Especialistas debatem soluções para combater crimes de ódio

Um rico debate marcou a sessão desta quinta-feira, 26, da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos, Cidadania, Segurança Pública e Relações Internacionais da Câmara de São Paulo, presidida pelo vereador Jamil Murad (PCdoB).

Sessão sobre Crimes de ódio na Câmara Municipal

O debate ficou em torno dos crimes de ódio e sua proliferação na cidade. Para tratar do assunto, foram convidados a delegada Margarette Barreto, da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi); Sérgio Salomão Shecaira, professor de Direito Penal da USP e Eduardo Ferreira Valério, promotor de Justiça da área de Direitos Humanos e Inclusão Social.

“A reunião é um passo à frente no combate aos crimes de ódio. São Paulo abriga gente de todos os continentes e estados e esses crimes muitas vezes dirigem-se aos migrantes; abriga também pessoas de diversas condições sociais, orientações sexuais, religiões etc. Se os crimes de intolerância predominarem, nossa cidade será fragmentada como um vaso que cai e se parte em pedaços”, alertou o presidente da Comissão, Jamil Murad. “Combater esse tipo e violência é imprescindível para que São Paulo seja mais solidária e humana e para que nossa cidade e nosso país sejam cada vez mais unidos”.

Primeira a falar sobre o tema, a delegada Margarette Barreto fez um raio-x das características dos grupos de intolerância e as dificuldades em se combater esse tipo de crime. Segundo ela, essas gangues são bastante fechadas, se comunicam por telefone através de códigos, dificultando o conhecimento, por parte das autoridades, dos locais e ações planejadas, e têm regras de conduta própria que dificulta a delação entre seus membros.

Uma característica preocupante colocada por Margarette é o potencial de disseminação desse tipo de violência. “Os crimes de ódio muitas vezes têm o efeito de ondas. Além disso, as pessoas que cometem esses atos têm orgulho e acreditam no que fazem, gostam de estar na mídia e de influenciar outras pessoas”, disse, diferenciando o perfil dos indivíduos que cometem crimes comuns daqueles que cometem crimes de ódio. “Inclusive, os indivíduos que cometem crimes de intolerância e são presos, ao saírem são tidos como heróis dentro do seu grupo e até sobem em sua hierarquia”, finalizou a delegada.

Sociedades complexas

Ao tratar do assunto, o professor Salomão Shecaira lembrou que os crimes de ódios são oriundos das chamadas “sociedades complexas”, agrupamentos modernos caracterizados pela existência de grupos étnicos, religiosos e políticos variados. Neste ambiente, é comum a formação de movimentos intolerantes.

Shecaira lembrou que diferentemente do crime comum – como o latrocínio, por exemplo, cuja motivação inicial é utilitarista –, os atos de intolerância têm a característica negativista por “rechaçar valores sem, no entanto, propor nada novo, nenhuma alternativa para a sociedade”.

Para o professor, “o problema dos crimes de ódio não se resolve apenas com ações punitivas; é preciso implantar ações integrativas e educacionais que nos aproxime dos valores fundamentais do ser humano, como o respeito e a dignidade”.

Ele defendeu que é necessário fazer uma campanha envolvendo as tevês públicas, os meios de comunicação, a sociedade e o poder público “que proponha o enfrentamento – e não a vingança – aos crimes de ódio”. Outro ponto é mapear os locais onde mais ocorrem esses crimes e desenvolver uma ação entre sociedade e polícia que permita levantar informações sobre o planejamento e a execução desses crimes, ajudando assim no trabalho de prevenção.

Na avaliação do promotor Eduardo Valério, “entender esse problema demanda uma visão global dos crimes e da sociedade”. Segundo ele, “os crimes de ódio não são apenas questão de segurança pública, mas resultado de uma herança político-social e econômica da nossa sociedade”.

Valério avalia que “vivemos numa sociedade preconceituosa, competitiva e individualista em que a solidariedade é cada vez menor”. Preocupado com a situação da cidade, enfatizou: “vivemos num caldeirão e um fato sozinho pode destampar esse caldeirão, desencadeando uma onda de violência”. A solução, para ele, passa por um trabalho mais comprometido, por parte do poder público, com o combate a esses crimes e pela educação, formando-se, assim de uma cultura de paz e solidariedade.

O debate contou ainda com o padre Júlio Lancellotti, os vereadores Marta Costa (DEM) e Agnaldo Timóteo (PR) e lideranças dos movimentos sociais.