Petrobrás se considera acima do bem e do mal
Em alguns aspectos, como, por exemplo, no desenvolvimento de tecnologias para extração de petróleo em águas profundas, a Petrobrás é mundialmente reconhecida como empresa moderna, capaz de produzir e aplicar novos conhecimentos. No entanto, no que diz respeito às relações de trabalho, as práticas dominantes na Companhia ainda refletem concepções conservadoras herdadas dos períodos em que o Brasil viveu sob o autoritarismo. Por Christian Vasconcelos*
Publicado 21/01/2011 15:16 | Editado 04/03/2020 17:07
Até o dia 5 de dezembro de 2010, Wander Nogueira era empregado da Petrobrás. Era, porque foi demitido, por “justa causa”, depois de um procedimento investigatório que faria corar o mais conservador dos neoliberais. Wander é geofísico e foi um dos 30 consultores que a Empresa mantinha nessa área, sendo o único com atuação no Rio Grande do Norte. Teve grande participação nos estudos que levaram à descoberta do Pré-sal, mas não teve acesso ao conteúdo de imputações que lhe foram feitas e que levariam à formação de uma Comissão de Investigação.
Pior do que isso. Desrespeitando a Constituição Federal, Wander nem sequer teve direito de defesa. Simplesmente, compareceu às audiências solicitadas pela tal Comissão e respondeu às perguntas que lhe foram feitas, recebendo, depois, a sentença. Ao solicitar cópia da denúncia e do relatório da Comissão de Investigação, Wander teve o direito negado, mas foi informado de que poderia obtê-los pela via judicial. Ora! Se o acesso por meio da Justiça é possível, porque a Empresa o nega? Por acaso, a Petrobrás considera que suas normas e procedimentos estão acima das leis vigentes no País? – indagaria qualquer leitor.
Anacronismo – Estudo publicado, recentemente, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “Sistema de Indicadores de Percepção Social: Direitos do Trabalhador e Qualificação Profissional”, revela que a expansão do emprego no Brasil está sendo acompanhada por um maior respeito aos direitos dos trabalhadores. Segundo o levantamento, em grande parte, o fato decorre do crescimento do número de assalariados com carteira assinada. Na indústria do petróleo, no entanto, essa conclusão deve ser relativizada.
No setor privado e, particularmente, nas empresas que prestam serviço à Petrobrás, o panorama é oposto: o desrespeito a direitos sociais e trabalhistas está se tornando regra. Atrasos de salários e apropriação de recursos destinados ao saldamento de obrigações trabalhistas, como o FGTS e INSS, acompanham o não pagamento de 13º, férias, planos de saúde, vales-alimentação e de transporte, dentre outros direitos. E, tudo isso, com a complacência da Petrobrás, que sempre se mostra disposta a agir, mas, na prática, o faz apenas quando provocada.
Já, na própria Companhia, a situação dos trabalhadores não é outra. O conhecimento técnico avança e a produtividade aumenta, mas, nas questões que dizem respeito à relação com a força de trabalho, a política permanece a mesma há décadas, Para alguns gerentes, ávidos por resultados imediatos, a solução para o aumento da produtividade é… cortar custos. Mais realistas que o rei, esses senhores (e senhoras) não se sentem constrangidos ao desrespeitarem o Acordo Coletivo de Trabalho e, até mesmo as leis vigentes, dando interpretação própria a quesitos relacionados ao horário “in itinere”, escalas e pagamento de horas-extras. É como se estivessem acima do bem e do mal.
Essas concepções e práticas também precisam mudar.
Secretário estadual de Formação do PCdoB/RN