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Reggae: Revolução nas favelas da Jamaica

Cantor da resistência, Bob Marley despediu-se da vida há 30 anos, em 11 de maio de 1981. Sua música esteve comprometida com a luta contra a opressão e pela liberdade dos povos

Por China Kane *

Bob Marley teve uma carreira singular e brilhante. Morreu de câncer com apenas 36 anos, em 1981, deixando uma obra que perdurará, influenciando gerações de músicos. Suas letras expressam a revolução que o povo fraco e oprimido das favelas e guetos desejava para se livrar da degradaçãoambiental, da miséria e do desemprego, causados pelas graves desigualdades sociais do seu país, a Jamaica.

O cantor sabia do que falava; ele viveu na favela Trenchtown por mais de quinze anos, convivendo com esgoto a céu aberto, barracos de lata (na Jamaica às 9 da manhã a temperatura chega a 27 graus), sem privacidade pois os cortiços ou barracos formam uma meia lua e um muro de dois metros circunda com apenas uma entrada e uma única bica para atender aos moradores de conjuntos de quatro ou cinco barracos chamados de yard (cortiço).

As canções No womam, no cry, Trenchtown Rock e Trenchtown reverenciam a favela/gueto com lirismo e consciência. Marley traduziu as ambiguidades dessa vida em canções que se imortalizaram. Lançou nove álbuns: Catch A Fire, Burnin, Natty Dread, Live!, Rastaman Vibration, Exodus, Kaya, Babylon By Bus, Survival e o póstumo, número 10, Confrontation, além de coletâneas e especiais, divulgando pelo mundo o reggae da Jamaica.

Desde o primeiro álbum, Catch a Fire (Acenda-se o fogo), o cantor assumiu o uso da maconha e acusava a escravidão e o colonialismo. Comprometido em desmascarar as hipocrisias da indústria cultural contra a erva usada nos rituais Rastafari como forma de comunicação direta com Jah Rastafari, um deus do povo negro, Bob Marley, o movimento Rastafari e reggae passam a ser monitorados pela CIA, e há suspeitas de que a agência de espionagem norte-americana esteve envolvida com o atentado contra Bob Marley e sua banda, em dezembro de 1976.
 
Na ocasião, Bob Marley e The Wailers estavam ensaiando para um show livre, em praça pública, quando um grupo chegou atirando nos integrantes. Rita Marley levou um tiro de raspão na cabeça, Bob foi atingido no braço e quatro tiros dirigidos contra seu peito foram amparados pelo corpo do seu empresário, Don Taylor, que ficou paraplégico. Depois disso, o cantor exilou-se em Londres.

Na Jamaica o povo diz que o atentado foi obra ou tinha o dedo dos yankees.

Documentos da CIA liberados nos anos 90 confirmam a espionagem contra Bob Marley e seu grupo, mas não confirmam que o atentado tivesse sido executado pela agência.

Em 24 de dezembro de 1979, em um show na Arena dos Heróis Nacionais o grupo The Wailers fez um show beneficente para as crianças rastas e, na ocasião, cantou músicas que denunciavam o atentado, como em Ambush in the night, em que diz “emboscada na noite, todas as armas apontadas para mim; emboscada na noite, eles abriram fogo contra mim; emboscada na noite, protegido por sua majestade.”

Através de suas músicas, Marley apoiou a luta por uma Jamaica livre e independente. Ainda em 1976, antes da emboscada, já enfrentara a CIA numa música chamada Rat Race, afirmando que “rasta não trabalha para CIA nenhuma!”

Outra canção, Get Up Stand Up, que compôs com Peter Tosh, ficou conhecida como um hino dos povos miseráveis e foi adotada pala Anistia Internacional como tema de uma campanha pelos Direitos Humanos na década de 90. Sua letra dizia “Levante, fique de pé / E lute pelos seus direitos/ Nunca abandone essa luta”.

Profundamente envolvido com práticas místicas, espirituais e religiosas, Marley pensava que o deus do povo negro tem a pele e o cabelo da cor negra. Era inspirado pelo pensamento de Marcus Mosiah Garvey, o líder jamaicano que, no início do século 20, militou no jornalismo de esquerda e no movimento de volta à África, e incentivava o povo africano e seus descendentes a valorizarem sua estética, seu passado histórico, origem e cultura.

Garvey havia profetizado, no início do século 20, que quando fosse coroado um imperador negro na África, esta era a senha para que o povo negro se unisse para lutar pelos seus direitos, na África e no mundo. Esse imperador foi Selassié, da Etiópia, o primeiro a ser coroado no continente africano nos tempos modernos e visto, então, pelos rastafaris, como o deus negro na terra.

Se estivesse vivo, o artista hoje teria 66 anos de idade. Comprometido com as causas sociais e políticas do mundo, Bob Marley manifestou artisticamente seu inconformismo frente às gritantes desigualdades sociais e à miséria dos povos de países de capitalismo subdesenvolvido. Assim sua obra supera os limites da arte, na busca de um mundo mais justo, onde impere a liberdade e a igualdade social.

* China Kane é cantor e locutor, pioneiro do reggae no Brasil tendo produzido e apresentado, entre 1988 e 1989, o primeiro programa diário de reggae de São Paulo, o "Reggae Raiz", na Rádio Brasil 2000, ao lado de Jay Mahal. Este texto foi publicado inicialmente em 2005 e é republicado com pequenas adaptações de datas.

Abaixo, links para algumas músicas de Bob Marley:

Ambush In The Night
No Woman No Cry
Catch a fire
Revolution
Trench Town