Sem categoria

Morvan Bliasby: Lula e a integração da América Latina

Mesmo convalescendo de um câncer na laringe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca deixou a atividade política. Isto é muito natural em pessoas “hiperativas”, aquelas que nunca sabem ficar paradas, nem mesmo em estado de restabelecimento de alguma doença. É impossível pensar Lula sentado, calmo, só pensando em seus próprios problemas, ensimesmado na doença que lhe inflige ora.

Por Morvan Bliasby*, no Vi o Mundo

Não é demais lembrar que, por ocasião da publicação dos dados do IDH, foi o próprio Lula quem alertou que os dados não refletiam o período aludido, ou seja, os gráficos mostravam dados com atraso considerável (de, pelo menos seis anos), o que implicaria que a situação do Brasil seria ainda melhor do que aquela retratada pela divulgação. Isto, o alerta, fora dado a partir de um leito de hospital. O “cara” não descansa, mesmo.

Pois muito bem, o projeto de Lula para o Brasil e para toda a América latina é a integração da região. Sonho este que remonta de há muito e que tem seu alicerce ainda no primeiro governo, quando o próprio Lula apresentou o projeto àquele que seria homenageado, por tudo o que fez pelo país, o grande economista Celso Furtado. Projeto apresentado ao homenageando pouco antes de seu desaparecimento.

Em julho de 2004, na reunião da Unctad, Lula apresentou formalmente a ideia da criação do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. Lula falou, naquele momento:
“… Quero propor aqui, a criação de um centro internacional de políticas para o financiamento do desenvolvimento, com o nome de Celso Furtado. Cada ciclo histórico tem sua usina intelectual de referência estratégica. Desejamos que seja criado um centro irradiador de projetos e políticas inovadoras no combate à fome, à pobreza e aos gargalos do desenvolvimento. Meu governo está disposto a prestar todo o apoio para construir uma fundação internacional de estudos e pesquisas com esses propósitos”.

Já em 2005, após a criação do Instituto e pouco tempo após o desaparecimento do brasileiríssimo Celso Furtado, Lula enviaria carta endereçada à diretoria – composta então, dentre outros, por Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares e Rosa Freire D’Aguiar Furtado – evidenciando a necessidade desta integração e ciente das dificuldades da implementação desta integração:

“Nenhum projeto dessa envergadura logra êxito sem mobilizar núcleos de reflexão que harmonizem as aspirações de uma época com os recursos ao seu alcance. Conto com a contribuição do Centro Celso Furtado para arregimentar as energias intelectuais da América do Sul que permitirão fazer avançar, neste momento promissor…, um grande programa de desenvolvimento para o século 21, capaz de superar a indigência intelectual das últimas décadas, reatar com a tradição teórico-política (de Furtado) e lançar as bases de um novo pensamento econômico para a região”.

Na última terça-feira (17) , acompanhado do ex-secretário geral da Presidência, Luiz Dulci, coordenador para Assuntos da América latina do Instituto Cidadania, Lula recebeu o Presidente uruguaio José Pepe Mujica, em conversa de três horas sobre o tema.

“Estamos empenhados em formar um grupo de intelectuais e pensadores para dar corpo a uma doutrina de integração”, disse Mujica.

Mujica afirmou que “Os povos não se deram conta da importância concreta que tem o fenômeno da integração para suas vidas”. Segundo ele, as nações da região passaram 300 anos “de costas” uns para os outros, “olhando para a Europa”.

Interessante observar alguns pontos sobre este “despertar” da América latina: não foram trezentos anos “de costas” uns para os outros. Foram três séculos de divisão, divisão esta que não interessava somente ao europeu. Na verdade, quem mais semeou a discórdia, a desconfiança e a cisão destes países foram nossos “irmãos do norte”. E também, claro, os maiores beneficiários. A Operação Condor, de tristíssima memória e que tanto mal fez a todos nós foi engendrada em Washington e foi implementada em toda a região, com o conhecimento destes. A “lavagem de tortura” foi trazida diretamente dos EUA e os brasileiros, fato comprovado, eram “monitores de tortura”.

Foi necessário também haver um alinhamento entre os vários presidentes da América Latina para esta ideia ser gestada. Sem as vitórias de Lula, dos Kirchners, de Mujica, por exemplo, dificilmente esta política de integração seria sequer cogitada.

O que Lula e os seus pares estão fazendo pode ser visto como uma verdadeira “descondorização” da América Latina, ou seja, o medo do império se torna, aos poucos, verdadeiro. Só que a Operação Condor foi implantada com sangue, suor, lágrimas e coturnos. A integração de toda a América latina está sendo implantada com amor, respeito, sonhos e ideias. Ao invés de coturnos, corações e mentes. Em vez da execrável “inteligência militar”, cientistas e pensadores em geral a serviço da humanidade.

Parabéns a Lula e a Celso Furtado, nordestinos “arretados” (Pernambuco e Paraíba, respectivamente), que pensaram e pensam (no caso, claro, do Lula) não só o Brasil, mas toda uma região historicamente relegada, vilipendiada e expropriada. Parabéns também ao presidentes dos países vizinhos por entenderem que a nossa integração é inarredável e é urgente.

*Morvan Bliasby é pedagogo, especializado em orientação educacional e em recursos humanos e psicologia organizacional e ganha a vida como servidor público. Recebeu, em 2008, do Governo do Estado do Ceará, a Comenda “Mérito Funcional”, por ministrar aulas, gratuitamente, sobre Software Livre para todos os colaboradores do Estado.