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Dos mineiros chilenos ao futuro: lembranças de uma tragédia

O artigo a seguir, assinado pelo diretor geral da OIT, Juan Somavia, foi escrito logo após o acidente e resgate dos trabalhadores de uma mina no Chile, em outubro de 2010, e antes do 19º Congresso Mundial de Segurança e Saúde no Trabalho, que começou neste domingo (11) na Turquia. O texto é oportuno neste momento em que a Turquia sedia a maior reunião mundial sobre o tema.

"Quando saiu da mina, o chefe de turno daqueles 33 mineiros no norte do Chile fez uma declaração radical: tomara que isso não volte a acontecer.

A frase teve especial ressonância na OIT, onde já estamos preparando o 19º Congresso Mundial de Segurança e Saúde no Trabalho, que acontecerá em 2011. Mas também nos leva a ler com outros olhos as notícias de diversos países que falam de trabalhos realizados em condições mínimas de proteção, frequentemente perigosas.

Ao ver as emocionantes cenas da volta dos mineiros chilenos do fundo da terra, após uma operação impecável e com alta eficiência tecnológica, não podemos nos esquecer do começo dessa dramática história: eles ficaram presos porque as medidas de segurança eram insuficientes. Mostraram serenidade, coragem, organização e amor à vida.

Mas com o passar dos dias, já no âmbito de sua reflexão pessoal, também terão visto como a experiência pôde mostrar ao mundo a urgência de se fazer muito mais pela segurança dos trabalhadores. Eis uma evidência disso: se bem que os 33 regressaram à vida, são 32 os mineiros que este ano morreram no Chile em acidentes similares; na América Latina, essa cifra já ultrapassa os 200.

Também ficou evidente que não podemos falar de uma economia moderna, de um desenvolvimento próprio do século 21, quando ocorrem tragédias felizmente dessa vez com um bom final como a que golpeou suas vidas por mais de dois meses.

Tudo isso realça a importância das notícias recentes, segundo as quais o governo do Chile se prontifica a ratificar as convenções da OIT sobre segurança e saúde no trabalho nas minas. Um fato que ocorreria no marco do que o presidente Piñera denominou um novo tratado, uma nova cultura em matéria de segurança laboral.

Especificamente, a Convenção 176 sobre segurança e saúde nas minas aprovada na Conferência Internacional do Trabalho da OIT com os votos de representantes de todos os setores tripartites define a necessidade de leis e normas para a vigilância da segurança e saúde nas minas, determina as formas de inspeção das jornadas de trabalho, declara a necessidade de determinar procedimentos de notificação e de investigação em acidentes mortais, define a necessidade de estatísticas capazes de trazer experiências para sua maior segurança, reconhece a importância da voz dos trabalhadores ao participar das medidas relativas à segurança.

Cada país fará o que considera pertinente para avançar nessa matéria. Mas há um conceito que não se pode negar: é inaceitável a ideia de que os acidentes e as enfermidades sejam ossos do ofício. A cada dia morrem no mundo 6.300 pessoas por acidentes ou enfermidades relacionadas ao trabalho. No caso da atividade mineira, ainda persiste um dado surpreendente: o setor emprega cerca de 1% da força de trabalho mundial e produz 8% dos acidentes fatais.

A quem caberá criar uma cultura de prevenção em matéria de segurança e saúde, na qual o direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável seja uma realidade em todos os setores? A todos. Esse é um tema da sociedade em seu conjunto. O aumento da segurança é algo necessário para os trabalhadores, contribui para a produtividade das empresas e reforça as políticas dos governos.

Não há dúvida de que o tema também estará presente nas discussões da próxima Conferência Regional Americana do Trabalho, que acontecerá precisamente no Chile, em dezembro. Há muito por fazer quando falamos de trabalho seguro e saudável. Não há trabalho decente quando a insegurança ameaça a quem trabalha.

Nota: o Brasil, em 18 de maio de 2006, ratificou a Convenção nº 176 da OIT sobre segurança e saúde nas minas.

*Juan Somavia é diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT)