Jóis Alberto: No jogo político do Oriente Médio, as cartas estão ainda mais embaralhadas à mesa das negociações

Enquanto o noticiário político local e nacional começa a esquentar, no bom sentido jornalístico da palavra, quando este se refere a ‘notícias quentes ‘ no jargão, alguns fatos internacionais se destacam igualmente e merecem uma análise, até porque com certeza terão grandes repercussões na vida de todos, em níveis internacional, nacional e local. Um exemplo disso são os atuais acontecimentos no Egito, que a cada dia que se passa toma proporções cada vez maiores, a ponto de já se falar em uma “Revolução do Nilo”.

Egito
Nesse sentido, leio notícia na edição nacional do “Vermelho” de que o governo de Israel teme o futuro das relações com o Egito, e, por extensão com o mundo árabe, após a saída de Hosni Mubarak, o que muitos esperam que aconteça o mais breve possível, dentro desse processo de transição política decorrente da revolta do povo egípcio contra esse ditador. Leio também outro texto em que se noticia que a visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil, em meados de março próximo, vai ser usada pelo governo brasileiro para fazer campanha em favor da reforma do Conselho de Segurança da ONU. Como se sabe, o Brasil aspira cada vez mais a integrar o órgão como membro permanente.

“O Brasil é um país com credenciais impecáveis em defesa da paz, do direito internacional e da promoção de consenso no Conselho de Segurança”, argumenta o novo ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota. De fato, não restam dúvidas sobre isso. Porém considero que o governo brasileiro e a opinião pública precisam tentar compreender melhor as contradições, riscos e oportunidades inerentes a essa legítima aspiração do Brasil e do Itamaraty. Ao argumentar nessa direção, eu não seria muito original se comparasse o Oriente Médio contemporâneo a um difícil jogo de xadrez, por isso prefiro recorrer à comparação com um jogo de baralho, no qual as cartas estão cada vez mais embaralhadas, especialmente agora com essas grandes mudanças no Egito. Desse modo, tanto os EUA, quanto Israel ou, por outro lado, irmandades islâmicas, religiões e partidos políticos de fé muçulmana querem dar o Xeque-mate, mostrar o Às numa cartada e ganhar esse jogo da política internacional e/ou geopolítico, que sem dúvidas ainda tem várias batalhas pela frente e há muito está mais para um empate, do que para uma vitória decisiva por parte de qualquer dos países, partidos políticos, grupos e religiões…

Recentemente foi veiculada notícia pela internet de que informações vazadas no site WikiLeaks, de Julian Assange, revelam que, entre 2004 e 2009, a Embaixada e o então embaixador dos EUA em Brasília, Clifford Sobel; representantes de Israel e até diplomata do Egito teriam reclamado, em despachos, telegramas e conversas até então sigilosas, de que o Brasil entrara no cenário político do Oriente Médio – especialmente na questão Irã e a política nuclear – sem pedir permissão aos EUA para tanto. Ora, somente a arrogância imperialista ou o dogmatismo sionista mais obtuso para imaginar que países árabes ou grupos islâmicos, dos moderados aos mais radicais, concordariam em aceitar o Brasil como mediador privilegiado, nesses complicados e polêmicos conflitos internacionais, se o Chanceler e diplomatas brasileiros naquela região chegassem às mesas de negociação como meros ‘paus-mandados’ dos EUA!

PAZ E QUESTÕES POLÊMICAS

Embora consciente de que os marxistas, de modo geral, costumam evitar o ecletismo em suas análises, considero inevitável incorrer num certo ecletismo, numa transdisciplinaridade para argumentar melhor a respeito da busca da Paz e as conseqüentes polêmicas no Oriente Médio e outras partes do mundo. Para isso, parto da premissa, cada vez mais evidente, de que os grandes problemas culturais e políticos a se enfrentar, na atualidade, são a intolerância religiosa, a xenofobia e o etnocentrismo. Já tive oportunidade de estudar sobre várias religiões, especialmente na juventude, há cerca de 30 anos, por volta dos 20 anos de idade, quando era meio hippie, beatnik e poeta da ‘geração mimeógrafo’ e lia com grande curiosidade e interesse sobre diversas religiões, doutrinas, tradições espirituais, ocultismo, etc, etc… Eu lia acerca do cristianismo (em especial, o cristianismo dos irmãos Essênios, Evangelhos apócrifos; a vida de Jesus…); doutrina espírita de Kardec; esoterismo – Gurdjieff, Ouspensky, René Guénon …; alquimia (!); a fraternidade teosófica de Madame Blavatsky; um pouco de magia – Aleister Crowley, o mago enigmático e pra lá de polêmico (!), amigo de Fernando Pessoa; e também magia em Frazer; Freud; Jung, etc…; Rosa Cruz e Maçonaria; o movimento de algumas das diversas ordens dos Sufis, um pouco do Islamismo moderado e da dança dos Dervixes; Cabala (também um pouco, via Scholem e Walter Benjamin); Umbanda e Candomblé (Mãe Menininha do Gantois, Bahia, Jorge Amado, Pierre Fatumbi Verger…); Budismo e Zen-Budismo (via D.T. Suzuki e o excelente livro “O olho do furacão…”, de Murillo Nunes de Carvalho, editado na editora “Civilização Brasileira” do saudoso editor Ênio Silveira, marxista e comunista); hinduísmo (contatos, como jornalista, com fontes e amigos/as do movimento religioso Hare Krishna, leituras acerca dos caminhos de Katmandu, inclusive o famoso livro de Rene Barjavel, do qual tive um exemplar, etc)… Uma leitura, uma experiência cultural realmente muito eclética, como se vê, que contudo serviu para que eu me tornasse cada vez mais tolerante com as religiões alheias e sempre favorável ao ecumenismo. Passei, todavia, um tempo agnóstico e depois ateu marxista… De 2004 pra cá, voltei a me reaproximar da crença em Deus através da filosofia, quando pude ler melhor Espinoza, que, em resumo das suas muitas definições, proposições, escólios e corolários, interpreta Deus como causa imanente e símbolo da inteligência humana.

Em relação às questões políticas, começo lembrando, rapidamente, fatos históricos de que no Oriente Médio estão países que hoje podem ser pobres economicamente, como o Egito, a Turquia, ou ricos em petróleo como o Irã e o Iraque, mas que são riquíssimos, sobretudo, em tradição histórica e cultural, pois foi lá onde surgiram as primeiras civilizações urbanas da Humanidade. Destes citados, o Egito contemporâneo destaca-se ainda hoje pela admirável história e cultura herdadas do Antigo Egito, cujos períodos e dinastias costumam ser datados (a.C.) desde 3100 a 2725 até o período final (712-332), marcado pela invasão persa; Conquista por Alexandre, o Grande; fim da linhagem dos faraós nativos… Assim, é bom lembrar também que, por estar localizado no meio de privilegiadas rotas comerciais, ligando a África, a Ásia e a Europa, há muito o Oriente Médio simboliza um centro de tensão e conflito permanente. Fato agravado, na contemporaneidade, pelas ricas jazidas de petróleo. Ou seja, é evidente que nem a ONU, nem os EUA, nem qualquer outro País, partido ou religião vão conseguir nessa região uma paz perpétua, ou sequer uma paz minimamente duradoura. A minha esperança é de que todas as partes envolvidas na questão consigam, ao menos, administrar de forma civilizada esses conflitos, sem que se recorra a ações militares que desrespeitem a soberania das nações; ou que países, grupos ou corporações recorram a ressentimentos, a chantagens de qualquer tipo, notadamente a qualquer tipo de chantagem envolvendo o uso de bomba atômica, armas químicas, mísseis e outros armamentos de grande poder de destruição!

O processo de descolonização na África, no Oriente Médio e no Sudeste Asiático se acentuou principalmente nos últimos 50 anos. Da mesma forma que terminara a era do colonialismo europeu e a revolução nacionalista tenha provocado grandes mudanças no sistema político internacional nesse período, era mais do que previsível de que, em se tratando de descolonização, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente o império dos EUA viesse a entrar em franco declínio nessa área, da mesma forma que, simultaneamente, num processo inverso, novas potências começassem a se destacar. E destas, a China, a Rússia, a Índia, o Brasil, a África do Sul são mais do que candidatos naturais a tornarem-se potências mundiais não só pela extensão dos seus territórios, tamanhos da população, riquezas naturais, etc, mas também pelos crescentes conhecimentos científicos e tecnológicos e, principalmente, pelas potencialidades econômicas por terem se tornado enormes mercados produtores, consumidores e, crescentemente, também exportadores, com grandes movimentos de capitais financeiros, seja os produtivos na indústria, comércio, etc; os de investimentos e/ou os especulativos nas bolsas de valores dessas nações, já denominadas de ‘Brics’. Mas, se economicamente essas nações estão, senão unidas, pelos menos com muitas posições convergentes na defesa de seus interesses na ONU, em organismos multilaterais, como a OMC, Fao, etc, e nos encontros anuais de nações (G 20, etc) por outro lado existem contradições também aqui nas relações dos demais países que formam o ‘Brics’ com a compreensiva e contemporizadora posição do Brasil em relação ao Islamismo: na China, por exemplo, o socialismo de mercado; uma jurisprudência socialista, no ramo do Direito lá praticado, o Socialista, além de problemas de disputas territoriais nas fronteiras desse país-continente; na Rússia, as crescentes e tramáuticas relações conflituosas do governo central com grupos islâmicos separatistas; na Índia, a influência ainda hegemônica do hinduísmo e do sistema de castas, disputas de fronteiras com nações vizinhas, por sua vez majoritariamente muçulmanas; na África do Sul, a influência mais marcante de países de língua inglesa e das etnias, etc.

Nesse contexto, qual será o futuro do imperialismo norte-americano e de seus símbolos espalhados pelo mundo? Símbolos como, por exemplo, o McDonald´s, que, como empreendimento capitalista é igual a tantos outros, ou seja, gera muitos empregos, lazer, etc, ao mesmo tempo que tem problemas trabalhistas, ecológicos,etc… Eventualmente quando vou a praças de alimentação de Shopping Center às vezes gosto de comer sanduíche de fast-food… O problema com o McDonalds, como sabemos, e o documentário “Super Size Me” mostrou nos cinemas, por volta de 2004 e 2005, o problema é de se habituar a só comer comida de fast-food, que pode gerar obesidade mórbida, etc. Também desde a minha adolescência, sei das vantagens nutritivas de se comer alimentos integrais, naturais, vegetarianos ou, como mostra tendência mais contemporânea, alimentos orgânicos… Em shoppings centers gosto também do kibe do Habib´s – sempre curti kibe, não é pra fazer média com os árabes, não! Mas a minha predileção maior é a boa comida regional, especialmente o feijão verde, que é uma verdadeira delícia, acompanhado de arroz, carne de sol, queijo coalho… E de preferência com um bom suco de frutas brasileiras ou um guaraná… Sou nacionalista também, porém nunca xenófabo!

Como marxista, acredito no internacionalismo entre trabalhadores e na paz e solidariedade entre os povos. É nesse ponto que compreendo melhor as críticas ao McDonalds e outras multinacionais, como símbolos do imperialismo norte-americano e da globalização econômica!… O imperialismo, sim, é passível de muitas críticas, devido à tradicional política de se impor pela força bruta, pela violência, pela intervenção militar em países estrangeiros… Apesar de criticar o imperialismo norte-americano e/ou europeu, paradoxalmente sou mais pró do que contra os EUA e países da Europa. Em especial tenho simpatia pelas nações européias de línguas neo-latinas, como a Itália, França, Espanha, Portugal. A própria língua inglesa, aprendi isso no curso de Letras, essa língua tem cerca de metade das suas palavras com origem no latim…

Por fim, em relação ao etnocentrismo, além de ser um preconceito (no adulto, psicologicamente é um egocentrismo exagerado, uma atitude infantil, de trazer tudo para si, de quem só vê seu próprio umbigo, etc), como teoria é insustentável, por partir de um erro epistemológico, etc… Claude Levi-Strauss, em “O pensamento selvagem” já mostrou a nobreza e nível de igualdade lógica – pelo menos nas premissas cognitivas fundamentais de todo ser humano – , a igualdade entre o pensamento selvagem (não confundir com pensamento do selvagem) e o pensamento domesticado ocidental; e entre as mais diversas culturas e civilizações, etc.

Jóis Alberto é Jornalista, Professor de Português e Literaturas e Mestrando em Ciências Sociais na UFRN.