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Mair Pena Neto: O futebol perde a sua alma

Em um dos poucos sucessos populares que fez ao longo de sua atribulada carreira, O cantor e compositor Sergio Sampaio, emplacou um samba, de autoria de seu pai, maestro Raul Sampaio, que cantava as atribulações de um homem que casara com uma mulher terrível, "uma jararaca", que acaba o deixando, "nas garras de um avião", anunciando que ia para o Rio de Janeiro ver o escrete brasileiro jogar.

Por Mair Pena Neto*, para o Direto da Redação

O apelo popular da letra estava, entre outros elementos, no fato de que o Rio de Janeiro era o palco maior do futebol e da seleção nacional.

Pois esse mesmo Rio de Janeiro, que viveu a dor da perda da Copa de 50 e as delícias da folha seca de Didi, de por gente pelo ladrão para ver a vitória sobre o Paraguai, gol de Pelé, que nos levou à Copa de 70, e da exibição salvadora de Romário contra o Uruguai, que selou o passaporte para o tetra, está ameaçado de sequer ver o escrete jogar na Copa de 2014, caso a seleção não chegue à final.

Os idiotas da objetividade, como os chamava Nelson Rodrigues, enchem o peito para dizer que o Brasil estará na final, ignorando os caprichos do futebol, que a história não cansa de mostrar e que os próprios cariocas e brasileiros em geral viveram em 1950. O que importa, no caso, é a absoluta falta de sensibilidade e respeito à capital do futebol brasileiro e seu maior templo, o Maracanã, que também está sendo inteiramente descaracterizado.

O futebol virou um grande negócio, e com isso perde sua alma. Não há mais compromisso com os valores que o tornaram uma grande paixão. O escrete brasileiro, fator de identidade nacional, está totalmente sem personalidade, com jogadores que atuam fora do país, ganhando fortunas, e que não transmitem o menor orgulho de vestir a camisa amarela. A CBF comanda o processo de descrédito, promovendo amistosos da seleção pentacampeã mundial com adversários sem expressão, que não despertam interesse nem no mais apaixonado torcedor.

Em qualquer país que viva o futebol como nós, quando a seleção nacional joga não há muitos fatos que possam concorrer em importância. Os jornais fazem grandes coberturas e os resultados são analisados em termos de significado e de estatística. Os últimos jogos da seleção brasileira têm sido tão desprestigiados, que nem os maiores jornais do país têm enviado repórteres para acompanhá-los. Os resultados sequer são a principal notícia dos cadernos esportivos, como se não estivéssemos nos preparativos para a Copa de 2014, que vamos sediar depois de 64 anos.

Esta descaracterização do futebol se estende também aos estádios, outro (ex) fator de adoração. Se o Maracanã, e o que vai sair da reforma que está sendo feita lá a custos astronômicos, é o maior exemplo, outros casos mostram a pouca importância que se dá a nomes tradicionais, ligados à história do nosso futebol. Brasília, por exemplo, já batizou de Estádio Nacional de Brasília a nova arena que constrói para 2014, enterrando de vez o nome de Mané Garrinha, que batizava o campo da capital. O nome de Mané, por sinal, deveria estar em algum dos principais estádios brasileiros, talvez ligado ao Botafogo, onde sempre brilhou, mas por aqui se valorizam mais os cartolas, e o último estádio construído no Rio, que até hoje não encontrou sua alma, levou o nome do mais notório deles.

Mané Garrincha estava perdido em Brasília, local sem a menor tradição de futebol, assim como o rei Pelé é nome de estádio em Alagoas, enquanto a Vila Belmiro do Santos, time que imortalizou, leva o nome de um benemérito, que por mais que tenha feito não chega aos pés do mais famoso camisa 10 do mundo.

A tendência dos estádios brasileiros é seguir o que já acontece na Europa, onde as corporações engoliram o futebol. O estádio do Arsenal chama-se Emirates Stadium; o do Bolton, Reebok Stadium; e o do Bayern, Allianz Arena. Não demora muito e nomes familiares, como Pacaembu, Beira-Rio, Serra Dourada e Fonte Nova darão lugar a arenas qualquer coisa, tirando mais uma fatia da identidade da maior paixão nacional.

Só falta os times trocarem seus nomes pelos dos patrocinadores, que ocupam espaços cada vez maiores nos uniformes, prejudicando os desenhos e cores originais. Isso me faz lembrar a revolta de Oldemário Touguinhó, quando o vôlei deixou de ser jogado pelos clubes e foi assumido por empresas, inicialmente as de seguro. Bem a seu jeito ruidoso, Oldemário se virava para nós, na redação do Jornal do Brasil, e perguntava se alguém podia imaginar a torcida gritando "Sul América, Sul América" ou "Bradesco, Bradesco", no lugar de Fluminense, Flamengo, Vasco ou Botafogo. Será que caminhamos para isso?

*Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.