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Trabalhadores do Brasil: Ofícios do tempo

A antologia Trabalhadores do Brasil, organizada por Roniwalter Jatobá e publicada em 1998, apresentou um painel da literatura brasileira que descreve a condição operária. O próprio Roniwalter Jatobá, que organizou aquela coletânea, escolheu quatro entre os contos lá reunidos para homenagear os trabalhadores neste primeiro de maio. O Vermelho publica abaixo, um comentário exclusivo do autor sobre o livro em questão.

Trabalhadores do Brasil: Ofícios do tempo

Por Roniwalter Jatobá
Em 1998, organizei uma antologia de contos intitulada Trabalhadores do Brasil – Histórias do povo brasileiro (Geração Editorial, 310 páginas, SP), que reunia quarenta dos mais importantes autores brasileiros. Era uma edição especial, pelo menos para mim, porque pensava nos trabalhadores do país no sentido da mais ampla mão-de-obra que nós somos, da mais valia, enfim incluindo do caçador de escravos machadiano ao artista de circo de Osman Lins, da minha visão operária à apaixonada catadora de café de Murilo Carvalho, do publicitário ao jornalista de Lima Barreto, do delegado de polícia de Rubem Fonseca ao funcionário público monarquista de Arthur Azevedo. E muito mais.

A antologia surgiu como um desafio. Quatro anos antes, em 1994, alguém de cujo nome não me lembro disse que o escritor brasileiro, com raríssimas exceções, olhava apenas para o próprio umbigo e não escrevia "nada sobre o povo brasileiro". Ao contrário dos demais presentes, fugi da provocação, mas naquele momento me deu uma imensa vontade de encarar um projeto literário que reunisse histórias sobre um assunto muito debatido neste final de século: o trabalho e a sua evolução e as mais diversas profissões, algumas recentes, outras extintas. Mas, minha primeira indagação para organizar a coletânea foi como o autor nacional abordou, neste último período de cerca de cem anos da vida brasileira, homens, mulheres e crianças no dia-a-dia de sua sobrevivência. Fui portanto à luta, ou melhor, à leitura.

A partir daí, comecei a pesquisar com um olhar diferente e minucioso a produção literária brasileira, mesmo a de escritores já conhecidos. A descoberta foi reveladora. A contística de nossos autores é rica e diversificada, identificando-se as mais várias tendências surgidas no decorrer dos anos, da regional à psico-lógica, da realista à documental. A tônica de suas obras é a diversidade temática, em obras que revelam inúmeros aspectos do Brasil real: do violento mundo urbano às condições de miséria em que vive a população do campo.

O crescimento e a urbanização das cidades nas ultimas décadas, por exemplo, inspiraram os ficcionistas a usar novos protagonistas. Em outros, revelam-se a linguagem dos grupos marginalizados da cidade grande e os sonhos do boia-fria oriundo da marginalidade rural. São personagens que, com registro de carteira ou não, estão envolvidas nas diversas tarefas profissionais. No conjunto, os autores criam um painel da saga do povo desde o final do século passado, no mundo rural e urbano brasileiro.

O livro começa cronologicamente com Joaquim Maria Machado de Assis, carioca nascido em 1839, e termina com Fernando Bonassi, paulistano de 1962. Há omissões, sem dúvidas. Algumas porque grandes autores fizeram importantes registros em novelas ou romances, obviamente longos. Outras por ganância de herdeiros de autores ou editoras que relutaram em ceder os direitos autorais de obras importantes para conhecimento público a não ser por altas cifras, certamente impossíveis de ser bancadas num país onde os livros têm baixas tiragens. Nesse caso, na época, selecionei e não consegui incluir contos de Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Dalton Trevisan e Mário de Andrade, por sinal, o meu preferido para a antologia, com o seu Primeiro de Maio.

Neste 1º de maio de 2011, portanto, apresento aos leitores do Vermelho alguns momentos da antologia: o alheio burocrata monarquista (Arthur Azevedo), a sofrida boia-fria (Murilo Carvalho), o operário ferido na alma (Roniwalter Jatobá) e o sobrevivente retratista de rua (Wander Piroli). Trabalhadores e brasileiros. Boa leitura!

Clique nos links abaixo para ler os contos:

Arthur Azevedo: O velho Lima

Wander Piroli: Trabalhadores do Brasil

Murilo Carvalho: Chorar em silêncio

Roniwalter Jatobá: A mão esquerda