Cláudio Ferreira Lima: Em torno da crise

 O que é crise? Como ocorre? É coisa boa ou má? Quais as principais crises pelas quais passou o Brasil? De que forma o País reagiu a elas? E como essa reação afetou a vida dos brasileiros?

 Leonardo Boff, baseado na etimologia da palavra em sânscrito e grego, define crise como “oportunidade de uma decisão que pode produzir um acrisolamento e uma purificação”. É, pois, o momento em que a sociedade se vê numa encruzilhada, tendo de tomar um entre caminhos possíveis. Se o escolhido é o melhor para a maioria ou para uma minoria, o jogo de forças dirá. A verdadeira questão, como enfatiza Leonardo Boff, não é a crise, mas as atitudes em face dela. A crise, em si, é neutra; positiva ou negativa é a maneira de agir diante dela. A propósito, que mostra a nossa história?

O Brasil, ameaçado pelas Cortes portuguesas de voltar à condição de colônia, em 1822, grita independência ou morte, e os donos de terra, gado e gente na Colônia continuam como tais no Império. A Lei Áurea, de 1888, extingue a escravidão, e os ex-escravos ficam ao deus-dará, sem terra, sem educação, sem direitos políticos. Em 1889, proclama-se a República, e as velhas oligarquias não se apeiam do poder. De 1822 a 1889, quanto à cidadania, assevera José Murilo de Carvalho, “a única alteração importante foi a abolição”, e assim mesmo pela metade.

Vem a Grande Depressão (1929-1933). A atividade agroexportadora entra em crise. A industrialização se intensifica. O país agrário vira urbano-industrial. E o povo do campo permanece na servidão da espera. Mas, segundo Carvalho, a Revolução de 1930 faz a história andar mais rápido. Na sua esteira, o ministério do Trabalho, a legislação trabalhista e previdenciária, completada pela CLT, e o voto popular pesando mais. Ocorre que, em 1964, como em 1937, o aumento da participação política deságua na ditadura. Os governos militares (1964-1985), se, de um lado, levam direitos sociais para o campo e promovem crescimento econômico, de outro, praticam massacrante violência política e produzem um “arrocho salarial” sem precedentes, a ponto de o próprio general Médici (1969-1974), o pai do “milagre brasileiro”, confessar que a economia ia bem, mas o povo ia mal.

Conforme Adriana Lopez & Carlos Guilherme Mota, a imensa legião de despossuídos da Colônia atravessa o Império e – após tantas lutas libertárias, acrescento – chega à República ainda em busca de seu lugar na história.

Mas a história apressa o passo. A Constituição de 1988 aumenta os recursos para a educação e equipara os direitos dos trabalhadores rurais aos urbanos. Nos últimos anos, avança-se com a estabilização monetária e, em especial, com as políticas sociais e de renda, a retomada dos investimentos em infra-estrutura e a expansão do mercado interno em resposta à crise dos Estados Unidos e da Europa. E, assim, a massa desde sempre à margem vai-se incorporando ao mercado de trabalho e de consumo. Não, claro, sem causar certo incômodo à classe média tradicional.

No Natal, renovam-se em nós as esperanças de um mundo melhor. Para não ficar só no desejo, sigamos Paulo Freire: “O futuro é algo que se vai dando, e esse ‘se vai dando’ significa que o futuro existe na medida em que eu ou nós mudamos o presente. E é mudando o presente que a gente fabrica o futuro; por isso, então, a História é possibilidade e não determinação”. Feliz Natal!

Cláudio Ferreira Lima é economista


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