Após 15 anos, Chico Science continua atraindo novos fãs

“Basta o terrível Senhor Acaso resolver aprontar e tá decidido. Ele pode acordar com algum prurido perturbador e inexplicável, e aí salve-se quem puder, é capaz de pregar uma peça numa cidade inteira!”. Ditas em 2001, as palavras de Fred Zeroquatro, vocalista do Mundo Livre S/A, ainda tentavam expressar o choque e as dores da perda e da ausência de Francisco França, o Chico Science, que morrera em um acidente na semana pré-carnavalesca de 1997. Hoje – exatos 15 anos após sua partida –, as ideias e a obra musical do artista perpetuam-se no DNA sonoro de inúmeros músicos locais e nacionais e atraem o interesse de uma geração que não teve o privilégio de vê-lo ao vivo nos palcos.

O estudante de administração e músico Jáder Cabral, 17 anos, faz parte desse grupo. Ele canta, toca guitarra e violão em uma nova banda chamada Projeto Sal e diz que passou a conhecer o som de Chico somente há dois anos, quando pegou emprestado os CDs de seu pai. A partir daí, a admiração pelo cantor foi surgindo. “Ele foi um cara que inovou bastante e conseguiu criar um novo ritmo. Chico, Alceu Valença e Luiz Gonzaga são os três maiores de Pernambuco”, defende Jáder.


Chico Science e Nação Zumbi ao vivo no Abril pro Rock de 1996. Participação de Gilberto Gil

Mesmo sem vivenciar o período no qual Chico Science encantava plateias, a jornalista e produtora cultural Thaís Vidal, 21, encontrou inspiração e estímulo para realizar projetos e eventos nas atitudes e realizações de Science, em particular, e na movimentação manguebeat, como um todo. Essa relação começou nos tempos de colégio, no ensino médio, onde Thaís passou a pesquisar sobre a música de Pernambuco.

“Fiz uma monografia no colégio que falava sobre como a manguebeat e Chico Science mudaram o cenário da música no Recife. Me impressionou a forma como eles se organizaram e sacudiram a cultural local. Eles inovaram e surpreenderam. E a Nação Zumbi continua a surpreender”, elogia Thaís. Na visão dela, a eclosão do mangue injetou maior senso de responsabilidade e uma busca por excelência tanto de músicos quanto de quem trabalha para e com eles. “A coisa ficou mais profissional”, opina.

Para o baterista e estudante de letras Leandro Barbosa, 20, o que o chamou mais atenção no som e Chico Science e Nação Zumbi foi – por motivos óbvios – a percussão e a mistura de ritmos. “Sempre ouvia falar deles por meio do meu pai e do meu tio. Daí, comecei a ouvi-los por mim mesmo e a internet ajudou bastante. É bem interessante o modo como eles misturam maracatu e outros sons locais com elementos do rock, funk, pop, acabando por criar algo novo”, ressalta.

O futuro cientista social Pedro Farias, 25, também destaca o ineditismo do som dos malungos. “Sempre ouvi muita música e até o surgimento de CSNZ, ninguém havia incluído as alfaias em uma banda de maneira tão enfática”. Três anos mais nova que Pedro, Camila Távora segue a mesma linha de raciocínio e completa: “Estávamos vivendo num marasmo e não havia uma identidade própria da cena, com eles vivemos um recomeço”.

Sempre cercado por gente de várias gerações, o cantor e compositor Lula Queiroga opina sobre esse fascínio da garotada por Chico Science: “O trabalho dele era visceral, libertário e bastante jovem. Essa energia contagia os mais novos”.

MEMORIAL CHICO SCIENCE

Administrado pela Prefeitura do Recife e funcionando desde abril de 2009, no Pátio de São Pedro, Centro, o Memorial Chico Science é um espaço que, além de servir como ambiente de divulgação e perpetuação da obra do mangueboy, serve como difusor da música pernambucana e de outras manifestações culturais.

A criação do lugar foi inspirada em uma das muitas ideias de Chico, mais especificamente a do Antromangue: uma espécie de central de distribuição de conhecimentos musicais, literários, cinematográfico, científicos, entre outros temas.

Site: www.memorialchicoscience.com  

Documentário da BBC de Londres com trecho sobre o manguebeat

CHICO SCIENCE E MANGUEBEAT ATRAEM INTERESSE DE PESQUISADORES

Chico Science e o próprio o manguebeat foram e continuam servindo como tema de pesquisas acadêmicas de estudiosos do Brasil e do exterior. No site do Memorial Chico Science encontram-se listados 21 trabalhos que podem ser acessados pelos interessados.

Entre esses pesquisadores, está o norte-americano Jeff Duneman, que ensina percussão e toca bateria na banda americana Red Earth, do Estado do Novo México. Eles fazem, basicamente, rock com pitadas de funk, jazz, música indígena e até ritmos brasileiros como o coco. A canção Key of pain é um exemplo disso. Veja abaixo.

Jeff Duneman tinha um professor na Universidade do Novo México que conhecia quase tudo sobre música brasileira. Ele sempre o apresentava a coisas novas. Quando soube que Jeff ia para o Brasil em 2000, mostrou-lhe um CD. O disco era o Afrociberdelia, segundo álbum de CSNZ. “Senti que a força que a percussão poderia exercer sobre uma banda contemporânea, sem ser ‘tradicional’ mas ou mesmo tempo ligada às raízes. É impressionante como esse groove daí do Recife continua conquistando muita gente. Hoje em dia, temos grupos que tocam maracatu em vários cantos do planeta”, comemora Jeff.

Red Earth toca Key of pain

Fonte: NE 10