Artigo: Quando as chuvas param é hora de cuidar das enchentes

No Seminário Rumos e Desafios para a cidade de São Paulo do PCdoB, realizado no dia 2/04 na Capital, apresentamos quatro projetos para superar problemas crônicos da cidade e que podem contribuir para o crescimento econômico e desenvolvimento urbano bem como o desenvolvimento humano de grandes parcelas da população paulistana. O terceiro artigo da série segue abaixo e versa sobre as enchentes.

Por Arquiteta Rosana Helena Miranda*

O problema das enchentes em São Paulo acompanha a história da ocupação de seu território. Assim nos explica o geógrafo Aziz Ab Saber:

“Os livros de textos americanos, que tratam naturalmente de planícies aluviais em climas temperados, dizem que a maior relação entre a largura de um rio e a largura da sua planície é 1:18. Aqui em São Paulo nós tínhamos 1:40. E a cidade desceu pra essa planície em certo momento, depois do enxugamento dessas várzeas, com a reversão das águas para o Pinheiros, para as represas e para Cubatão. Isso é um dos maiores problemas que São Paulo enfrenta até hoje, foi a rapidez com que ela se apoderou e produziu espaços dentro da suas larguíssimas planícies.” (*)

Este fato já é uma característica peculiar de nossa cidade, e certamente as enchentes se explicam em função desse processo de ocupação.

A cidade de São Paulo cresceu sobre esta planície e ocupou a várzea a partir do Pátio do Colégio, sede da capitania cujo sítio escolhido, num primeiro momento serviu de local de proteção aos ataques dos indígenas que aqui habitavam.

Penso que como as áreas mais altas da cidade são menores do que a extensão das planícies dos dois principais rios da cidade seria impossível que a cidade crescesse com tal força, que depois viria a se tornar uma força econômica se a ocupação não tivesse avançado sobre as várzeas em função da tecnologia e do conhecimento disponível em cada período de formação da cidade.

Ocorre que os problemas ambientais são decorrentes desse histórico de formação da cidade. E a opção de projetos para o controle das águas e canalização dos rios os colocou de “costas” para a vida urbana e seu cotidiano.

Hoje a cidade sofre com as enchentes no período das chuvas e todos os anos a população que mora na várzea dos principais rios da cidade, Tietê, Pinheiros, Tamanduateí, Pirajussara, Aricanduva e outros, perdem seus móveis, tem suas casas invadidas pelas águas e perde dias de trabalho para enfrentar as chuvas.

O conjunto da população também sofre com a interrupção dos deslocamentos e perdas de veículos e mais gravemente de vidas humanas às vezes levadas por enxurradas.

A solução definitiva para estes problemas depende de obras estruturais de infra-estrutura que passam de uma administração a outra e envolvem grandes somas dos orçamentos das esferas federal, estadual e municipal de governos. Assim há que se ter paciência para o enfrentamento da questão, pois é praticamente impossível reverter o processo histórico de ocupação da cidade.

No entanto a população não pode ficar à própria sorte somente sendo socorrida pelo corpo de bombeiros e pela defesa civil. Há revolta e com razão das perdas acumuladas. É preciso sinceridade com os que repetidamente são atingidos pelas águas quanto aos prazos de solução dos problemas.

O que fazer então diante desse quadro? Primeiro dar continuidade às obras do plano de macro drenagem sem interrupção, independente de a obra ter sido elaborada em gestões administrativas diferentes.

É preciso criar um Plano de Preservação da Vida e de Prevenção de Impactos antes do período das chuvas, criar “áreas de apoio para enchentes” onde a população atingida teria todo o suporte de maneira planejada com moradia temporária, garagens temporárias, e depósito para mudança e guarda móveis para o período das cheias. Seria dada a opção de transferência definitiva para os imóveis de apoio. Após as cheias a população teria apoio de um programa de desinfecção das suas moradias e das ruas e espaços públicos e monitoramento da sua saúde. Os imóveis abandonados na várzea seriam transformados em espaços de drenagem com usos de lazer público fora das cheias.

Mas, a cidade não pode parar suas atividades e para isso é preciso criar um sistema de transposição dos rios por transporte de massa unindo pontos altos na região do entorno imediato com estrutura leves sobre trilhos, para manter a mobilidade urbana e desestimulara o uso dos automóveis em dias de chuva. Criar sistema de transporte por barcos para transferir a população até pontos seguros fora dos alagamentos.

No longo prazo a cidade necessita investir na recuperação da vegetação às margens dos rios junto aos passeios públicos que os ladeiam. Em algumas situações é possível criar “braços dos rios que vão tocar a cidade no seu dia a dia” nos bairros densamente povoados como recuperação urbanística e criação de áreas de lazer, dos antigos meandros dos rios.

O envolvimento da população moradora é de fundamental importância e por isso ela deve ser participar de treinamento de retirada para os locais de apoio. Além disso, é necessário promover um programa de educação ambiental em toda a extensão do leito dos rios criando os “pequenos comitês de bacia locais” em cada trecho, para envolver a população na recuperação ambiental dos rios paulistanos. Soma-se a essas ações a limpeza rigorosa do sistema de micro drenagem com inspeções conjuntas com a população local punindo agentes poluidores e fiscais ineficientes e o investimento em tecnologia de reciclagem do lixo urbano para a recuperação e proteção dos rios.

As águas de março fecharam o verão como disse o poeta, é a hora de cuidarmos das enchentes em São Paulo.

(*) Geógrafo Aziz Ab Saber em palestra proferida no Instituto de Estudos Avançados da USP em 1996 no curso (RE) Visão da Metrópole.

*Arquiteta Rosana Helena Miranda
Profa Dra. da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
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