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ECA 21 anos: proteção e desenvolvimento saudável são prioridades

Para combater a violência e a discriminação que crianças e adolescentes sofriam no país, foi promulgado, no dia 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tornando o Brasil o primeiro país a ter um marco legal em sintonia com a Convenção da ONU de 1989. Estima-se que a lei brasileira tenha inspirado no mínimo 15 reformas legislativas em países da América Latina.

Por Marcos Aurélio Ruy

Nesses 21 anos de vigência quais foram as conquistas mais importantes para a faixa etária de brasileiros compreendidos no ECA?

Para falar dos principais avanços nas questões pertinentes às nossas crianças e adolescentes, o Vermelho entrevistou por email a secretária Nacional de Promoção dos Diretos da Criança e do Adolescente (SNPDCA), Carmen Silveira de Oliveira – no cargo desde 2006.

Especialista no assunto, Carmen – que é doutora em Psicologia Clínica e professora titular da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, do Rio Grande do Sul – presidiu ainda o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a Febem-RS e o Conselho Federal de Psicologia. Ela é membro do Conselho Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul e pesquisadora na área de violência juvenil.

Nesta entrevista a secretária afirma que o objetivo do governo federal é assegurar “a cada criança e adolescente o direito de sobreviver e se desenvolver, aprender, crescer sem violência, exercer a sua cidadania, ser respeitado em sua identidade étnicorracial e ser prioridade absoluta nas políticas públicas”.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

Vermelho: Nos 21 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente temos o que comemorar?
Carmen Silveira de Oliveira: Nestes 21 anos, muitos avanços foram possíveis. O ECA assegurou a condição de sujeitos de direitos a todas as crianças e adolescentes e estabeleceu que sua proteção e a garantia de um desenvolvimento saudável devem ser prioridade absoluta e responsabilidade do Estado, da comunidade e da família.

Na área da saúde, tivemos uma redução de 61% na mortalidade infantil, aproximando o Brasil do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), previsto para 2015. Além disso, houve um aumento da expectativa de vida de meninos em sete anos e de onze para as meninas.

Na educação, crianças e adolescentes estão mais escolarizados. De 0 a 14 anos, a escolaridade cresceu de 86,6% em 1992 para 98% em 2009, com redução da diferença entre brancos/negros e área urbana/rural.

O sub-registro civil de nascimento – que indica crianças nascidas vivas e não registradas até 18 meses – também diminuiu de 27% em 1993 para 6% em 2010.

Comemora-se ainda a retirada de mais de 5 milhões de crianças e adolescentes do trabalho infantil e a redução de 22% na gravidez na adolescência entre 2005-2009. Temas importantes também foram inseridos de forma definitiva na agenda política nacional, tais como o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, a promoção do direito à convivência familiar e comunitária e a proteção contra ameaças de morte contra crianças e adolescentes, com a experiência pioneira do Brasil de criação do primeiro programa de proteção específico para esse grupo etário.

Ressalta-se também novas legislações avançadas como a Lei da Adoção e as propostas do Executivo, em tramitação no Legislativo, de proibição dos castigos físicos corporais e de instituição do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo a adolescentes em conflito com a lei.

Vermelho: É senso comum a afirmação de que os jovens com menos de 18 anos são impunes perante a lei, por causa do ECA. O que há verdade nisso?
Carmen Silveira de Oliveira: Esta é uma afirmação totalmente incorreta, geralmente usada como falso argumento por aqueles que querem demonstrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é “bonzinho demais” ou não tem respostas efetivas para a prática de ato infracional na adolescência. No entanto, é só ler o Livro II, Título III dessa lei e constatar que o ECA prevê sim a aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes que cometeram algum ato infracional. Inclusive isso é possível já a partir dos 12 anos, enquanto a maioria dos países prorroga a responsabilização apenas para adolescentes com 14 anos de idade ou mais.

Estas medidas socioeducativas podem ser em meio aberto (como na prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida) ou fechado (em unidades de internação, com duração de até três anos em privação de liberdade, um tempo significativo, pois corresponde à metade da duração da adolescência). Além disso, diferentemente do que acontece no caso dos adultos, temos a chamada Justiça Instantânea, que faz com que a investigação policial, a aplicação da medida pelo juiz e o início do cumprimento dessa medida pelo adolescente aconteça de forma muito célere, geralmente em questão de dias.

Vermelho: Recentes pesquisas mostraram que, apesar de a vida das pessoas ter melhorado no país, a violência contra a juventude aumentou, pois o número de homicídios cresceu na maior parte das periferias das grandes cidades ou no meio rural, onde morrem os jovens pobres, negros e as meninas sofrem todos os tipos de agressões, inclusive dentro dos próprios lares. Que projetos existem para alterar essa realidade?
Carmen Silveira de Oliveira: A Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente é responsável pela coordenação do módulo destinado a este público no Disque Direitos Humanos (Disque 100), serviço gratuito que funciona 7 dias por semana, 24 horas, e recebe denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Desde o início da gestão do serviço pelo governo federal, em maio de 2003, o serviço já realizou mais de 2,5 milhões de atendimentos e encaminhou mais de 180 mil denúncias aos órgãos de defesa e responsabilização, principalmente por situações de negligência, violência física e violência sexual contra crianças e adolescentes. O Disque 100 garante o anonimato do autor da denúncia e encaminha as denúncias no prazo máximo de 24 horas.

No caso dos homicídios, desde 2003 a Secretaria coordena o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), experiência pioneira no cenário internacional e que hoje está implantado em 11 estados brasileiros. Nesse período foram protegidos cerca de 5 mil crianças e adolescentes e familiares.

Vermelho: A Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente recebe apoio de outros orgãos ligados à proteção de crianças e adolescentes?
Carmen Silveira de Oliveira: Em 2008, a Secretaria, o Observatório de Favelas e o Unicef firmaram uma parceria, em cooperação com o Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para a implementação do Programa de Redução da Violência Letal (PRVL), com o objetivo de promover a articulação e a mobilização social para o tema, além de criar mecanismos de monitoramento dos índices de violência contra adolescentes nas 11 regiões metropolitanas mais vulneráveis do país, complementando a implantação do PPCAAM nesses estados.

O PRVL tem como uma de suas prioridades o fomento à pesquisa, pois considera que a compreensão do fenômeno da letalidade é essencial para dar maior visibilidade ao tema e conduzir à formulação de uma política nacional para a redução das mortes violentas de crianças e adolescentes, tendo a política de proteção a pessoas ameaçadas como um de seus eixos. Nesse sentido, o PRVL mapeou experiências comunitárias e de gestão pública de prevenção à letalidade infantoadolescente, e está finalizando um guia para a construção de planos municipais de enfrentamento à violência letal.

Também foi criado o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), que calcula o número de adolescentes de 12 anos que são assassinados antes de completar os 19 anos e permite a estimativa de mortes violentas ao longo de um período de sete anos. Além disso, foram calculados riscos relativos segundo determinados recortes de idade, etnia, gênero, entre outros. Lançado em julho de 2009, o IHA se constituiu numa estratégia de sensibilização e mobilização, estimulando a reflexão de gestores públicos para a criação de políticas públicas que enfrentem de forma efetiva esse grave problema.

Em julho de 2010, dando continuidade ao processo e tendo em vista o fortalecimento da relação entre os entes federativos e o maior comprometimento dos gestores locais, foi disponibilizada uma planilha que ajuda os gestores municipais a acompanhar periodicamente os indicadores de letalidade na adolescência. Esta é uma ferramenta inédita para a descentralização do monitoramento dos índices de homicídios nos próprios municípios, o que contribuirá para dar mais agilidade na atualização dos dados e na construção e avaliação das políticas públicas.

Vermelho: Os conselhos de direitos da criança e do adolescente e os conselhos tutelares já conseguem trabalhar adequadamente com plenas condições de realização de suas funções? Já abrangem a totalidade do território nacional?
Carmen Silveira de Oliveira: O ECA instituiu estas duas instâncias inéditas no Sistema de Garantia de Direitos: os conselhos tutelares e os conselhos de direitos, que estão presentes hoje em 98 e 92% dos municípios brasileiros, respectivamente. No entanto, pesquisa realizada pelo Conanda e por esta secretaria em 2005 mostra que estes conselhos ainda funcionam de forma precária.

A pesquisa também mostrou que no Brasil ainda havia 680 municípios sem cobertura de conselhos tutelares. Em 2009, segundo dados da MUNIC/IBGE, esta situação já tinha melhorado e apontava um pouco mais de 100 municípios sem conselhos tutelares, o que pode estar ainda melhor hoje.

Em resposta a esta primeira pesquisa, a SDH atuou em duas frentes que se apresentaram como as principais demandas desses órgãos: capacitação dos conselheiros e equipagem. Foram doados carros e computadores para conselhos de todo o país, além de criadas Escolas de Conselho em 17 estados, que oferecem cursos de formação de conselheiros. Há também cursos na modalidade educação à distância através de uma parceria com a Fundação Fiocruz.

Este ano está sendo realizada a segunda edição da pesquisa Conhecendo a Realidade, que possibilitará aferir a atual situação desses conselhos e propor novas ações estratégicas que visam contribuir para a melhor atuação destes conselhos, mas já inserimos novas ações para o fortalecimento dos conselhos tutelares no PPA 2012-2015.

Vermelho: Apesar dos avanços na questão da mortalidade infantil e do atendimento pré-natal, persistem muitas discrepâncias regionais o país e as regiões mais pobres apresentam índices intoleráveis. O que se está fazendo para combater essas diferenças?
Carmen Silveira de Oliveira: As diferenças regionais no Brasil são muitas e o governo federal trabalha este desafio a partir de planos/ações em territórios específicos.

Em 2004, o então presidente Lula assinou o Pacto para Criança e Adolescente do Semiárido, conjuntamente com ministros de Estado, governadores, empresários e representantes da sociedade civil, para garantir que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio sejam realidade para cada criança e adolescente do Semiárido brasileiro. O objetivo do pacto é reduzir as desigualdades sociais e melhorar a qualidade de vida das crianças e adolescentes do semiárido brasileiro, assegurando a cada criança e adolescente o direito de sobreviver e se desenvolver, aprender, crescer sem violência, exercer a sua cidadania, ser respeitado em sua identidade étnicorracial e ser prioridade absoluta nas políticas públicas. O Pacto foi reafirmado em 2007 e continua em vigor. O semiárido compreende cerca de 1,5 mil municípios nos nove estados da região Nordeste, além de Minas Gerais e Espírito Santo, e apresenta os piores indicadores sociais no tocante à infância e adolescência.

O governo federal também priorizou o tema da equidade regional através do programa Territórios de Cidadania. Além disso, no Ministério da Educação (MEC) foram desenvolvidas ações diferenciadas, como no caso do Mais Educação, voltado para municípios com menor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), além de projetos específicos para a rede escolar no campo e em comunidades tradicionais, como quilombolas e indígenas.

No tema do registro civil de nascimento, o governo federal também atuou com ações regionais específicas para reduzir a taxa de sub-registro. Em 2007, com a agenda social, foram desenvolvidas várias ações em parceria com governos estaduais e com instituições da sociedade civil, para a assinatura dos Compromissos “Mais Nordeste” e “Mais Amazônia” pela Cidadania. Na pesquisa MUNIC/IBGE 2009 foi possível identificar resultados positivos dessas ações. Segundo o levantamento, 34% dos municípios desses estados declararam possuir alguma política para combate a esse tipo de sub-registro, enquanto nos demais estados essa proporção é de 17,8%.

Vermelho: Na questão referente ao trabalho infantil ainda temos problemas sérios, o que o governo tem feito para extinguir o trabalho infantil?
Carmen Silveira de Oliveira: O governo federal combate o trabalho infantil em duas frentes: fiscalização e prevenção. A fiscalização é de responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego, que aponta uma redução de 53,7% na taxa de trabalho infantil, entre crianças e adolescentes brasileiros com idade entre 5 e 15 anos, entre 1998 e 2008. No entanto, segundo a PNAD/2009, ainda existem 2,1 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.

No âmbito da prevenção, o governo federal desenvolve o Programa para Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), conduzido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que articula um conjunto de ações que visam a retirada de crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas de trabalho infantil, exceto na condição de aprendiz a partir de 14 anos.

O Peti compõe o Sistema Único de Assistência Social (Suas) e tem três eixos básicos: transferência direta de renda a famílias com crianças ou adolescentes em situação de trabalho, serviços de convivência e fortalecimento de vínculos para crianças/adolescentes até 16 anos e acompanhamento familiar através do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). O programa atende mais de 820 mil crianças afastadas do trabalho em mais de 3,5 mil municípios. O governo federal repassa R$ 55 milhões mensais para as famílias atendidas pelo programa, além dos repasses feitos diretamente aos municípios.

Os esforços do Brasil no combate ao trabalho infantil são reconhecidos internacionalmente. Durante a Conferência Global sobre Trabalho Infantil, realizada em Haia, na Holanda, no ano de 2010, o Brasil foi instado a inspirar o movimento mundial para a eliminação do trabalho infantil, tendo se comprometido a sediar a próxima conferência, que ocorrerá em 2013.

Vermelho: A mídia estampa várias denúncias, que parecem corriqueiras, sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes, essencialmente meninas. O que tem sido feito para eliminação da prostituição infantojuvenil no país, inclusive para acabar com o chamado turismo sexual?
Carmen Silveira de Oliveira: Um esclarecimento: não usamos a expressão prostituição, pois no Brasil isso corresponde a uma atividade não criminalizante, de cunho laboral e de livre escolha para os adultos. No caso de crianças e adolescentes, trata-se de exploração sexual, considerada crime na legislação brasileira, além de uma das mais graves violações dos direitos nessa faixa etária e uma das piores formas de trabalho infantil.

O enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes é tema prioritário da atuação da Secretaria de Direitos Humanos, que desde 2003 implementa o Programa Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Uma das principais ações nesta área é a mobilização e integração do conjunto de programas e ações dos governos, organismos e agências internacionais, universidades e sociedade civil para o desenvolvimento e aplicação de metodologias de intervenção local capazes de garantir efetivamente os direitos de crianças e adolescentes.

A coordenação do programa também é responsável pela disseminação de boas práticas; sistematização de dados e informações; apoio às redes e comitês de enfrentamento da violência sexual e promoção de campanhas de sensibilização e mobilização. A área atua, oferece ainda apoio à gestão do Módulo Criança e Adolescente do Disque Direitos Humanos, serviço que recebe, encaminha e monitora denúncias de violência contra crianças e adolescentes. De março de 2003 a junho de 2011, mais de 180 mil denúncias de violência foram encaminhadas aos órgãos de defesa e responsabilização. Cerca de 1/3 delas fazem referência à violência sexual contra crianças e adolescentes.

No caso do enfrentamento da exploração sexual, tivemos grandes avanços a partir da gestão do presidente Lula, a começar pela problematização das reações de naturalização e indiferença social. De um programa no âmbito do governo federal (Sentinela, na área de assistência social), passamos a ter vários órgãos do governo federal com iniciativas no trade do turismo, rede de saúde, programas preventivos nas escolas, ações da Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal, entre outros. Além disso, estão sendo preparadas medidas específicas de prevenção a esta grave violação de direitos nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 e nas regiões onde estão sendo construídas grandes obras de infraestrutura, tais como as hidrelétricas de Foz do Iguaçu (PR), Jirau (RO) e Belo Monte (PA). As ações visam prevenir a exploração sexual, através do fortalecimento dos conselhos tutelares e parcerias com empresas do setor privado.

Tudo isso tem colocado o Brasil como referência internacional nas políticas públicas para o enfrentamento da exploração sexual infantoadolescente, o que motivou o país a sediar a maior edição do Congresso Mundial na área, em 2008, com a participação de mais de 170 países, inclusive com delegações de adolescentes dos cinco continentes.

Vermelho: A mídia cumpre seu papel social de informar bem o público infantojuvenil sobre seus direitos e deveres? De uma forma geral, a mídia convencional transmite a ideia de que a violência é até necessária para “educar” os mais jovens e nos casos de inconformidade com a lei pregam até a redução da maioridade penal e punição mais severa. O que se faz pra combater essa mentalidade atrasada?
Carmen Silveira de Oliveira: A mídia é um dos eixos trabalhados pela SDH no âmbito do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), pela importância desse ator social na construção de uma cultura de paz e pelo distanciamento que ela apresenta, de forma geral, dos temas dos direitos humanos. A mídia tem um papel importante na disseminação de informações e a SDH apoia projetos que tenham como foco a ampliação de uma cultura dos direitos humanos na mídia em geral. Estes projetos têm como diretriz principal aproximar os jornalistas a temas ligados a direitos humanos, visando incrementar o conhecimento destes profissionais para assegurar um viés de direitos humanos nas matérias produzidas, seja TV, rádio, impresso ou internet.

No caso especifico da SNPDCA e Conanda, temos contado com a parceria da Rede Andi e também de ONGs que trabalham a temática de defesa do consumidor na mídia, o que no caso de crianças e adolescentes é fundamental, pois são o alvo preferencial da publicidade. Outra iniciativa importante foi dada pelo Ministério da Justiça com a Classificação Indicativa que estabelece parâmetros para a decisão sobre o acesso de crianças e adolescentes à programação cultural, especialmente televisão e cinema.

O governo federal também vem fomentando, através do Ministério da Cultura, a produção cultural local, como no caso das rádios comunitárias e de grupos independentes para criação musical, circense, teatral e de vídeos, inclusive com estímulo ao desenvolvimento de talentos entre crianças, adolescentes e jovens. Ou seja, foi priorizada a criatividade das novas gerações, em alternativa aos apelos da mídia comercial com vistas a reduzir sua participação apenas como consumidores preferenciais de seus produtos. Outra incidência importante se deu no sentido de ressignificar a cultura da periferia brasileira para a sociedade em geral e para os próprios segmentos populares, pois ainda se associa pobreza à violência.

Também cabe ressaltar o tema do uso e acesso das novas tecnologias de comunicação. O fomento à implantação dos telecentros, o barateamento da telefonia móvel e dos computadores pessoais foram conquistas importantes para as crianças e adolescentes, ou seja, para a chamada geração digital. Tal destaque está diretamente relacionado ao fato de que esses novos meios suscitam novas formas de sociabilidade, de trabalho colaborativo e de produção descentralizada de informações.

Infelizmente, isso se fez acompanhar da potencialização de riscos e de violações dos direitos, como no caso da pornografia infantojuvenil na internet e do bullying proliferado via eletrônica.

Vermelho: As crianças e adolescentes têm sido ouvidos em seus clamores?
Carmen Silveira de Oliveira: O direito à participação de crianças e adolescentes foi introduzido em 1989, pela Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente das Nações Unidas. Em nosso país, este direito foi incorporado ao Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, assegurando a possibilidade de meninos e meninas com menos de 18 anos participarem da vida familiar e comunitária, sem discriminação, bem como da vida política, conforme definido no Artigo 16, incisos V e VI.

Embora ainda tímidas, crescem as experiências de participação de crianças e adolescentes no país. Nas eleições presidenciais, em média 35% dos adolescentes com idade entre 16 e 17 anos já exercem seu direito de voto, apesar de facultativo. E em 40% das escolas públicas brasileiras, os alunos estão organizados em grêmios estudantis ou participando de conselhos escolares.

Esta participação também está se tornando presente nas redes temáticas e em eventos promovidos para a discussão de políticas dos direitos humanos de crianças e adolescentes. No III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual, realizado no Brasil em 2008, cerca de 10% dos delegados presentes no evento eram adolescentes dos cinco continentes. A Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente também contou com a participação de delegados na faixa etária de 12 a 17 anos em suas duas últimas edições, inclusive atingindo mais de 35% do total de participantes, como em 2009. Para a 9ª Conferência, que será realizada no próximo ano, um grupo de 27 adolescentes (um representante de cada estado brasileiro) integra a comissão organizadora.

Outra iniciativa importante que desenvolvemos foi a criação de Observatórios de Adolescentes com o objetivo de estimular a discussão entre pares de temas relacionados ao ECA. Tais grupos são uma extensão do Observatório Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, portal criado pela SDH em 2009, www.obscriancaeadolescente.gov.br. Os Observatórios de Adolescentes estão criados em diversos estados, vinculados a escolas públicas, em parceria com universidades estaduais.

Todavia, ainda temos muito a avançar, em especial para reversão do caráter instrumental e até mesmo utilitário que muitas vezes permeia a inserção de crianças e adolescentes em espaços do poder público e até mesmo da sociedade civil organizada. Por outro lado, constitui um desafio incorporar as novas tecnologias de informação e comunicação como dispositivos de mobilização desses segmentos, superando os tradicionais formatos e ampliando a participação representativa.

Nesse sentido, a SDH estabeleceu metas, pela primeira vez, no planejamento 2012-2015, para fomentar o direito à participação. Dentre as iniciativas, destacamos os projetos de empoderamento das meninas e de autodefesa à violação dos direitos, como no caso da navegação segura na internet e da educação entre pares para a proteção à violência sexual e bullying. Também será estimulada a incorporação de adolescentes e jovens nos Núcleos de Defesa Civil Comunitária (Nudecs), para atuarem de forma preventiva e protetiva em situações de desastres naturais.

* Marcos Aurélio Ruy é jornalista e colaborador do Vermelho