiretos, pois iremos beneficiar os pescadores, valorizando o produto e garantindo mercado e preço justo, dando oportunidade ao homem do interior de melhorar a sua renda”. A estimativa é de geração de 150 empregos diretos e outros 5 mil indiretos somente com a fábrica de Maraã.

Para o ministro Luis Sérgio de Oliveira, a indústria de Bacalhau da Amazônia tem tudo para ser um sucesso, levando em consideração que o Brasil é o segundo maior consumidor de bacalhau, depois de Portugal. “O Bacalhau da Amazônia vai chegar no cardápio dos restaurantes do Amazonas e também do resto do Brasil”, comentou o ministro.

Pirarucu também é bacalhau?

Há certa polêmica sobre o uso do termo “bacalhau”. Muitos especialistas argumentam que “bacalhau” é um processo específico de salga e cura do peixe, do qual é retirada em média 50% da sua umidade, portanto qualquer pescado que passe por este processo pode ser batizado de bacalhau. Já os mais puristas dizem que somente as cinco espécies tradicionalmente comercializadas (Cod Gadus Morhua, Cod Gadus Macrocephalus, Saithe, Ling e Zarbo) é que podem ser denominadas bacalhau. Todas são da ordem dos Gadiformes e provenientes de águas marítimas profundas e geladas.

E há ainda os radicais que acham que somente os dois primeiros (Cod Gadus) têm direito de receber o nome de bacalhau. Por outro lado, também tem quem defenda que o pirarucu salgado não deveria ser chamado de bacalhau pois isso seria uma forma de “desnacionalizar” um produto tipicamente brasileiro. Este blogueiro fica com a opinião dos que chamam de bacalhau o peixe seco e salgado, seja ele qual for.

No caso do pirarucu, embora seja de água doce e não faça parte da ordem dos Gadiformes, sua carne se adapta muito bem ao processo de salga utilizado, o que faz com que possa ser vendido como bacalhau. Após dessalgado, sua carne lembra o bacalhau tradicional, tem cor semelhante, variando do branco ao amarelo, mas tem um sabor único. Dependendo da preparação, seu sabor pode ficar mais forte ou mais suave que o bacalhau tradicional. Sua textura também é menos fibrosa que a dos demais tipos de bacalhau e se desfaz em lascas muito bem. Substitui o peixe europeu em qualquer receita e, segundo os chefs que já trabalharam com o produto, ele é ainda mais versátil que o bacalhau tradicional.

*Cláudio Gonzalez é jornalista e edita o blog gastronômico Papillon (http://www.papillon.blog.br/ ), onde esta matéria foi originalmente publicada.