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Não queriam entender nada

3. Os controles dos convênios: muitos não quiseram entender do que se trata

Waldemar de Souza, 45 anos, baiano de Salvador, ficou no cargo de secretário executivo do Ministério do Esporte nas primeiras duas semanas após a troca de Silva por Rebelo na chefia da pasta. Militante do PCdoB e ex-dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE), como o ministro atual e o ex, não é novo na experiência de enfrentar crises. A primeira, bem mais modesta, foi a “crise da tapioca”. Ele conta à RB como foi.

O ministro Silva tinha comido uma tapioca de R$ 8,30 em Brasília e a notícia apareceu como escândalo em O Estado de S. Paulo, no dia 13 de janeiro de 2008. Era um despropósito, ele avalia. O fato tinha acontecido em setembro do ano anterior. O gasto, pago com o cartão corporativo do ministro, era irregular: o governo não pode pagar despesas pessoais de alimentação para o funcionário que está na cidade onde mora e trabalha. Mas quem descobriu o erro do ministro foi a própria comissão de controle interno do ministério. Quando a escandalosa matéria do Estadão saiu, sem se referir a essa cronologia, os R$ 8,30 já tinham sido devolvidos à União havia três meses.

Souza se diz seguro de que o PCdoB tem atuado com lisura na administração dos recursos públicos, tem um bom controle dos convênios do Ministério do Esporte e que os ataques recebidos pelo partido nessa nova crise devem-se ao crescimento do orçamento da pasta – de cerca de R$ 200 milhões em 2003 para mais de R$ 2 bilhões em 2011 – e de suas atribuições, em especial o fato de o Brasil ter sido escolhido, em 2008, para sediar a Copa do Mundo de 2014, e, em 2009, para receber a Olimpíada de 2016. O ministério, diz Souza, é preciso relembrar, foi criado em 2003, com pessoal oriundo da pasta do Turismo e Esporte, do qual foi desmembrado. Tem um quadro de pessoal reduzido, hoje de 309 funcionários.

Suas atribuições cresceram com a Lei do Incentivo ao Esporte de 2007 e a criação do Bolsa Atleta, que hoje paga cerca da metade do financiamento dos atletas brasileiros para os jogos oficiais, como o Pan-Americano de Guadalajara, realizado em outubro, e se ampliaram ainda mais:

1. com o decreto de 2010 que transformou o ministério no coordenador do Comitê Interministerial para a Copa;

2. com a atribuição de planejar a entrega das instalações esportivas para as Olimpíadas; e,

3. finalmente, com a Lei 12.395, deste ano, que dá ao ministério a responsabilidade de fazer um planejamento dos gastos do poder público – cerca de R$ 400 milhões do orçamento federal e das estatais – nos esportes de alto rendimento.

Para Souza, a má vontade e o equívoco de muitos críticos são mais evidentes no absurdo de tentar caracterizar o ministério como o responsável por ter de devolver à União R$ 49 milhões de convênios. “Todas as TCEs referentes a esses 49 milhões são para reaver dinheiro desviado de convênios por terceiros e foram abertas por iniciativa do Ministério do Esporte, como determina a lei”, diz. Ele repete os números que a assessoria de imprensa do ministério distribuiu várias vezes para jornais e revistas sem que isso tenha sido suficientemente destacado: no período de 2002 até junho de 2011 foram instauradas 12.001 TCEs no conjunto da Administração Pública Federal. Dessas, 67 foram instauradas pelo Ministério do Esporte, representando R$ 50,4 milhões, o que corresponde a 0,56% do número de TCEs e a 0,73% do valor total dessas cobranças, que somam R$ 7 bilhões.

“Muitos jornais insistem em dizer que o ministério tem de devolver esse dinheiro à União, como se os tivesse desviado. É um absurdo”, ele diz. Outros ainda, diz Souza, não querem ver que os convênios surgem da necessidade de o governo federal ampliar sua capacidade de atuação repassando recursos para estados, municípios e outras instituições, como as organizações não governamentais, e que isso se faz por meio de um processo, com inúmeros passos muito bem definidos por lei. “Muitos, no fundo, não aceitam esses procedimentos. Acham, por exemplo, que ao conceder um prazo para o assinante do convênio regularizar sua situação se está cometendo um favorecimento, quando isso é, de fato, uma atribuição do gestor público.”

Ele explica que os convênios se realizam em quatro etapas: a da celebração, a da execução, a da prestação de contas e, por último, nos casos excepcionais, a da tomada de contas especial. Cada uma dessas etapas tem seu processo. “Para celebrar um convênio, a proposta recebida tramita na área técnica, na área jurídica, procura-se ver se existem os recursos no orçamento. A segunda etapa, da vigência, é quando o governo federal efetivamente mobiliza outros entes do poder público para levar adiante seus programas, como é o caso do PST [Programa Segundo Tempo], de atividades esportivas no contraturno escolar, para crianças de baixa renda. A terceira etapa é quando se usa o manual dos convênios para se ver se tanto o objeto dele foi realizado como se isso foi feito de acordo com os procedimentos legais, de tomadas de preço, por exemplo”, ele diz.

A etapa excepcional, da TCE, por sua vez, continua Souza, obedece também ao rito proposto no regulamento. “Na análise das contas, ao tomar conhecimento de qualquer fato que possa resultar em prejuízo para o governo, primeiro o ministério apura os fatos e quantifica o dano causado. Aí, oferece aos responsáveis a possibilidade de repor o prejuízo, através de uma GRU [Guia de Recolhimento da União]. Se isso não é aceito, inscrevem-se as entidades e pessoas responsáveis no cadastro dos inadimplentes do Siafi [Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal]. A seguir, encaminha-se o processo à Controladoria-Geral da União [CGU] para análise e manifestação e, caso se obtenha parecer favorável à cobrança, emite-se um pronunciamento do ministro do Esporte atestando haver tomado conhecimento dos fatos e determinando a remessa do processo ao TCU [Tribunal de Contas da União], para que este acione a Procuradoria-Geral da República, que fará a cobrança por meios judiciais.” No caso dos convênios de Ferreira, como vimos, a PGR, até o momento, já moveu uma ação civil e outra penal para reparação dos danos.

Muitos não querem sequer saber desses procedimentos “Outro dia”, Souza continua, “o repórter de um grande jornal não quis admitir que um convênio tivesse sido rescindido, porque isso ainda não tinha sido publicado no Diário Oficial. Eu lhe disse então que o ministério tinha 30 dias de prazo para publicar a rescisão. Ele disse que não aceitava esse argumento, mas isso é parte do devido processo administrativo. Não é um argumento, é o regulamento”, Souza conclui.

O PST se desenvolveu amplamente sob a administração do PCdoB. Isso criou uma grande necessidade de controle. Um levantamento nacional feito pelo TCU mostrou que, em dezembro de 2009, somando-se todas as áreas da Administração Pública Federal, existiam 56.761 prestações de contas sendo analisadas e as do Ministério do Esporte eram mais de mil, 2% do total. No final de 2008 o governo federal determinou que todos os convênios do PST, com entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, fossem acompanhados por meio de visitas ou vistorias. Diz Souza: “Desde 2008 não há nenhum convênio do programa que não tenha sido acompanhado com visitas ou vistorias de fiscalização duas vezes a cada ano.” Souza entrega ao repórter um documento que diz: “A Controladoria-Geral da União verificou que, no ano de 2010, foram realizadas 1.263 visitas de acompanhamento pedagógico e operacional a Núcleos de Esporte Educacional, de 70 convênios diferentes, que geraram cem Relatórios Consolidados de Avaliação, com informações acerca de aderência dos Convênios às diretrizes do PST.” E mostra outro, do TCU, que assim se referiu à nova sistemática de controle dos convênios: “No que diz respeito à atuação da Secretaria Nacional de Esporte Educacional, a CGU tem reportado sensível melhora nos mecanismos de controle relacionados ao PST, com notável esforço para a prevenção de irregularidades e acompanhamento dos Convênios, tarefa de peculiar complexidade, considerando a capilaridade do programa.”