Uns querem devolver o cavalo, outros batem no touro

Grécia quer devolver ‘cavalo de Troia’ que a União Europeia lhe deu de presente. Enquanto isso, o rating do Brasil prova que o touro de Wall Street ainda cambaleia.

 “A Grécia não estava pronta para o euro. Seu passado clássico era menos relevante que seu passado recente".  Roger Cohen, colunista do New York Times

O mundo está, de novo, em estado pré-esquizofrênico. A crise de Irlanda, Itália, Portugal, Espanha e Grécia provoca alvoroço semelhante ao que todos nós assistimos quase três anos atrás, quando o banco de investimento Lehman Brothers desabou do alto de seu patrimônio pretensamente inatingível, deflagrando a crise dos subprimes. O desequilíbrio fiscal nestes países (e em toda a Europa, é bom que se diga) está pondo em xeque a moeda que, até pouco tempo, qualificava-se para suceder o dólar norte-americano como padrão monetário mundial.

Isso mesmo, caros leitores-internautas, o euro vive a sua prova de fogo. E a economia global prepara-se, mais uma vez, para enfrentar o efeito dominó decorrente do mau humor numa economia hegemônica. Neste caso, a do bloco regional mais sólido do planeta, pelo menos até agora: a União Europeia.

No olho do furacão, a Grécia parece reviver seus próprios mitos. Ao ingressar na UE, em 1981, precisou elevar seu status econômico para não destoar tanto das demais nações do bloco. E o fez artificialmente, como ocorre na maioria esmagadora das vezes em que é necessário corrigir assimetrias.

Desde então, mantendo as aparências, vem sustentando uma curva crescente de despesas. Esse comportamento levou a terra de Aristóteles a atingir patamar altíssimo de gastos públicos. Com a economia praticamente estagnada e dependente da mão nada invisível do governo para assegurar o funcionamento de seu mercado, o país amarga as duras consequências da adesão ao bloco europeu sem a devida preparação prévia.

E, se no passado invadiu Troia com um cavalo de madeira cheio de bravos guerreiros, agora, quer devolver o “presente de grego” que a Europa rica ofereceu-lhe 30 anos atrás. Numa espécie de lenda reversa, para usar um termo da moda, a população protesta contra o aperto monetário e suas repercussões, em manifestações de rua. Em guerra, desta vez não com os troianos; e, sim, contra o próprio governo e seus pares do Velho Mundo.

Onde há flores

Enquanto isso, os países emergentes seguem sua rotina de conquistas e avanços econômicos e sociais. Verdade: nem tudo são flores por aqui. Mas também é fato que nossos problemas com déficit público viram simpáticos patinhos amarelos de borracha, se comparados ao monstro fiscal europeu.

Também temos um mercado doméstico ainda repleto de demandas reprimidas e consumo latente que nos garante combustível para fazer a roda girar, independente do que acontece na economia global. É um momento virtuoso, sim! Até quando vai durar, não sabemos… Nada é eterno; principalmente quando algumas medidas não são tomadas hoje para fazerem efeito amanhã.

O futuro pode até repetir o passado, como disse o poeta do rock, e a crise europeia avançar para além das fronteiras do continente. Mas e se o temor de hoje for apenas mais um sintoma da síndrome do pânico que assola a economia mundial? Lorde Tempo nos dirá, como sempre. Até lá, fica valendo a regrinha que aprendemos a duras penas com a crise dos subprimes: a economia se faz na expectativa. Então, que nossas projeções foquem nas coisas boas. Só para variar.

Touro batido

Nada como um dia depois do outro. Neste caso, uma década depois da outra. Quem ousaria imaginar, 10 ou 15 anos atrás, que o Brasil teria desempenho melhor do que os Estados Unidos nas avaliações de risco realizadas pelas agências internacionais? Ninguém! Mas tudo é possível desde que a mente humana descobriu a matemática. Querem ver? A Moody’s atestou que o B dos Brics vive um melhor momento como porto seguro de investimentos do que o Tio Sam. É… O touro, marca indelével da Wall Street nos seus melhores momentos, continua cambaleando. E, neste round, foi batido pelo Zé Carioca – para continuar nos símbolos criados por lá.

A agência manifestou-se com duas ações praticamente simultâneas. A primeira: elevou o rating do Brasil de Baa3 para Baa2 , acrescentando à promoção o viés “perspectiva positiva”. O combate eficiente à inflação teria motivado o upgrade na nota brasileira. O efeito imediato da nova classificação é o carimbo de confiança no governo Dilma Rousseff.

A outra ação da Moody’s trata do alerta de rebaixamento da classificação Aaa (o grau máximo do investment grade) feito pela agência aos Estados Unidos. Embora reconheça que o risco de default norte-americano seja mínimo, a Moody’s gostaria muito de ver o congresso daquele país aumentar o limite de sua dívida pública, alcançado desde maio. A Standard’s & Poors já deu o mesmo aviso em abril e a Fitch ameaça aplicar a rubrica “default restritivo”, caso o teto não seja elevado até 2 de agosto.

Na prática, a conjuntura inédita quer dizer mais ou menos o seguinte: hoje, o Brasil inspira mais confiança que os Estados Unidos quanto à sua capacidade de honrar compromissos da dívida pública. Isso representa mais atratividade para os investimentos especulativos que migram de porto em porto, buscando a fórmula “segurança com rentabilidade”.

Tudo tem três lados, lembram? Por isso mesmo, certo como o “2 + 2 = 4”, vem o tsunami de dólares entrando pela porta da frente do mercado financeiro nacional. E nós já comentamos, aqui na Coluna, que excesso de dólar aprecia artificialmente o real. Isso traz prejuízos no longo prazo. Ok… “No longo prazo, todos estaremos mortos”, como diria o genial John Maynard Keynes. Então, nosso mais sincero ‘U-hu’ para a Moody’s e um solidário o-O para os sobrinhos do Tio Sam.

Ana Cristina Cavalcante é Jornalista, com diploma, que adora Economia, Filosofia, rock inglês e futebol.

Fonte: InvestNE

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