Lindenberg: Estranha-se a apatia popular. Veja porquê

É curioso como de umas semanas para cá alguns jornais do eixo Rio-São Paulo, notadamente, 'O Globo', vêm insistindo na tese de que há uma certa letargia na mocidade, quando não na sociedade brasileira, inerte diante da crise "moral" que atinge o Governo. Começou quando o correspondente do El País aqui, Juan Arias, mandou matéria para o jornal dele falando disso – ele não conseguia entender como a sociedade brasileira ficava passiva diante da crise que os jornais locais denunciam todo dia. Como o texto de Arias não causou repercussão aqui, o jornal da família Marinho resolveu fazer ele mesmo o que não encontrou nos outros. E mandou fazer matéria farta com o correspondente espanhol e, por cima, publicou o artigo publicado no El País.

Pois bem. Vira e mexe o jornal carioca e os paulistas tocam no assunto. 'O Globo' pegou a UNE como exemplo da letargia e ainda hoje reclama que a entidade não protesta, não se manifesta, é tomada por um silêncio total. Há uma nítida provocação do jornal para que os estudantes, pelo menos eles, saiam às ruas para protestar contra o Governo.

Mais do que provocação, parece haver um estímulo para as manifestações de rua, como se isso fosse resolver alguma coisa, já que não se imagina que a ação do jornal é para satisfazer o correspondente do El País, decepcionado porque aqui, ao contrário dos países do Oriente Médio, o povo está trabalhando, as lojas funcionando, o comércio idem, as indústrias sem greve e a polícia atrás dos ladrões – inclusive dos de colarinho branco, como vê a cada apresentação televisiva da Polícia Federal. Quando não de empresários e até policiais, como noticiou este jornal, ao relatar a prisão de um grupo que comprava e vendia carvão vegetal, produto da ação criminosa.

Os mais velhos – ou menos moços, melhor – lembram-se da campanha que esses mesmos jornais usaram nas décadas de 50 e 60 contra Getúlio, Juscelino Kubitschek e João Goulart, dando eco à famosa "banda de música" da UDN. Logrou êxito no primeiro caso, levando o presidente ao suicídio, a estratégia foi derrotada por JK, mas acabou ganhando com a deposição de Jango pelos militares, que finalmente levaram a UDN ao poder, ainda que na garupa, e por pouco tempo, uma vez que preferiam aposentar os políticos e governar com os tecnocratas – alguns deles ainda saltitantes por aí.

Ora, ninguém desconhece que há corrupção no país. Neste como em outro qualquer. Como não se pode desconhecer o esforço quer do Governo quer de outras instituições, como o Ministério Público, para combatê-la. Agora mesmo, a presidente Dilma Rousseff leva adiante pesada tarefa de promover uma "faxina" no Ministério dos Transportes. Mas isso não conta para os neoudenistas, ainda que seja forçoso reconhecer que a presidente só entrou de sola na questão depois de denúncias da imprensa. Mas o fez de maneira desassombrada, surpreendendo até os mais críticos que não imaginavam que em pouco mais de duas semanas demitisse, exonerasse ou tomasse o cargo de volta de 16 pessoas, entre as quais um ministro que tem o mandato de senador.

De forma que é no mínimo estranha a maneira como esses jornais do Rio e São Paulo estão se comportando. E não se trata aqui do noticiário, descontado o exagero, mas do incentivo que dão à possibilidade de manifestações de rua, quando não à provocação, como 'O Globo', no caso da UNE e na repercussão que deu à suposta perplexidade do correspondente espanhol. Nem a oposição, que nutre aqui ou ali uma espécie de ódio a Lula e ao PT, chega ao extremo de pedir aos estudantes que saiam às ruas, como se quisessem reeditar o caso Collor. Há uma diferença fundamental entre um governo e outro que qualquer iniciante em Ciências Políticas admite: Collor perdera o apoio da população, enquanto os governos Lula e Dilma se fundamentam exatamente nele. Gostem ou não os seus críticos. 

Publicado no jornal Hoje em Dia, em 26 de Julho, 2011