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Crise do capitalismo: cursos de economia estão defasados

“Faz-se necessário que os graduados possuam uma bagagem ampla e plural de ferramentas e teorias que lhes permitam, por um lado, encarar com sucesso os problemas que enfrentarem em qualquer um dos seus âmbitos de desempenho profissional e, portanto, avançar no desenvolvimento de novo conhecimento científico que possa dar respostas aos problemas do mundo atual". O artigo é de Martín Kalos, professor de Economia na Universidade de Buenos Aires*.

A crise mundial que começou em 2008 e suas atuais manifestações não lembraram apenas ao mundo que o sistema capitalista não é uma forma de produção social harmônica. Também puseram sobre o tapete as enormes falências e o atraso da teoria econômica contemporânea que tem como expressão dominante a doutrina neoclássica para explicar um fenômeno tão próprio do capitalismo atual como são as crises.

Neste contexto aparece a necessidade de revisar as escolas econômicas que estudam os mesmos problemas que atravessam as economias do mundo hoje. Com esta motivação, estudantes e professores da Licenciatura em Economia da UBA propuseram nos últimos anos mudanças concretas na estrutura do Plano de Estudos do curso, que incorporem teorias relevantes que hoje são deixadas de lado pelo mainstream neoclássico sob o falso argumento de que “pertencem ao passado”.

Enquanto isso, as autoridades da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE-UBA) abriram um processo de revisão parcial das matérias do curso, embora procurem restringi-lo a modificações menores que não afetem sua atual estrutura neoclássica. Desde esta postura, se aduz que o Plano vigente é pluralista porque existem cursos com professores críticos à teoria dominante. Contudo, ao estar o curso estruturado em torno de um tronco central de matérias neoclássicas, qualquer professor que queira introduzir escolas alternativas tem muito pouca margem para fazê-lo de maneira integral e efetiva. Assim, um estudante de economia pode chegar ao final de seu curso sem ter lido, por exemplo, Adam Smith, Karl Marx, Joseph Schumpeter ou John Keynes.

O atual Plano de Estudos foi instituído em 1997 e ignorou um amplo movimento estudantil que reclamava um debate sério e se opunha ao cerceamento de conteúdos e abordagens. Em um contexto geral de diminuição do gasto público, a reforma implicou em uma redução da carga horária do curso, menos matérias “sociais” e mais matemática, reforçando uma estrutura de corte marcadamente neoclássico. A proposta atual de apenas “retocar” este plano implica desconhecer que seus conteúdos e formas nunca foram debatidos adequadamente na própria FCE-UBA.

Atualmente, não existem mecanismos institucionais para o diálogo no Curso de Economia que permitam uma análise destas reformas, ao passo que em outras Faculdades existem Juntas por Curso que permitem a participação dos três atores sociais na tomada de decisões. Essa situação impede que as autoridades ouçam os professores e alunos, que nos últimos anos fizeram numerosas críticas e propostas integrais alternativas, desde espaços como a Escola de Economia Política (EsEP-UBA), as Jornadas de Economia Crítica (JEC) e a Associação Gremial Docente (AGD).

Ao mesmo tempo, tende-se a pensar a Universidade como um elemento desligado da sociedade. Entretanto, a Universidade é um espaço vital no qual se deve produzir um pensamento crítico que permita à sociedade se repensar a si mesma continuamente, para transformar-se. A sociedade argentina em seu conjunto deveria ser o ator fundamental na hora de decidir que tipo de economistas necessita e deseja que as universidades públicas formem. Faz falta, pois, que o debate se abra também à comunidade; isto inclui as empresas, evidentemente, mas, além disso (e crucialmente), os diversos organismos do Estado, ONG, sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais.

O Plano de Estudos, as linhas de pesquisa e as formas pedagógicas na Universidade não podem estar vinculados a nenhum interesse particular, mas ao da sociedade em geral.

A FCE-UBA não se pode dar o luxo de decidir que apenas uma determinada ideologia deve ser ensinada aos seus futuros licenciados em Economia. Faz-se necessário que os graduados possuam uma bagagem ampla e plural de ferramentas e teorias que lhes permitam, por um lado, encarar com sucesso os problemas que enfrentarem em qualquer um dos seus âmbitos de desempenho profissional e, portanto, avançar no desenvolvimento de novo conhecimento científico que possa dar respostas aos problemas do mundo atual. Somente uma formação plural, ampla e de qualidade pode brindar-lhes as ferramentas para analisar, entender e transformar a realidade.

(*) Texto em português publicado originalmente no IHU-Online. A tradução é do Cepat.