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Crise requer dureza e resistência da classe operária, diz KKE

Em sua intervenção no recém terminado 13º Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários, realizado em Atenas, Grécia, a secretária-geral do Partido Comunista da Grécia (KKE, na sigla em grego), Aleka Papariga, expôs aos delegados de todo o mundo as linhas de ação do partido diante da crise que vive o país e a Europa.

Leia a seguir a íntegra da intervenção

Discurso da Secretária-Geral do Comitê Central do Partido Comunista da Grécia, Aleka Papariga

Estimados camaradas:

Lhes desejamos calorosas boas-vindas uma vez mais aqui em Atenas. Como já sabem, aqui teve lugar, por iniciativa de nosso partido, o primeiro encontro de partidos comunistas e operários em 1998, para a coordenação, a ação conjunta e o reagrupamento do Movimento Comunista Internacional, que está experimentando uma crise ideológica, política e administrativa.

Em 2005, aqui em Atenas, decidimos de maneira coletiva que este encontro internacional fosse realizado em outros Estados e continentes, na Europa, América Latina, Oriente Médio, Ásia e África. Hoje nos encontramos de novo em Atenas, para estudar a experiência, tirar conclusões deste importante percurso, intensificar nossos esforços nas novas condições da crise capitalista profunda, de antigos e novos focos de guerra pela divisão dos mercados.

Quando surgiram os primeiros sinais da crise em nosso país, nos encontrávamos ideológica e politicamente preparados para conduzir, com um ajuste muito rápido, as grandes tarefas, para especializar nossa estratégia e tática, contribuir para se agrupar e aumentar a militância das forças operárias e populares, com demandas radicais e formas de luta avançadas. Esta preparação se deve, em nossa opinião, a dois fatores combinados que, permitam-nos dizer, sua importância vai mais além do nível nacional.

O KKE defendeu o socialismo e a contribuição da URSS à luta dos povos contra a furiosa ofensiva anticomunista, inclusive sob as condições mais difíceis. Mas não se limitou a isso. Desde o princípio da década de 1990, demos prioridade ao estudo científico necessariamente demorado, com relação aos arquivos, sobre as causas da vitória da contrarrevolução na União Soviética e nos demais países socialistas.

Após 18 anos de estudos, chegamos à conclusão na resolução do 18º Congresso, enquanto continuamos aprofundando assuntos da superestrutura política, dos órgãos do poder, do controle operário. É verdade que a experiência adquirida destaca a necessidade do poder operário, da socialização dos meios de produção e a planificação central, em oposição à percepção do "Socialismo do Século 21" e o do "Socialismo de Mercado", que não têm nada a ver com o socialismo científico e a experiência da construção socialista. Quando foram promovidas as leis do mercado na construção socialista e nas relações de produção socialista, o controle operário se debilitou e começou a contagem regressiva rumo à contrarrevolução.

Ao mesmo tempo prestamos atenção especial ao estudo dos acontecimentos econômicos e políticos na União Europeia, no sistema imperialista, das contradições e da competitividade e, naturalmente, dos acontecimentos econômicos na Grécia, focalizando nas consequências que vivemos e, sobretudo, que vamos a enfrentar como Estado Membro, enquanto as tendências centrífugas ficam cada dia mais evidentes. Além disso, demonstrou-se de grande utilidade, inclusive no presente, o estudo dos vinte anos da história do Partido e do movimento na Grécia, durante os anos do período de 1949 a 1968. Esse período é adequado para o estudo crítico e a avaliação da estratégia do Partido em um período de desenvolvimento do capitalismo grego e de sua adaptação à Comunidade Europeia. Tratamos esse assunto de modo crítico e autocrítico e mais além desde o ponto de vista do impacto do curso do movimento comunista internacional, de que formamos parte integral.

No mesmo período, não houve nenhum problema político de maior ou menor importância e, sobretudo, problema operário, popular socioeconômico sobre o qual não tentamos, com trabalho desde a base, reunir forças na base social e classista, iluminar amplamente o povo sobre a crise, seu caráter e a saída, organizar e intensificar a luta de classes em todas as formas, de cima a baixo e vice-versa, para atrair novas forças operárias populares. Fez-se um esforço quase sem precedentes com novas formas de luta e sob o lema da desobediência e indisciplina, a organizar coletivamente, por exemplo, a resistência para que o povo não pague os pedágios nos fins de semana no verão, o bilhete de entrada nas praias privadas e recentemente o imposto sobre a propriedade, que está incluído na conta de eletricidade e é acompanhado de uma ameaça inaceitável e sem precedentes de corte do fornecimento de eletricidade, independente de que o valor correspondente à energia tenha sido pago.

A principal frente de luta se dirige, naturalmente, contra o desemprego, contra o corte de salários e aposentadorias, contra as demissões no setor público e privado, a abolição dos contratos coletivos, as formas de trabalho temporárias e flexíveis, contra a redução enorme do financiamento dos fundos da segurança social, a educação, a saúde, a prevenção e o bem-estar, contra o corte drástico de despesas com as pessoas com deficiência, contra a redução ou inclusive a abolição da ajuda-maternidade, pelo financiamento das creches, etc.

Ao mesmo tempo levamos a cabo um amplo trabalho ideológico e político, com debates e conferências sobre assuntos de suma importância como é o socialismo, a história do partido, o tema da crise econômica capitalista e o reagrupamento do movimento operário.

A participação no debate se organizou dentro do partido, até as organizações de base do KKE, se estendeu aos órgãos da KNE (A união da juventude comunista grega) e a suas organizações de base em várias formas.

Hoje prestamos atenção especial e seguimos muito atentos ao perigo de um conflito militar relativamente mais generalizado na zona geoestratégica do Mar Negro, do Oriente Médio, do Mediterrâneo Oriental e, sendo assim, elaboramos uma postura específica contra a guerra imperialista, independente dos pretextos que serão utilizados e, sobretudo, elaboramos a estratégia de transformação da guerra em luta pelo poder. A burguesia do nosso país estará no lado de um ou outro eixo do pólo imperialista, com o objetivo de participar na divisão dos mercados, de modo que não fique à margem do processo. O povo não deve derramar seu sangue pelos interesses dos imperialistas, nem o seu nem o de outras pessoas. O mesmo é certo para os demais povos.

Trata-se de um assunto que exige a postura comum dos partidos comunistas e dos movimentos operários, em assunto em que a unidade é de suma importância. Devemos ter a oportunidade, talvez em um encontro regional ou local, de trocar opiniões sobre esse assunto tão grave, reforçando em todo caso a frente contra o chamando "mundo multipolar", que constitui um esforço de manipulação dos povos e incorporação no sistema imperialista e em suas contradições.

É óbvio que hoje em dia haja um impasse na gestão burguesa da crise; as receitas clássicas não podem ser aplicadas como foram no passado, ainda com dificuldades; a administração das consequências da crise é impossível, sobretudo o desemprego e a pobreza. Estimamos que a recuperação, quando vier, será débil e, talvez, antes que aconteça haverá um novo ciclo de crise.

O movimento operário e seus aliados, sobretudo os trabalhadores autônomos sem contratados e outros pequenos empresários pobres que estão enfrentando a falência, assim como os pequenos camponeses pobres, devem mostrar resistência diante da dureza e da complexidade da luta, ante a intransigência do inimigo. Hoje, a postura defensiva não pode trazer nenhum resultado porque estamos em condições de um ataque que tem como objetivo a abolição das conquistas obtidas no século 20, particularmente depois da Segunda Guerra Mundial na Europa.

O que se requer hoje é o planejamento e a escalada da luta de classes, para colocar – à medida do possível – obstáculos às medidas adotadas, a atrasar as novas decisões e a ganhar tempo para o contra-ataque, cujo desenlace deve dirigir-se à derrocada do poder dos monopólios, do sistema político burguês, pelo poder operário, pelo socialismo. As medidas que se tomam em nome da crise ou da regulação da crise a favor dos monopólios, vão muito além da própria crise; são medidas que têm como objetivo o reinício da rentabilidade no período de recuperação, a qual inclusive os próprios Estados capitalistas não consideram que será estável e impetuosa. A Grécia está em um curso de quebradeira controlada, ao mesmo tempo que uma falência sem controle seja possível, assim como a saída da Eurozona, a utilização de um duplo euro, um supervalorizado internamente e um euro externo, determinado pela União Europeia e pelo FMI, para proteger o máximo possível os credores.

Nenhuma proposta política burguesa, liberal, social-democrata, de esquerdas, de "renovação", não pode constituir uma saída política a favor do povo, não pode proteger o povo da indigência nem em curto prazo e, muito menos, em longo prazo, se não colocar como questão principal a ruptura dos monopólios – industriais, dos bancos, comerciais – isto é, ruptura com a propriedade capitalista, suas instituições estatais, suas alianças internacionais.

O que tem importância hoje em nosso país, assim como na Europa em geral, é fazer frente a partir de um ponto de vista classista à tentativa de ludibriar o povo quando dizem que vivemos uma crise da dívida, uma crise dos índices financeiros, que a crise surgiu por causa de má-administração, do desperdício de dinheiro e serviços sociais, ao invés de ter sido dirigido a investimentos produtivos e outras desculpas. A crise se deve ao modelo produtivo de desenvolvimento e à baixa competitividade, isto quer dizer que todos, todas as classes e camadas sociais, consomem mais do que ganham; que se deve à má arquitetura da construção europeia, segundo sustentam, com pequenas diferenças, tanto partidos burgueses como partidos reformistas e oportunistas.

Todas essas versões distorcem a realidade, ocultam que se trata de uma crise de superacumulação de capitais, que expressa a agudização da contradição fundamental do capitalismo. Dissociam a economia da política, obstaculizam o desenvolvimento da consciência antimonopolista anticapitalista radical. Os trabalhadores na Grécia, na Eurozona, devem repudiar a teoria de que a proteção contra a quebra do Estado é um objetivo nacional, que se exigem sacrifícios para obter esse objetivo, que inclusive se denomina "patriotismo contemporâneo". Os trabalhadores não são responsáveis pela dívida pública e não devem pagá-la.

A indignação do povo não é suficiente para levar a cabo o contra-ataque popular, a menos que obtenha um conteúdo antimonopolista em essência anticapitalista. Não se deve subestimar a experiência da burguesia e de seus partidos em distender e desviar o descontentamento popular, algo que foi observado no caso da "primavera árabe", com uma ou outra particularidade nos vários países. Assim, a questão ruptura ou submissão é absolutamente oportuna.

A chamada Frente Antimemorando

Há em nosso país forças burguesas e oportunistas, e especialmente intelectuais apologistas do sistema capitalista e de sua renovação que exercem crítica ao Memorando, o denunciam como ineficaz para a saída da crise, argumentando que impõe sacrifícios unilaterais. Denunciam o Memorando que foi elaborado pela União Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo FMI porque, segundo afirmam, rompe a "coesão social", traz mais próximo o risco – como dizem caracteristicamente – da explosão social, revelando a hostilidade contra a luta de classes. Promovem distintas variações de gestão burguesa, que supostamente trará o equilíbrio e a coesão, para que os capitalistas e os monopólios, de um lado, e os operários e o povo, por outro, possam viver em um consenso entre eles, e todos juntos servir ao desenvolvimento capitalista, uma Grécia forte na Eurozona, no núcleo duro da União Europeia. Fomentam a ilusão de que pode haver interesses unitários na saída da crise. O maior serviço que o oportunismo oferece no esforço de estabilização do sistema político burguês é a posição que a saída da crise e o alívio do povo não deva ser um objetivo de luta em nível de Estado-nação mas sim a nível europeu, considerando que nenhuma ruptura é possível de levar a cabo a nível nacional mediante a ascensão da luta de classes e a solução da questão do poder.

Ante os impasses da gestão da crise ocorreu algo totalmente previsto e normal para os defensores do sistema capitalista, que é a formação de um governo de coalizão mediante os processos do Parlamento e a intervenção dinâmica da União Europeia, entre os dois partidos burgueses básicos e um pequeno partido de extrema-direita, que nos últimos anos faz o trabalho sujo da provocação e do anticomunismo, a serviço do Pasok e da ND.

O alinhamento dos partidos burgueses, ante o movimento emergente, intensificou as perguntas e os pensamentos sobre se o sistema político burguês conseguirá manejar essa situação mediante a cooperação direta dos partidos burgueses ou se deve-se formaram dois pólos de cooperação, um de centro-direita e outro de centro-esquerda. A burguesia deseja que o núcleo dessa cooperação se forme por dois partidos burgueses, o liberal e o social-democrata. Ao mesmo tempo se preocupa se esta cooperação facilita a libertação de forças operárias populares de ambos os partidos, sobretudo do Pasok social-democrata. Durante o último período se discutiu abertamente que deve existir uma frente mais ampla para impor o consentimento popular e com o objetivo de impedir a difusão ampla e o impacto da proposta política do KKE.

É interessante a agilidade aventureira da corrente oportunista em relação à política de alianças, porque de um dia para o outro a modifica. Algumas vezes se fala de unidade das forças da esquerda, outras vezes se fala de forças progressistas e de esquerdas, outra vez fala de forças patrióticas e progressistas, e em outro momento de forças democráticas, em uma tentativa de aproximar-se de forças do espectro do partido burguês liberal. Entretanto, no que se mantém firme é que promove como solução política alternativa propostas que foram adotadas no marco da competência das potências capitalistas dirigentes. Uma proposta indicativa é a suposta solução do eurobônus, de empréstimos exclusivos do BCE, do cancelamento parcial da dívida mediante a renegociação entre os governos entre os governos. Insistem que a unidade e o salvamento da eurozona é interesse do povo, adotam vários aspectos, inclusive a própria governança econômica, promovem como assunto crucial o aumento da competitividade, a nacionalização dos bancos, enquanto às vezes são atraídos pelo exemplo da Argentina ou destacam o exemplo da Hungria, e em outros casos consideram que outro governo na União Europeia teria tratado melhor os assuntos, demonstrando que são administradores confiáveis do sistema. Isso é válido também para o Partido da Esquerda Europeia, que defende posições similares.

A frente progressista contra o Memorando, proposta pelas forças do oportunismo, não representa uma ameaça para o sistema; é uma variação da negociação burguesa. Ao mesmo tempo se promove o assunto da postura patriótica contra a Alemanha e França e estas forças fingem que não entendem que a união interestatal capitalista regional ou mundial e a cooperação de qualquer forma é regida pela lei do desenvolvimento desigual, que significa desigualdade nas relações políticas. Fingem não ver o antagonismo entre os Estados capitalistas, entre os monopólios do mesmo setor.

Hoje em dia na Grécia, assim como em outros países capitalistas, especialmente no velho mundo capitalista da Europa, caem os tabus e os mitos que exerceram grande influência sobre os povos. Seu núcleo principal é que a União Europeia constitui uma inevitabilidade, que é inconcebível que um povo não queira aderir ou queria se retirar da União Europeia, ou que a UE possa se transformar em uma Europa dos povos por meio da eleição de governos de esquerda ou de coalizões de forças de esquerda e progressistas. Que mitos foram revelados?

Primeiro, que a União Europeia é uma família, uma aliança com solidariedade social e unidade permanente, e que para além da União Europeia só pode existir o caos.

Os Estados burgueses se veem totalmente unidos e solidários entre eles em relação à exploração classista e ao golpe do movimento. Estão divididos entre eles e competem em relação à repartição dos lucros nos períodos de altas taxas de desenvolvimento, assim como das perdas em períodos de crises.

Segundo, o período de 2008 até hoje é suficiente para derrubar tudo o que disseram durante anos apoiando-se em teorias burguesas e oportunistas, isto é, que os povos podem controlar o capital, os monopólios e seu domínio na economia. Esta experiência torna inválido o lema sobre o controle dos mercados pelo poder político, que a política deve "preceder" aos mercados e o lema oportunista supostamente inovador que diz que "o homem deve vir antes dos lucros".

Terceira, que a chamada globalização significa que a economia capitalista mundial reforça a cooperação, assegura os mesmos passos e a convergência entre os países capitalistas. Inclusive no princípio da década de 1990 se dizia que a abolição da guerra e a solução pacífica dos conflitos teriam prioridade.

A guerra não foi abolida nunca desde que terminou a 2ª Guerra Mundial. Ela tem sido desenvolvida tomando a forma de dezenas, centenas de guerras locais, e hoje em dia, começou uma nova onda de divisão dos mercados. A profunda crise que experimentamos anuncia não apenas novos focos de guerra como também a possibilidade de um conflito generalizado entre as potências imperialistas poderosas em um futuro próximo. A implicação da Grécia será ainda mais perigosa para o povo. A Grécia já se viu implicada em guerras locais mediante suas bases militares, a passagem de tropas, a participação nas forças de ocupação.

Quatro: É possível que se perda significativamente o valor da chamada obediência à legitimidade burguesa, a disciplina, a submissão às leis bárbaras classistas adotadas na Grécia pelo parlamento burguês, assim como aos órgãos da UE. Há casos, como o dos marinheiros, dos condutores de caminhões e de táxis que continuaram sua greve, apesar do fato de os tribunais a terem declarado ilegal, apesar da ordem de mobilização civil.

Leia a segunda parte deste artigo na edição de domingo, 25 de dezembro, do Portal Vermelho