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Audiência pública abordou crimes de maio de 2006, em SP

Cinco anos se passaram e pouco se avançou na punição dos assassinatos de jovens pobres paulistanos, a maior parte negros, ocorridas entre 12 e 21 de maio de 2006, quando grupos de ação de extermínio promoveram um revide aos ataques da facção criminosa PCC. Na sexta-feira (18), uma audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e o Movimento Mães de Maio, discutiu a possíbilidade de levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A proposta foi defendida pelo ouvidor nacional dos Direitos Humanos, Domingos Sávio Dresch da Silveira, que participou da audiência. "A Secretaria Nacional de Direitos Humanos (Sedh) da Presidência da República enxerga que estes episódios ocorrem sistematicamente na Baixada Santista", destaca Silveira. "Não são situações banais. Caracterizam chacinas e uma violação dos direitos humanos". A análise dos crimes na corte sediada em San José, capital da Costa Rica, é mais um passo de familiares das vítimas em busca de Justiça. Em instância estadual, os processos foram encerrados sem se apontar os culpados.

A entidade também tenta a federalização dos crimes (transferência dos processos da instância estadual para federal), também defendida pelo ouvidor nacional. Em maio passado, a Sedh solicitou ao Palácio dos Bandeirantes a federalização dos crimes, que até agora não se posicionou. A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Alesp, responsável pelo debate, também defende a transferência. "Caso a justiça brasileira não seja apta a julgar os casos, que cortes internacionais o faça", argumenta o deputado Adriano Diogo (PT), presidente do colegiado.

Durante o evento, ocorrido no auditório da Câmara de Santos, no litoral, foram lembradas as cerca de 493 mortes por arma de fogo, sendo mais de 400 jovens e pobres, segundo levantamento do Conselho Nacional de Medicina.

O PCC é responsabilizado pela execução de 43 policiais militares e civis. Segundo a ONG Justiça Global, a onda de ataque da organização criminosa terminou em 15 de maio de 2006. Depois dessa data, houve um revide da polícia paulista, apontado como a maior crise da segurança pública estadual. Conforme documento elaborado pela ONG, 122 homicídios daquela época tinham indícios de execução e teriam sido praticado por policiais militares.

Decisão da Justiça de SP

No início deste mês, o Tribunal de Justiça de São Paulo considerou o Estado de São Paulo culpado pela morte do jovem Edson Rogério Silva dos Santos, filho de Débora Silva, do Movimento Mães de Maio, que perderam seus filhos entre 12 e 21 de maio de 2006. O movimento, no entanto, reclama da blindagem política do governo do Estado, que barra investigações e não dialoga com os familiares.

A família de Edson Rogério receberá indenização de R$ 165,5 mil e pensão mensal, conforme a decisão. Débora ressalta, porém, que mais importante do que o dinheiro é a porta que se abre para a investigação das execuções e desaparecimentos.

A decisão da Justiça paulista é inédita, já que foi a primeira vez que reconheceu que o governo "errou na dose" ao reprimir os atentados do PCC. A 7ª Câmara de Direito Público entendeu que a reação das forças policiais foi “atabalhoada” e que provocou a morte de civis inocentes, como, no caso, a de José da Silva Santos, na Baixada Santista.

“Os mortos de 2006 estão em covas coletivas, enterrados como indigentes. Nós queremos a exumação dos corpos, caso contrário o estado reafirma sua posição nada democrática, do governo que prefere ocultar cadáveres”, protesta Débora, que afirma que a maior dificuldade para o movimento é obter atenção justa por parte das autoridades de segurança pública do Estado de São Paulo.
Ela ressalta a decisão da ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, de promover a investigação com a colaboração das polícias estadual e federal, como sendo uma evidência da intenção do governo paulista em tentar encobrir os fatos.

“Os promotores do Foro da Capital parabenizaram os policiais pela eficiência durante os crimes de maio. Eles disseram sentir muito pelas mortes de agentes públicos. Até hoje, nem mesmo um ‘sinto muito’ recebemos do Estado”, relembra Débora, que defende a federalização do caso.

Francilene Gomes, irmã de Paulo Alexandre Gomes, um dos desaparecidos, a decisão do TJ-SP só foi possível com a articulação dos movimentos sociais sendo que, na sua opinião, o relatório da ONG Justiça Global foi essencial para a decisão no caso de Edson.

“Se dizem que não há provas, esse documento mostra todas as evidências possíveis recolhidas na imprensa, com base em boletins de ocorrência e depoimentos de autoridades de segurança pública. Mas ainda falta muito”, desabafa Francilene, estudante da PUC-SP que defendeu dissertação de mestrado sobre os crimes de maio e as violações de direitos humanos.

Relatório aponta indícios de execução

Em parceria com a Universidade de Harvard, o documento produzido pela Justiça Global afirma que “muitos casos apresentam indícios concretos de que vítimas teriam sido executadas. Em alguns deles, as lesões das vítimas – como as provocadas por disparo em curta distância (queima roupa), disparos na nuca, múltiplos disparos de cima para baixo, concentrados na área do coração, e outros ferimentos incompatíveis com confrontos – levantam sérias dúvidas sobre a existência e natureza dos confrontos alegados por policiais”.

Dificuldades

Francilene comenta o esforço para que as mortes sejam investigadas e que a recente decisão traz esperança ao movimento. “O que tivemos de resultado, com a força dos movimentos sociais e das Mães de Maio, foi conseguir que meu irmão e mais três rapazes fossem reconhecidos como desaparecidos com a instauração de inquérito. Isso é muito difícil acontecer, pois o desaparecimento não oferece a materialidade do crime e, portanto, não existe cadáver para instaurar o inquérito. Só que os casos acabaram sendo arquivados um ano depois, em 2007. Mas é claro que a decisão do desembargador do TJ foi um lampejo de esperança para o movimento”, afirma.

Segundo o presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB de São Paulo, Arles Gonçalves Júnior, os casos de civis não foram solucionados por falta de provas concretas. Para ele, é mais fácil obter resultado efetivo para os casos que envolvem agentes públicos devido à quantidade de informações sobre as vítimas. “É certo que conseguimos solucionar os casos de assassinatos de agentes públicos, pois eles faziam parte de um grupo que já investigava os passos do PCC. Mas como solucionar casos em que não há provas técnicas sólidas? Muitos criminosos resolveram atritos entre si para jogar na conta do Estado. Por isso, vale ressaltar que não jogamos os casos na gaveta. Mantemos todas as investigações, mas elas são congeladas, não pelo simples arquivamento, mas sim pela impossibilidade de solução do caso”, afirma Gonçalves.

As Mães de Maio, por sua vez, continuam cobrando justiça: “Quero que nossa vitória não seja resumida a indenizações. É preciso deixar muito claro que PM matar filho não é normal. Seja um trabalhador ou um bandido, não é porque a pessoa tem ficha na polícia que merece ser executada na primeira oportunidade”, diz Débora. “Não podemos achar normal criminalizar a pessoa pela sua classe social. Os valores estão invertidos e chegou a hora de perseguimos os crimes dos bandidos de colarinho branco, e não os negros pobres da periferia”, finaliza.

De acordo com uma pesquisa da Unicef e do Observatório de Favelas, publicada em 2009, caso as estatísticas permaneçam com o crescimento habitual de execuções, até 2012, no Brasil, haverá mais 33,5 mil jovens mortos, sendo que o risco para os negros é três vezes maior em comparação aos brancos.

da redação, com Revista Fórum e agências