Sem categoria

Idec testa compra coletiva e constata desrespeito coletivo

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) checou se os direitos dos consumidores são respeitados nos sites de compra coletiva. Para isso, avaliou e simulou compras nas quatro maiores empresas (Groupon, Peixe Urbano, Clickon e Groupalia), e constatou várias irregularidades. Nenhum dos sites, por exemplo, assume a responsabilidade em caso de defeito de produtos e serviços que ofertam, embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) diga o contrário.

Além de tentar se esquivar da responsabilidade, os sites não fornecem informações suficientes que garantam a idoneidade das empresas fornecedoras, expondo os consumidores a riscos de fraude. O agrônomo Kemel Kalif, de São Paulo, é uma das vítimas de parceria pouco criteriosa realizada pelo Clickon. Há quatro meses, ele recebeu a oferta de um tablet por R$ 249, e diante do preço tentador, comprou o produto. Contudo, até hoje não recebeu o eletrônico.

"Passado o prazo inicial de entrega, que era de 20 dias, comecei a contatar o Clickon e a empresa Compre direto da China – fornecedora do tablet -, mas não obtive resposta. Registrei, então, queixa no site Reclame Aqui e descobri que havia inúmeras denúncias contra o fornecedor. Continuei pesquisando e verifiquei que a mesma empresa atua com outros nomes fantasia e que há indícios até de estelionato", conta. O consumidor está se preparando para entrar na Justiça contra as empresas, porque não se conforma com a negligência do Clickon. "Ele não verifica a idoneidade dos fornecedores. Qualquer site que se preze recusaria a parceria com uma empresa como a Compre direto da China, com o histórico que ela tem, reclama.

Embora o caso de Kalif seja um exemplo extremo, não faltam reclamações de internautas que, na ânsia de aproveitar a "superoferta", acabaram tendo grande dor de cabeça. As queixas são tantas que o Congresso está discutindo um projeto de lei para regulamentar a questão (PL no 1.232/2011).

As práticas irregulares observadas no levantamento são similares entre as empresas avaliadas, o que indica que são generalizadas em todo o setor. Por isso, é importante que os consumidores fiquem atentos ao visitar a página de qualquer site de compras coletivas. Veja, a seguir, os principais problemas identificados. 

A pesquisa

Com o objetivo de verificar se os sites de compras coletivas respeitam os direitos do consumidor, a pesquisa avaliou a prestação do serviço das quatro maiores empresas desse segmento no país, segundo o ranking do portal Bolsa de Ofertas: Groupon, Peixe Urbano, Clickon e Groupalia.

O levantamento, realizado de 1º a 16 de setembro, foi dividido em duas etapas: análise contratual e simulação de compras. Na primeira, foram observadas as cláusulas do contrato disponível nos sites, e os Termos de Uso e/ou a Política de Privacidade das empresas. Na segunda, foram realizadas simulações de compra de um produto e de um serviço em cada um dos quatro sites, a fim de observar as informações veiculadas nas ofertas e na publicidade.

Cadastro obrigatório de e-mail, sem acesso ao contrato

Groupon e Peixe Urbano

É direito do consumidor só cadastrar seu e-mail depois de analisar os Termos e Condições de Uso (que têm a mesma função e validade de um contrato) e a Política de Privacidade dos sites de compras coletivas. Porém, para navegar no Groupon e no Peixe Urbano e, assim, conhecer as regras de funcionamento, o internauta precisa cadastrar seu endereço eletrônico. Além disso, as duas empresas praticam o sistema opt-out para o cadastro, em que o consumidor compulsoriamente aceita as regras de prestação do serviço, uma vez que esse item já vem assinalado. Caso discorde, deve procurar como se desligar daquelas regras, ou seja, optar por sair. "Essa prática desrespeita a autonomia do consumidor e sua liberdade de escolha", afirma Guilherme Varella, advogado do Idec responsável pela pesquisa.

Utilização indevida de dados pessoais
 
Groupon, Peixe Urbano e Clickon

As três empresas compartilham os dados pessoais dos seus usuários cadastrados com terceiros para uso comercial e publicitário, sem identificar quem são eles. "Não há garantias sobre a forma de tratamento das informações, o que é uma ameaça à privacidade dos consumidores e dá margem à publicidade virtual massiva e abusiva (os chamados spams)", destaca Varella.

Isenção da responsabilidade

Groupon, Peixe Urbano, Clickon e Groupalia

Todos os sites pesquisados apresentam cláusulas contratuais que eximem sua responsabilidade em relação à qualidade e à eficiência dos produtos e serviços que oferecem. Os sites atribuem a obrigação de reparar eventuais prejuízos apenas aos seus "parceiros" – fornecedores dos artigos divulgados -, colocando-se como meros "intermediários" do negócio. Mas a verdade é que pelo artigo 18 do CDC eles respondem, sim, por qualquer problema ocorrido no processo de compra virtual. "O site de compras coletivas faz parte da cadeia de fornecimento de produtos e serviços, pois atua na etapa de oferta, publicidade e transação financeira dos compradores. Não há o que justifique a isenção ou diminuição de sua responsabilidade", destaca o advogado do Idec. Dessa forma, as cláusulas contratuais que isentam sua obrigação são nulas, de acordo com o artigo 51, I e III, do CDC, e o consumidor pode, sim, exigir que os sites de compras coletivas resolvam os problemas constatados nos produtos ou serviços que comercializam.

Saúde no atacado

No fim de agosto, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) proibiu que os sites de compras coletivas ofereçam cupons promocionais para tratamentos desenvolvidos por profissionais dessas áreas, como drenagem linfática, radiofrequência e aplicação de Manthus. De acordo com o órgão, a comercialização desses serviços sem a avaliação prévia de um especialista pode pôr em risco a saúde dos pacientes. Contudo, a pesquisa do Idec observou que os tratamentos continuam sendo oferecidos indiscriminadamente – inclusive, os serviços cuja compra foi simulada no Groupon e no Peixe Urbano se enquadram na categoria proibida. Diante do alerta do Coffito, o Idec recomenda que os consumidores não adquiram tratamentos estéticos ou de saúde por meio de sites de compras coletivas e que denunciem ao órgão as clínicas que descumprem a medida.

Desconto maquiado

Groupon, Groupalia, Peixe Urbano e Clickon

Constatamos inflacionamento do preço original de produtos e serviços em todas as empresas. No Groupon, o valor promocional informado para o produto pesquisado, um vaporizador, era R$ 239, e o desconto, 50%. De acordo com esses dados, o valor integral do produto seria R$ 479. Porém, ao ligar para o televendas do fornecedor, o atendente informou que o preço do produto era R$ 359. Assim, o desconto oferecido pelo site de compras coletivas é, na verdade, de 33%, e não de 50%.
 
O Idec também simulou a compra de sessões de depilação a laser do Instituto do Laser. O valor integral informado era R$ 1.250, e o promocional, R$ 59,90 (desconto de 95%). No entanto, a equipe da Revista do Idec foi até o Instituto do Laser e verificou que as mesmas cinco sessões de depilação a laser saem por R$ 159, ou seja, o desconto para quem comprasse o pacote de depilação pelo Groupon era de 62%, e não de 95%.

Já ao contatar o fornecedor do serviço oferecido pela Groupalia – um buffet de restaurante mexicano -, a informação obtida é de que ele custa R$ 19,90, e não R$ 49,90, conforme foi anunciado pelo site de compras coletivas. Assim, o desconto de 60% oferecido pelo site é falso, já que o valor indicado como promocional é, na verdade, o preço real do serviço.

No Peixe Urbano, o problema é ainda mais grave. O site ofereceu cupons para cinco sessões de ultralipocavitação (lipoescultura sem cirurgia), mais dez sessões de plataforma vibratória, por R$ 129, e informou que o valor integral do pacote era R$ 2.050 (desconto de 94%). Mas ao visitar a clínica Skin Live (que na verdade é o Instituto do Laser – aquele da promoção do Groupon), descobrimos que o mesmo tratamento oferecido pelo Peixe Urbano sai por R$ 99. Ou seja, o valor integral real é menor do que o promocional divulgado pelo site, o que configura oferta falsa.

No Clickon, o problema é menos evidente, mas igualmente sério. A empresa informa que o valor integral de um aparelho de DVD automotivo é R$ 999. Com o desconto de 50% oferecido, fica por R$ 499. Porém, ao visitar o site da empresa fornecedora, constatamos que o preço de mercado do produto é R$ 599, e o desconto, assim, fica bem menor: apenas 17% (e não 50%, como o anunciado).

Com isso, as empresas incorrem em uma série de infrações, como veiculação de informação inadequada e confusa, e oferta incorreta, o que fere o artigo 31 do CDC. "Como os sites de compras coletivas são uma forma de publicidade, a veiculação de informação falsa pode ser considerada publicidade enganosa, proibida pelo artigo 37 do CDC", explica o advogado do Idec.

Número mínimo de compradores
 
Groupon, Peixe Urbano, Clickon e Groupalia

Nenhuma empresa divulga o número mínimo de compradores necessário para a efetivação da oferta, embora essa seja uma informação fundamental no "mundo" das compras coletivas, pois dela dependerá a efetiva aquisição do produto ou serviço.

Direito de arrependimento
 
Groupon, Peixe Urbano e Clickon

Os três sites não informam adequadamente o direito de arrependimento, nem nas regras gerais para todas as ofertas nem nos Termos de Condições e Uso. De acordo com o artigo 49 do CDC, o consumidor que compra um produto ou contrata um serviço à distância (por telefone ou pela internet) tem direito de desistir do negócio em até sete dias, e de receber seu dinheiro de volta sem qualquer custo. O Peixe Urbano e o Groupon não informam esse direito; já o Clickon diz, nos Termos de Uso, que o consumidor pode cancelar a compra em até sete dias, mas prevê que isso acarretará multa de 40% do valor do cupom. "A cobrança de multa é absurda e ilegal, pois é direito do consumidor desistir da compra", ressalta Varella.

Ausência de SAC

Groupon, Peixe Urbano, Clickon e Groupalia

Nenhum dos sites informa de maneira visível canal de atendimento rápido e eficiente ao consumidor, com interatividade direta, como telefone e chat. As opções dadas resumem-se às perguntas frequentes, com respostas pré-formatadas.

Falta de informações que identifiquem os sites e fornecedores

Groupon, Peixe Urbano, Clickon e Groupalia

Os sites de comércio eletrônico devem divulgar de maneira clara, precisa e suficiente, em sua página, informações essenciais a respeito de si próprios e sobre os fornecedores, como nome de registro, CNPJ, endereço físico e telefone para contato. "Esses dados são fundamentais para que o consumidor possa contatar as empresas e entrar com ação contra elas, caso seja necessário", observa Varella. Em relação aos dados dos sites, em nenhum dos quatro pesquisados essas informações estão visíveis na homepage. No Groupon, os dados identificadores estão disponíveis nos Termos de Uso, enquanto o endereço está em Política de Privacidade; já Clickon e Groupalia informam o nome de registro, CNPJ e endereço físico da empresa apenas nos Termos de Uso; e o Peixe Urbano só disponibiliza o nome de registro e o CNPJ, sem endereço. Nenhum site traz número de telefone para contato. Quando se trata das informações sobre os fornecedores, todos os sites falharam.

Desrespeito coletivo: empresas respondem 

Groupon: admitiu que tem "parte da responsabilidade" sobre os produtos e serviços que oferta e disse que alterou a cláusula que trata do assunto. Sobre a relação entre preço e desconto, explicou que analisa todas as ofertas antes de publicá-las, mas que pela "natureza dinâmica do modelo de negócio" alguns parceiros podem praticar o preço ofertado no site para outros clientes. O site também afirmou que informa sobre o direito de arrependimento nas "perguntas frequentes – modalidades de reembolso".

Peixe urbano: reiterou que não integra a cadeia de fornecimento, pois atua como prestador de serviço de publicidade e disponibilização de vouchers promocionais, esquivando-se da responsabilidade por eventuais problemas. Afirmou que checa todos os preços antes da publicação da oferta e que, no caso apontado pelo Idec, houve equívoco na informação prestada pelo fornecedor; e que não considera necessário informar sobre o direito de arrependimento, pois este está previsto no Código de Defesa do Consumidor.

Clickon: disse que apenas intermedeia a relação entre parceiro e usuário, e que, por isso, não pode ser responsabilizado por qualquer problema; e apontou que seus descontos são baseados no preço sugerido pelos parceiros, e que estes podem fazer promoção paralela à do site. O Clickon também informou que retirou a previsão de multa da cláusula sobre direito de arrependimento.

Groupalia: disse que a responsabilidade é dos fornecedores, quando estes são identificados. Informou ainda que após receber a notificação do Idec, enviou uma pessoa anônima ao restaurante mexicano, e esta confirmou que o valor integral do serviço era o mesmo da oferta, e não o informado ao Idec.

Dicas para comprar:

1. Só se cadastre em um site depois de ler seus termos de uso e sua política de privacidade. Antes de efetuar a compra, procure ler também as perguntas frequentes, que podem esclarecer eventuais dúvidas.

2. "Passeie" pelo site e analise várias ofertas antes de optar por uma. Isso ajudará a entender melhor a dinâmica do site.

3. Escolhida a oferta, repare se ela traz as seguintes informações ESSENCIAIS: preço integral, preço com desconto, percentual do desconto, quanto tempo falta para a promoção expirar, o número mínimo de compradores exigido e quantas pessoas já compraram.

4. Não compre por impulso. Leia as características do produto/serviço e as condições de compra a fim de se certificar de que elas atendem às suas necessidades (por exemplo: uma pousada disponível apenas nos dias úteis não interessa a quem trabalha e não pode tirar dias de folga).

5. Atente também para algumas restrições: agendamento prévio, horários e dias específicos, quantidade de acompanhantes, capacidade do local, estoque do produto etc.

6. Verifique se as informações de identificação da empresa que fornece o produto/serviço estão disponíveis. Acesse sua página virtual e procure por Termos de Uso, CNPJ, telefone e endereço físico, pelo menos.

7. Procure na página da empresa fornecedora o mesmo produto ou serviço anunciado com desconto no site de compras coletivas. Compare seu preço "normal" com o da oferta promocional.

8. Repare no prazo para a utilização do cupom de desconto. Ele pode variar de semanas a anos. Avalie se conseguirá utilizar o produto/serviço adquirido no período estipulado.

9. Se você se arrepender do cupom adquirido, poderá devolvê-lo em até sete dias e receber o dinheiro de volta, de acordo com o artigo 49 do CDC. Caso a empresa não informe sobre o direito de arrependimento, envie um e-mail ou preencha o formulário disponível no Fale Conosco, requisitando a devolução.

10. Procure saber se há taxa de entrega e se ela está inclusa no preço. Verifique também se há algum custo extra.

11. Caso não receba por e-mail a confirmação de que a oferta foi validada ou o aviso de não validação, depois de 24 horas, entre em contato com o site. E lembre que se o número mínimo de compradores não for atingido, o valor pago deve ser devolvido automaticamente.

12. Observe se o site estipula um tempo para que você imprima o cupom (24 horas, 72 horas etc.), se ele é enviado por e-mail para ser impresso a qualquer tempo ou ainda se é possível mostrá-lo no celular, smartphone ou tablet.

13. Não aceite, em hipótese alguma, qualquer tipo de discriminação ou diferença no tratamento por estar utilizando um cupom de desconto. Caso isso ocorra, recorra ao Procon ou à Justiça.

Fonte: Revista do Idec