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Kadafi diz que não deixa poder e sofre pressão da ONU

Em discurso transmitido por uma televisão local, o presidente da Líbia, Muamar Kadafi, afirmou nesta terça (22) que vai permanecer no cargo e que as manifestações do país são geradas por "pequenos grupos" influenciados pelos Estados Unidos e pela Tunísia, onde a mobilização popular levou à renúncia do ex-ditador Zine El Abidine Ben Ali.

“Não vou deixar o governo e ficarei até o fim”, disse Kadafi, durante o pronunciamento. “Nós vamos resistir”, completou o líder líbio, há 42 anos no poder. Vestido com seu tradicional traje de cor cáqui, ele falou por mais de vinte minutos. O local escolhido para o discurso foi um palácio em ruínas, antiga residência do presidente que foi alvo de um bombardeio norte-americano em 1986. O ataque matou uma das filhas de Kadafi.

“Muamar Kadafi é o líder da Revolução, sinônimo de sacrifícios até o fim dos dias. Este é o meu país, de meus pais e meus antepassados", afirmou, mencionando o momento em que chegou ao poder, em 1969, quando tinha 27 anos e era membro das tropas que assumiram o governo do país. “Eu vou lutar até a última gota de sangue, com o povo da Líbia por trás de mim”, afirmou.

De acordo com Kadafi, o “Ocidente mercenário” incita os jovens líbios a movimentos contra o governo. “O governo dispõe de arquivos e investigações sobre os líderes [das manifestações de protesto contra o governo]”, disse ele. O coronel afirmou ter “direito de lutar pela Líbia”. “A Líbia quer glória, a Líbia quer estar no topo, no topo do mundo… Sou um guerreiro, um revolucionário de tendas. Vou morrer como um mártir no final”.

O pronunciamento foi intercalado com imagens de manifestantes governistas, nas ruas da capital, Trípoli, segurando bandeiras da Líbia e mais a estátua de uma mão destruindo uma aeronave com o emblema dos Estados Unidos. Ele consultou também seu “Livro Verde”, lançado por ele mesmo em 1975, no qual expõe sua visão sobre a política.

Kadafi prometeu não usar a força contra os manifestantes, mas alertou "aqueles que tomam parte na guerra civil". Nos últimos dias, o governo tem sido acusado de usar helicópteros, aviões e tanques para reprimir oposicionistas que pedem sua renúncia.

Também ontem o regime líbio sofreu novo revés, com a renúncia do ministro do Interior, Abdul Fattah Younis, noticiada pela TV Al Jazeera, e de novos representantes diplomáticos do país. Younis, ainda de acordo com a emissora árabe, conclamou o Exército a engrossar as fileiras da oposição. Anteontem, o ministro da Justiça já havia renunciado.

Nesta quarta, oficiais do Exército líbio na zona de Al Jabal al Akhdar, no nordeste do país, anunciaram que já fazem parte da "revolução do povo", em um vídeo divulgado pelas emissoras de televisão árabes Al Jazeera e Al Arabiya.

Relatos locais indicavam também que toda a região leste da Líbia, incluindo Bengazi – a segunda maior cidade do país –, está sob controle de rebeldes. A área é um tradicional bastião de opositores ao regime líbio.

Em um sinal de que o regime não controla o leste, jornalistas estrangeiros que estavam no vizinho Egito foram autorizados a entrar na Líbia e chegaram até Tobruk. Os primeiros relatos são de uma cidade tomada pelos manifestantes.

Em seu discurso, Kadafi também convocou seu apoiadores a saírem às ruas. "A partir de amanhã, peguem suas crianças, saiam de casa e os ataquem em seus lares. Todos vocês que amam Kadafi vão às ruas, não tenham medo deles." E encerrou conclamando: "O tempo da vitória chegou. À frente, à frente, à frente. Revolução! Revolução!"

Na véspera, o mandatário já havia feito pronunciamento para negar que houvesse fugido para a Venezuela.

ONU

Reunido extraordinariamente na terça à noite, o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou, por unanimidade, a violência cometida por autoridades da Líbia contra os manifestantes. Organizações não-governamentais estimam que o número de mortos pode chegar a 400. Há suspeitas de crimes contra a humanidade e violação de direitos humanos.

“[Os países-membros do conselho pedem o] imediato fim da violência e que sejam dados passos para lidar com as legítimas exigências da população através do diálogo nacional”, diz comunicado divulgado pelo órgão.

Diferentemente da maior parte da delegação líbia na ONU (Organização das Nações Unidas), o representante permanente da Líbia na ONU se mantém fiel a Kadafi. Ibrahim Dabbashi, número dois da missão líbia nas Nações Unidas, defende a renúncia de Kadafi. “É uma boa mensagem para o regime, para acabar com o derrame de sangue do povo líbio”, disse.

O comando do Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) informou que há perigo para os que solicitam asilo político e refúgio. "Não temos acesso neste momento para a comunidade de refugiados. Nos últimos meses, temos tentado regularizar a presença na Líbia, mas há dificuldades ao nosso trabalho", disse a porta-voz Melissa Fleming.

Liga Árabe

Horas antes da condenação da ONU, a Liga Árabe decidiu suspender a participação da Líbia em todos os seus encontros, durante uma reunião extraordinária de seus representantes permanentes ocorrida no Cairo, Egito.

Segundo comunicado da entidade, "a participação das delegações governamentais da Líbia nas reuniões do Conselho da Liga Árabe e de todas as suas organizações dependentes está cancelada até que as autoridades líbias cumpram os requerimentos" da organização pan-árabe.

Por sua vez, a alta representante da União Europeia (UE), Catherine Ashton, antecipou no Cairo que o bloco suspenderá um acordo que está em processo de negociação com a Líbia devido aos últimos acontecimentos no país.

Além disso, a responsável da diplomacia europeia criticou "a perda de vidas" na Líbia e condenou qualquer tipo de violência. "Peço contenção a todo o mundo, deve haver um respeito completo aos direitos humanos", sentenciou Ashton, que também pediu às autoridades líbias "para que escutem as aspirações do povo".

A Líbia é o único país africano na região do Mediterrâneo que não tem uma relação contratual com a UE. O acordo tinha como objetivo reforçar os laços bilaterais.

O presidente da França, Nicolas Sarkozy, também se pronunciou ontem, pedindo que a Europa suspenda todos os laços econômicos com a Líbia e adote sanções contra o país.

"Eu peço ao Ministério de Relações Exteriores que faça uma proposta aos nossos parceiros europeus pedindo a adoção de sanções rápidas e concretas para que todos os envolvidos na violência saibam que terão de assumir as consequências de suas ações", disse Sarkozy, em comunicado.

Com agências