Lejeune Mirhan – Para onde vai a revolução árabe?

Por *Lejeune Mirhan

Neste dia 15 de dezembro, completa um ano que o jovem engenheiro Mohamed Buazize, de 26 anos, vendedor de frutas em Túnis, na Tunísia, ateou fogo em seu corpo. Daí em diante, vimos o incêndio em praticamente todo o Oriente Médio. Caíram os ditadores do Egito e da própria Tunísia e balançam os do Iêmen, Bahrein e várias monarquias. Sobre a Síria e a Líbia, trataremos a seguir.

A imensa maioria das pessoas acha que o conflito no Oriente Médio é um problema religioso. Não é e nunca foi. Pode ter componentes religiosos, mas a questão central é política. Trata-se de tentativa do imperialismo, antes inglês e hoje estadunidense, de tomar o controle de uma região estratégica do planeta, tanto do ponto de vista geográfico (Canal de Suez e Estreito de Ormutz, no Golfo Pérsico-Arábico) quanto energético.

Os árabes são um povo espalhado por 21 países. Somam hoje 347 milhões de pessoas ou 5,18% do total do planeta. Sua economia perfaz um PIB da ordem de 2,47 trilhões de dólares ou 4% do PIB mundial, mas suas reservas de petróleo atingem 685,11 bilhões de barris ou astronômicos 50,81% de todo o globo. Só por isso explicam-se as guerras e a tentativa de controle da região pelos EUA, apoiados pelos seus sócios França e Inglaterra.

Há um debate entre estudiosos de política internacional se o que ocorre no mundo árabe hoje é uma revolução ou uma revolta. Estou entre os que entendem que está em curso na região um processo revolucionário, mas que disputa seus objetivos e conteúdo com ninguém menos do que o atual chefe do imperialismo, que atende pelo nome de Barak Obama.

As poucas eleições já ocorridas – Tunísia, Egito e Marrocos – vêm indicando que os muçulmanos, que são mais de 90% em quase todos os países da região, vêm obtendo vitórias nas urnas que ultrapassam a 60%. No entanto, os segmentos dessa religião que advogam que os estados devem ser islâmicos não têm conseguido ultrapassar 15% dos votos. A própria esquerda vem elegendo muitos parlamentares, surpreendente se considerarmos o fato de que até recentemente todos os partidos comunistas e socialistas encontravam-se completamente banidos da política.

Os EUA agridem três países no mundo: o Afeganistão, o Iraque e, agora, a Líbia, onde tomaram de assalto as suas reservas petrolíferas e destruíram o país que possuía o maior desenvolvimento social e humano (IDH) de toda a África, assassinando seu presidente com ajuda das forças da OTAN. Agora, sob o mesmo pretexto de “ajuda humanitária”, ameaçam a Síria. A chamada oposição externa síria acabou de reunir-se com a secretária de Estado dos EUA, Hilary Clinton. Essa mesma oposição, com sede em Londres e Istambul, clama que a Otan faça com a Síria o que fez com a Líbia e o Iraque. São vistos internamente como traidores e entreguistas. Há uma oposição que dialoga com o governo do Dr. Bashar Al Assad, colocando em curso o chamado Diálogo Nacional, onde participam todos os patriotas, antiimperialistas e apoiadores do Estado da Palestina, aí inclusos os dois partidos comunistas locais. A censura da imprensa foi levantada, os partidos legalizados e uma constituinte será eleita em fevereiro.

Mas o objetivo dos EUA é derrotar a Síria. Com o apoio de Israel e da Arábia Saudita, financiam as armas da oposição para depor o governo. Isso implica também em desestabilizar o Líbano, que tem uma linha antiimperialista. Os pró-americanos do primeiro ministro Said Hariri caíram em janeiro e agora tramam a volta. O ataque à Síria visa trazer de volta ao Líbano as forças políticas comprometidas com os interesses ocidentais e quebrar a aliança já estabelecida entre o Irã, o Líbano, a própria Síria e agora o Iraque, que será desocupado pelas tropas americanas em 31 de dezembro. E tem apoio dos partidos Hezbolláh e Hamas.

Ainda não sabemos onde a revolução irá desembocar. Mas, o imperialismo norte-americano e seus aliados israelenses e sauditas dormem apavorados todas as noites: o que tanto temiam – a vitória da irmandade muçulmana – vai se concretizando em vários locais, indicando que aquela região do mundo nunca mais será a mesma. Vamos conferir.

* Lejeune Mirhan Sociólogo, arabista e colaborador do Observatório das Nacionalidades

Fonte: O Povo