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La Jornada: a guerra dos EUA contra os imigrantes

Os Estados Unidos são um país guerreiro, saem de uma guerra para entrar em outra. Pode ser que este seja o destino dos impérios, também quando estão em queda. Além dos inimigos externos, a política nos EUA leva a ter os inimigos internos. Vamos relembrar o período da Lei Seca, em seguida o macartismo, a guerra fria e o anticomunismo. Agora, o perigo está na fronteira e os inimigos são imigrantes sem documentos.

Por Jorge Durand, no La Jornada
Tradução: Sandra Luiz Alve

Como em outras épocas, as forças mais obscuras do conservadorismo levam o país do norte a situações extremas e cometem erros históricos excessivos que fomentam o fanatismo, a perseguição, a violência. Muitos republicanos se taxam como “conservadores verdadeiros”, enquanto os liberais, entre eles Barack Obama, sentem-se encurralados e não se atrevem a defender suas posições, muito menos a atacar frontalmente a oposição e os difamadores.

Nas estradas do Texas são colocados anúncios com o rosto de Barack Obama desfigurado e agressivo, com a legenda de socialista ao lado. As campanhas mais absurdas, como a de acusar o presidente Barack Obama de socialista em função de sua proposta de uma reforma no sistema de saúde, ecoa em amplos setores da população. E se Obama não soube ou não conseguiu defender-se, muitos menos os imigrantes que são os mais indefesos e vulneráveis.

A retórica da invasão de imigrantes através da fronteira com o México é feita com as operações Bloqueio, Guardião e, a mais belicista, “Defender a Linha” (Hold the line). A este respeito, o antropólogo Leo Chávez analisa em seu livro “Covering immigration” (Cobrindo a imigração) dezenas de matérias de revistas que descrevem uma fronteira em crise, a necessidade de “fechar a porta”, de prevenir uma “invasão do México”, a preocupação porque a “América muda de cor” e, a mais irônica, sobre o letreiro “English spoken” (Inglês falado), como se o país tivesse perdido a identidade.

Mas as reclamações anti-imigrantes terminam quando o garçom serve a comida, a empregada doméstica limpa a casa e o consumidor compra verduras baratas no supermercado. A mão-de-obra mexicana é fundamental para que o sistema funcione. Mas não é indispensável. Há milhares de pobres no mundo que gostariam de estar no lugar dos mexicanos. E isto eles sabem – manipulam e utilizam o sistema segundo suas conveniências. A única vantagem diferencial é que estamos próximos, disponíveis e somos dispensáveis. Trazer mão-de-obra da China, Índia ou África teria custos adicionais e não poderia ser descartada com tanta facilidade.

A experiência indica que o melhor trabalhador é o que não tem documento, que é tratado como ilegal, que precisa esconder-se, vive com medo, não pode reclamar e carece de direitos. As vistorias são realizadas nas fábricas, nos comércios, nos restaurantes – onde há trabalhadores em excesso e são facilmente substituídos. Já faz alguns anos que não há vistorias em zonas agrícolas, onde faltam trabalhadores e não há reposição – 85% dos trabalhadores agrícolas dos EUA nasceram no México e a maioria não tem documentos. Esta é a maneira como somos tratados há mais de um século.

Uma parte do problema é que os imigrantes tornaram-se visíveis e estão dispersos por todo o território estadunidense. No Texas e na Califórnia sempre houve a presença Mexicana e ela já faz parte da sociedade, da diversidade racial e cultural. Em Arkansas, Geórgia, Alabama, nas Carolinas e em outros novos estados, os imigrantes são os recém chegados, os estrangeiros. A raça de “bronze” altera o equilíbrio racial e ancestral entre brancos e negros. Mas atrás das atitudes anti-imigrantes e legalistas há um conflito racial evidente.

Os afro-americanos aprenderam a levantar a voz diante de qualquer evidência de agressão ou discriminação contra seus irmãos. Os latinos, muitas vezes, ficam inibidos enquanto grupo, carecem de representação política e suportam calados as agressões. Há alguns anos compreendi o motivo, que quando perguntavam a um imigrante mexicano se ele havia se sentido discriminado, quase sempre respondia que não. A resposta foi dada por outro imigrante que estava nos Estados Unidos há muitos anos, quando me explicou que era uma questão de linguagem: se não entende o insulto ou a agressão, o impacto é muito menor e “é melhor…” Se não pode responder em inglês, você não terá nenhuma escolha.

A reforma imigratória foi convertida em um mito. Os republicanos afirmam que o tema só poderá ser discutido quando a fronteira estiver segura. E isto nunca vai acontecer. Sempre haverá incidentes fronteiriços. O muro está incompleto e não foi a solução. Além disso, atrás do muro é necessário um exército para vigiar 3.000 km de fronteira.

Não é só isso. No interior dos EUA é preciso controlar e verificar que só pode ser contratada a pessoa que tem documentação. Mas o sistema de verificação – E-Verif – é lento, complicado e tem muitos erros. Além de precisar fazer o tramite em linha, é preciso fazer uma consulta telefônica e esperar a confirmação. Várias pequenas empresas e empregadores não têm capacidade para fazer isso. São cerca de 10 milhões que trabalham com o número de segurança social falso ou utilizam de outra pessoa, mas a imensa maioria paga impostos.

Os imigrantes irregulares subsidiaram a segurança social com aproximadamente 200 bilhões de dólares. Esse dinheiro vai para um fundo, onde fica acumulado e é utilizado em caso de reclamações. Mas os que não têm documentos não podem reclamar, nunca vão ganhar esse dinheiro e nenhuma aposentadoria. Sem este dinheiro, o sistema de pensões estadunidense estaria quebrado.

Mas os argumentos monetários não contam, quando se trata de imigrantes irregulares. A falta de documentos é um pecado original que mancha para sempre a história de uma pessoa.