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Cardozo e Abrão: Tráfico de seres humanos; o desafio do Brasil

O Senado acaba de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o tráfico nacional e internacional de pessoas no Brasil, em especial suas causas, consequências, rotas e responsáveis.

Por José Eduardo Cardozo e Paulo Abrão*

O tráfico de pessoas é um dos grandes problemas a serem enfrentados pelas autoridades em todo o mundo, não somente pelos métodos cruéis e pela complexidade do crime, mas pelo fato de afrontar diretamente a condição humana.

As vítimas, sejam elas mulheres, crianças, adolescentes ou homens, invariavelmente são transformadas em objetos e são privadas de liberdade, de autonomia e também de seus projetos de vida.

Trata-se de um drama de dimensão transnacional. O Brasil é um país de origem, de destino e de passagem para as rotas de tráfico internacional de pessoas. No âmbito nacional, a exploração é feita contra concidadãos. Esquemas criminosos são montados para alcançar pessoas em situação de vulnerabilidade com a finalidade de prestarem serviços forçados, de servidão, de exploração sexual ou para fins de remoção e circulação de órgãos e células humanas.

Para se viabilizar, o crime organizado globalizado apropria-se dos avanços tecnológicos, da ampliação dos fluxos migratórios, da miséria social, da vulnerabilidade das fronteiras e da precarização das relações de trabalho.

Ainda em 2001, o Brasil iniciou seu trajeto no combate a esse tipo de crime ao efetivar uma cooperação técnica internacional, assinada entre a Secretaria Nacional de Justiça e o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime.

A ratificação do Protocolo de Palermo, instrumento internacional de combate a esse crime, cuidou da inclusão e da previsão de ações e políticas públicas focadas em três eixos: a prevenção, a repressão e a proteção às vítimas.

Uma Política Nacional e um Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas estão vigentes e têm exigido uma ação integrada entre os ministérios da Justiça, da Saúde, do Trabalho e Emprego e as secretarias de Direitos Humanos e de Proteção à Mulher.

No âmbito do Ministério da Justiça, esforços são envidados pelos profissionais de segurança pública no aperfeiçoamento de técnicas de investigação, na capacitação de profissionais e na realização de operações de inteligência.

Recentemente, firmou-se um protocolo para ações prioritárias e conjuntas entre os ministros da Justiça do Brasil, da Argentina, da Espanha e de Portugal, que já estão sendo implementadas.

Os núcleos estaduais e os postos avançados de enfrentamento ao tráfico de pessoas, fruto de parcerias federativas entre Estados e municípios, atuam estratégica e diretamente na esfera de conscientização, mobilização, monitoramento, repressão ao crime e atenção às vítimas por meio de medidas articuladas com a sociedade civil.

Ainda assim, a barbárie se expande. Estimativas globais da ONU indicam que, a cada ano, cerca de 30 bilhões de dólares são movimentados e que mais de 2 milhões de pessoas são traficadas. Dessas, metade tem menos de 18 anos e 80% são exploradas sexualmente. Por esses motivos, a iniciativa do Senado é muito bem-vinda.

Neste momento, em ambiente investigativo republicano, a CPI é uma oportunidade privilegiada para gerar a necessária visibilidade a uma das piores lesões contra a humanidade, para alertar a sociedade e para ampliar reformas legais e o aperfeiçoamento das atuais políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de pessoas.

* José Eduardo Cardozo é ministro da Justiça. Paulo Abrão é secretário nacional de Justiça

Fonte: Folha de S.Paulo