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ECA 21 anos: a juventude quer ser feliz agora

Dando sequência à serie de entrevistas sobre os 21 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Vermelho entrevistou por email o presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Yann Evanovick.

Por Marcos Aurélio Ruy*

A Ubes nasceu em 25 de julho de 1948 e passou por muitas lutas nas questões nacionais, desde a campanha do “Petróleo é Nosso”, a reconstrução da entidade a partir de 1977, as lutas dos “cara pintadas” pelo impeachment do ex-presidente Collor, até as atuais reivindicações dos estudantes para a incorporação no Orçamento da União de 10% do PIB e 50% do pré-sal para a educação. Também integram a luta da Ubes temas como o passe livre, a meia entrada para estudantes, entre outros temas importantes pra melhorar a vida dos mais jovens no país.

A Ubes luta também por uma educação pública e gratuita para todos como forma de universalizar o acesso à escola a todos os brasileiros em idade escolar. O amazonense Yann Evanovick foi eleito para presidir a Ubes em 13 de dezembro de 2009, aos 19 anos de idade. E tem uma afirmação fundamental para a reflexão de quem trabalha com a questão dos jovens no país: “já somos o hoje e não o amanhã do Brasil”.

Leia a íntegra da entrevista abaixo:

Vermelho: Os jovens têm o que comemorar nos 21 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente?
Yann Evanovick: Acredito que só o fato de termos o ECA para pautar o direito das crianças e dos adolescentes já significa uma vitória que merece ser comemorada, afinal trata-se de uma conquista do povo, que por tantos anos lutou por isso. Outro avanço importante da sociedade é a queda da mortalidade infantil em 61% nos últimos 20 anos. É claro, evidentemente, que muita coisa ainda precisa ser feita e a luta que travamos na Ubes reflete um pouco dessas questões.

Lutamos, por exemplo, pela universalização do acesso à educação em todos os níveis, apontamos também para a necessidade de erradicarmos o analfabetismo, pautamos inclusive a questão de a segurança alimentar na merenda que oferecem nas escolas. Tudo isso são questões que estão pro vias de se resolverem e que devem ser equacionadas para oportunizar mais qualidade de vida àqueles que conduzirão o Brasil.

Vermelho: Os espaços de cultura, esporte e lazer que existem são suficientes para atender a demanda de crianças e adolescentes?
Yann Evanovick: Os espaços que existem ainda são insuficientes. A escola ainda é o grande espaço de produção cultural e esportiva e é preciso investir muito mais nessas áreas, ainda mais agora que o Brasil ria receber a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. É muito legal ver um jovem fazer a opção por jogar bola, subir num palco e não desperdiçar seu talento com o que há de ruim.

Vermelho: Esses espaços ajudariam a conter a violência que tem aumentado contra os mais jovens em todo o país, principalmente nos grandes centros?
Yann Evanovick: Nos últimos anos, a juventude teve inúmeras conquistas. O que conseguimos de políticas públicas na década passada não se compara com nenhum outro período da história do Brasil. A esse avanço, também pode se notar um melhor tratamento da juventude em outras esferas, não só por parte do governo, mas é claro que isso ainda é muito pouco diante da realidade. A violência policial ainda é grande, o número de assassinatos que vitimam jovens mais ainda. Esses dados são bastante preocupantes e demonstram que o país precisa tratar melhor a juventude, porque já somos o hoje e não o amanhã do Brasil.

Vermelho: Dentro de casa ainda há muita repressão?
Yann Evanovick: Acho que nós sempre vamos reclamar por mais liberdade, seja na família ou na sociedade. Mas o fato é que as coisas estão mais abertas, apesar de que ainda existam casos de limitação imposta ao jovem. Mas acredito que isso venha mais do Estado do que da família.

Vermelho: É possível expressar-se com mais liberdade nas escolas?
Yann Evanovick: Os 21 anos percorridos desde o ECA se deram após a aprovação da Lei do Grêmio Livre, em 1985. Apesar desses 26 anos de direito dos estudantes se organizarem nos grêmios, ainda há aqueles que pensam que isso é um absurdo. Mas avançamos. Organizamos em janeiro deste ano o I Encontro de Grêmios da Ubes com a participação de representantes de mais de 700 escolas de todo o país. Só que no movimento estudantil temos uma concepção mais ampla desse conceito de liberdade. Acreditamos que isso só vai existir de fato, quando as escolas oferecerem opções para a juventude. Quando der a oportunidade de o estudante escolher complementos à educação formal, com esportes, artes e cultura em geral. Ou seja, quando o jovem tiver condições e também liberdade de escolha dentro das escolas. Que o ensino não seja apenas voltado ao vestibular, agora o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), sendo que nem para isso somos preparados direito. E não chegaremos ao nível desejado se o Brasil não tratar a educação como prioridade, como não trata ainda hoje. Chegar a investimentos equivalentes a 10% do PIB é um caminho para atingirmos esse patamar.

Vermelho: O Ministério da Educação tem um projeto de período integral nas escolas, projeto que parece estar engavetado. O que os jovens pensam sobre o período integral nas escolas do básico ao ensino médio?
Yann Evanovick: As poucas escolas de tempo integral têm provado que podem mudar a cara de ensinar, por dois aspectos: 1- Os estudantes passam pouco tempo nas escolas. A média no Brasil é de 4 horas diárias, enquanto em muitos países são 7 horas. Isso implica diretamente no desempenho dos estudantes e em especial nas dúvidas que não são respondidas nesse tempo, sem falar nas mudanças sociais que estão ocorrendo e que a educação formal precisa acompanhar, como por exemplo, o fato de que durante muitos anos era responsabilidade das mulheres educarem e acompanhar seus filhos nas escolas e dos homens viabilizar isso estruturalmente. Hoje isso mudou, as mulheres estão no mercado de trabalho dirigindo o país e, por isso, o Estado tem que ajudar, pois esse modelo educacional significa inclusive ajudar na emancipação da sociedade, mas lógico, sem excluir o papel da família na formação; 2- O Brasil tem um grande desafio a enfrentar. Hoje mais de 50% dos estudantes do ensino médio se evadem das escolas. Isso quer dizer que metade dos jovens entre 15 a 18 anos abandonam a sala de aula, a escola de tempo integral pode ajudar muito, em especial quando o ensino regular for articulado com o esporte, a cultura e as novas tecnologias, dando enfim um caráter mais interativo, que em minha opinião pode ajudar muito no combate ao abandono escolar.

Vermelho: A mídia poderia cumprir um papel importante se informasse aos jovens sobre essas questões. Como diz a música do grupo Engenheiros do Havaí. “a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”? O jovem de hoje se vê representado na mídia?
Yann Evanovick: Essa é uma pergunta interessante e que de ser refeita diariamente por todos os jovens. Porque a variedade de canais e formas pelas quais a juventude se expressa não é noticiada pela grande mídia. O que vemos todos os dias é a mídia tradicional reproduzindo um perfil de jovem limitado e que não corresponde à realidade. Digo isso porque a programação da TVs e rádios tradicionais, que eu prefiro dizer velhas, busca massificar o entretenimento na nossa cabeça e rotular a gente como pessoas que só se interessam por isso, que não se engajam em questões coletivas, etc. E isso não é verdade. Gostamos de festas, gostamos de namorar, de ir ao cinema, mas existem milhares e milhares de jovens participando desde grupos de jovens em igrejas, até em trabalhos sociais, culturais e nas manifestações que reivindicam mudanças estratégicas no Brasil e no mundo. O fato desses outro elementos não entrarem no noticiário da grande mídia não significa que não estamos nela, e sim que a mídia não consegue ou não faz questão de acompanhar isso. Não à toa, a internet é freqüentada majoritariamente por jovens, porque aí temos uma gama enorme de sites, portais, blogs e outros meios que usamos como meio de informação e até por onde noticiamos a vida da forma como a contemplamos. Imagina se tivéssemos a oportunidade de fazer isso pelo rádio e pela TV. Seria o ideal.

*Marcos Aurélio Ruy é jornalista e colaborador do Vermelho