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Fausto de Sanctis: Cada um no seu quadrado

O Ministério Público (MP) possui poderes de investigação. A supressão desse poder de atuar visaria apenas coroar a perpetuação da criminalidade ocorrente em nosso país e que está a demandar a célere e eficaz atuação daqueles que deverão trabalhar em perfeita sintonia.

Por Fausto Martin de Sanctis*

Como titular da ação penal, a ele se destina a prova. Fica evidente que pode a própria instituição instaurar procedimento interno ou realizar diligências visando à apuração de crimes.

O Código de Processo Penal faculta-lhe o oferecimento de denúncia tendo por base peças de informação, independentemente da existência de inquérito policial; assim, configuraria contrassenso vedar a possibilidade de investigar. A Constituição Federal aclara que a atividade ministerial não se resume a postular diligências no bojo de inquérito policial, mas compreende também o poder de proceder a investigações.

A lei complementar nº 75/1993 autoriza o Ministério Público da União a realizar diligências investigatórias, o que arreda a alegação no sentido de que faltaria base legal.

A norma constitucional prevendo a exclusividade da Polícia Federal como polícia judiciária da União não impede, portanto, que o MP realize investigações criminais, já que tal norma objetiva afastar a superposição de atribuições entre polícias. A atuação do MP revela-se, entretanto e eventualmente, essencial, mas não exclusivamente essencial. Pode investigar, o que não impede a polícia de fazê-lo.

A resolução nº 63/2009 do Conselho da Justiça Federal dispõe sobre a tramitação direta dos inquéritos policiais entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.
Traz, como justificativa, além da agilização, o fato de ser o titular da ação penal e garantia de princípios constitucionais. Há previsão de direito de exame de inquéritos sigilosos pelas partes.

Com o devido respeito, tal medida, compreensível, tem acarretado distorções, porque, de forma indireta, o MP tem assumido funções atípicas e sem qualquer revisão ou deliberação de órgão externo. Hipertrofia de atribuições?

Podem ocorrer pedidos considerados relevantes pela polícia, mas, diante de discordância do Ministério Público Federal, são devolvidos sem análise judicial. O mesmo pode se dar quando o MP remete o feito ao colega de outra cidade ou delibera sobre acesso a feitos sigilosos.

Ainda, procedimentos sem controle judicial de prescrição.

Reconhece-se a cautela que rege a atuação do MP, a qual não substitui a função da polícia, tampouco a da autoridade judiciária. Aquele que preside inquéritos policiais, por força da Constituição, é a autoridade policial.

Além disso, em se subtraindo do juiz o poder de analisar pedidos endereçados por delegados, sob o argumento de caber ao MP verificar sua pertinência, por ser ele o titular da ação penal, não teria mais sentido a apreciação pela Justiça de pedidos da polícia.

Ora, o MP passa, então, a dizer o que cabe e o que não cabe.

O controle judicial seria feito, de fato, pela acusação, sendo o Judiciário mero homologador. Além disso, nenhuma revisão de contrapeso haveria, já que da decisão do MP não há recurso. O controle externo, previsto na lei e na Constituição, não significa, salvo melhor juízo, condução de inquéritos policiais, pois há previsão de que o MP pode requisitar a sua instauração e acompanhá-los.

A apreciação da necessidade e da pertinência de pedidos cabe, apenas, ao Poder Judiciário, que levará, certamente, em conta o objeto das investigações. Ambos os órgãos, Polícia Federal e Ministério Público Federal, têm demonstrado atuação diligente, devendo conjugar esforços para a eficácia e o alcance adequado de apurações.

Volume de serviço não pode significar supressão de atividade essencial e inalienável e hipertrofia de parte do sistema penal.

* Fausto Martin de Sanctis é juiz federal e escritor

Fonte: Folha de S.Paulo