Prêmio Zumbi e Troféu Carlos Santos são entregues na ALERS

Durante a sessão solene desta quarta-feira (17), em homenagem ao Dia da Consciência Negra, deputados de vários partidos ocuparam a tribuna para destacar a contribuição dos negros para a construção do Brasil.

trofeu zumbi - ag.alers

O líder do PCdoB, Raul Carrion, proponente da criação do Prêmio Zumbi dos Palmares na ALERS, afirmou que  “falar da enorme contribuição do negro para a formação do Brasil é redundante”. Ele lembrou de alguns nomes importantes, como Cruz e Sousa, Machado de Assis, Lima Barreto, Milton Santos, Luiz Gama, Henrique Dias e os Lanceiros Negros, além de Zumbi e João Cândido.

“Apesar disso, nós vemos a invisibilidade da participação do negro. Por isso a importância de prêmios como o Zumbi dos Palmares e o Troféu Deputado Carlos Santos, outro grande parlamentar negro, primeiro presidente negro desta Assembleia Legislativa, tendo assumido também o governo do Estado”.

Carrion defendeu a aprovação de alguns projetos de lei de sua autoria, como o que cria o Estatuto Estadual da Igualdade Racial, o que estabelece cotas para negros na Uergs, cotas nos concursos públicos e também o que determina que o dia 20 de novembro seja feriado no Rio Grande do Sul.

Troféus

Na solenidade também foram entregues o Prêmio Zumbi dos Palmares e o Troféu Carlos Santos, criado pelo deputado Alceu Moreira. Os agraciados com o Prêmio Zumbi dos Palmares foram: José Roberto Moreira (Área Cultural), Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor – Núcleo Pelotas (Área Social), João Batista Lima Conceição (Área Política), Paulo Roberto Silva (Área Religiosa), e Paulo César Fonseca do Nascimento, o Tinga (Área Esportiva).

O Troféu Carlos Santos foi entregue a Rubens da Silva, o Saravá (Categoria Saúde), a Adriane Santos da Silva (Categoria Educação), a Juremir Machado da Silva (Categoria Empreendedorismo Cultural), a ONG Maria Mulher (Categoria Políticas Afirmativas para as Mulheres Negras), e ao Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos – IACOREQ (Categoria Resistência Quilombola).

Manifestações

A deputada Marisa Formolo, que falou em nome do PT. “Não temos outra condição senão a de pedir perdão a todos os portadores da pele negra, em nome de todos os brasileiros e brasileiras que não conseguiram enxergar, na história oficial, o papel fundamental que os negros tiveram na história deste país”.

O deputado João Fischer (PP) ressaltou ainda que o Brasil hoje é uma das maiores economias do mundo, mas a desigualdade social e racial continua.

A deputada Zilá Breitenbach (PSDB) destacou que a abolição no Brasil foi um processo demorado, que aconteceu após muitos anos de resistência dos negros, dos abolicionistas e pressão de outros países. Hoje, a integração racial ainda é um desafio, um processo inacabado.

Uma declaração do presidente Lula durante aula inaugural para os alunos de ensino a distância em Maputo, capital de Moçambique, foi citada pelo deputado Gilmar Sossella (PDT). Ele disse que o projeto de investimento em educação do governo brasileiro naquele país é o resgate de uma dívida histórica com a África. Esse resgate também acontece aqui no Brasil.

Confira a íntegra do pronunciamento de Carrion

Exma. Deputada Marisa Formolo, presidindo os trabalhos neste momento; Exmo. Sr. Representante do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Sejalmo Sebastião de Paula Nery, prezado amigo; Exmo. Representante do Ministério Público Estadual, promotor de Justiça Francesco Conti, que realiza um grande trabalho à frente do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos em relação à etnia negra e aos direitos humanos em geral; Exmo. Sr. Ex-governador do Estado, prezado amigo, Alceu Collares; Exmo. Sr. Prefeito em exercício de Porto Alegre, vereador Nelcir Tessaro; Ilma. Sra. Coordenadora da Semana Estadual da Consciência Negra, professora Franquilina Marques Cardoso.

Nossa homenagem a todos aqui já citados por diversas vezes, seja para o Prêmio Zumbi dos Palmares, que tive a honra de propor a esta Casa e ver aprovado, seja para o Troféu Deputado Carlos Santos, que foi uma proposição do deputado Alceu Moreira.

Saúdo também as senhoras e os senhores dirigentes de entidades, de ONGs, os familiares, os amigos dos homenageados, as senhoras e os senhores da imprensa; as senhoras e os senhores, enfim, todos que prestigiam esta importante sessão solene nesta tarde.

Como já foi dito, esta sessão solene da Consciência Negra homenageia os 315 anos do assassinato de Zumbi dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, decapitado pelos senhores de escravos para servir de exemplo aos negros atrevidos que queriam ser livres.
A idéia de utilizar essa data em homenagem aos negros na sua luta pela liberdade surgiu no Rio Grande do Sul do nosso escritor, poeta Oliveira Silveira, do grupo Palmares, que já em 1971 levantou essa bandeira.

Em 1978, o movimento negro em todo Brasil já fez sua essa reivindicação do 20 de novembro. Pelo que já foi dito aqui – sem desdouro –, o 13 de maio, que sem dúvida é uma data importante, o fim da abolição, e marca uma mudança no modo de produção no Brasil, que passa do modo de produção escravista para o modo de produção capitalista, não foi fruto, como se vende, de uma benesse da princesa Isabel. Foi fruto da luta dos negros, da resistência dos negros e da luta da grande campanha abolicionista que tomou conta deste País. No entanto, era apresentado como um favor, como um presente.

Nesse sentido foi justa e vitoriosa a bandeira do Movimento Negro, em todo o Brasil, para que o 20 de novembro representasse melhor essa caminhada de lutas.

Em 1995, como já foi dito, o deputado Ciro Simoni criou a sessão solene da consciência negra e, de certa forma, oficializou, neste Parlamento, essa data. Somente em 2003, o presidente Lula assinou a lei nº 10.639, que tornou obrigatório o ensino da história da África e dos negros brasileiros, fazendo com que, a partir de então, nas escolas particulares e públicas, em todos os níveis, essa data devesse ser festejada. Só então podemos dizer que ela foi finalmente oficializada no nosso Brasil.

Hoje, o 20 de novembro é feriado em cerca de 750 cidades em 23 Estados do País. Tristemente, no nosso Rio Grande do Sul, em nenhuma cidade existe esse feriado, não porque os parlamentares não tivessem tido a iniciativa. Tive a honra, na Câmara Municipal de Porto Alegre, como vereador, de aprovar a lei que criou o feriado da Consciência Negra na Capital. Em Bagé e em Pelotas, da mesma forma, os vereadores criaram esse feriado. Infelizmente, o nosso Tribunal de Justiça do Estado, tão bem aqui representado pelo nosso querido desembargador, este tribunal que tem uma trajetória progressista, anulou a lei de Porto Alegre, a lei de Pelotas e a lei de Bagé, fazendo com que o nosso Estado seja um dos poucos onde esse feriado não existe, alegando a inconstitucionalidade das leis municipais. É interessante que em 23 Estados a Constituição é a mesma, e a lei não é inconstitucional. Em 750 cidades, a Constituição é a mesma, e a lei não é inconstitucional.

Tramita aqui nesta Casa o projeto de lei nº 51/2007, de autoria deste parlamentar, que declara o 20 de novembro feriado estadual. Estamos no final desta legislatura, e ele ainda não teve seu parecer votado na Comissão de Constituição e Justiça. Ainda temos, pelo menos, um mês de trabalhos pela frente. Esperamos que a referida comissão aprove o parecer, que lá dormita e ainda é contrário. Se votarmos, ele poderá ser derrotado, poderemos apresentar um outro parecer e aprovar a matéria ainda neste ano.

É possível que venhamos a travar uma batalha com o Tribunal de Justiça, mas essa luta faz parte da caminhada.

Portanto, estamos fazendo um chamamento à comunidade negra e aos deputados que hoje se manifestaram aqui, já que não há nenhuma bancada que seja contrária a essa luta, para que transformemos as palavras em atos e aprovemos nesta Casa esse importante projeto.
Neste ano, o 20 de novembro é dedicado, além da memória de Zumbi dos Palmares, a outro herói negro, um herói gaúcho: João Cândido Felisberto, mais conhecido como Almirante Negro. Neste ano, comemoramos 130 anos do seu nascimento e 100 anos da Revolta da Chibata, por ele liderada e que causou o levante da armada brasileira, então a terceira mais poderosa do mundo, colocando em xeque a República na Baía da Guanabara.

Após cinco dias de lutas, o Almirante Negro dobrou a presidência da República e o Congresso Nacional obtendo anistia para todos os revoltosos e vitória para a sua demanda, ou seja, o fim da chibata na Marinha. Tal prática só existia na Marinha talvez porque 90% dos marinheiros eram negros, imperando a lei da senzala.

No entanto, de forma traiçoeira, tão logo os marinheiros depuseram as armas e entregaram os navios, a anistia foi esquecida e os marinheiros foram perseguidos, presos e mortos, tudo sob a alegação de uma outra rebelião da qual eles não participaram. Todos os indícios históricos demonstram que aquilo foi uma provocação para justificar essa repressão.

João Cândido só não foi assassinado por um acaso. Foi dado como louco, internado, preso posteriormente, julgado e absolvido, já que não havia como acusá-lo de nada. Mesmo assim, foi expulso da Marinha, só vindo a ser anistiado post mortem, recentemente, por uma decisão do nosso Congresso Nacional sancionada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva.

Falar da enorme contribuição do negro para a formação do Brasil, no meu entender, é até redundante. Não se pode falar do desenvolvimento econômico do País desde o seu surgimento, seja nos ciclos do ouro, do açúcar ou do algodão, nas pedras preciosas, nos seringais da Amazônia e nas charqueadas do Rio Grande do Sul, sem falar da mão de obra do negro, trazido à força da África e submetido a cruel escravidão neste País.

Se falarmos da contribuição histórica, não temos como não citar Zumbi, Henrique Dias – na luta contra os holandeses – e a luta dos Lanceiros Negros aqui na Revolução Farroupilha, dizimados em 14 de novembro de 1844, através de uma traição em contubérnio entre Caxias e Canabarro. Não podemos esquecer também Pajeú, na luta de Canudos, Osvaldão, na luta da Guerrilha do Araguaia, e João Cândido, já mencionado.

Se falarmos na cultura brasileira, também temos referências fundamentais, como Luiz Gama, Cruz e Sousa, Machado de Assis, Lima Barreto, José do Patrocínio, Juliano Moreira – o primeiro psiquiatra brasileiro – e o maior geógrafo de toda a história, Milton Santos. No esporte não podemos falar.

Apesar dessa contribuição, percebemos a invisibilidade acerca da participação e da contribuição do negro. Por isso a importância de prêmios como o Zumbi dos Palmares e o Troféu Deputado Carlos Santos, outro grande parlamentar negro, primeiro presidente negro desta Assembleia Legislativa, tendo assumido também o governo do Estado.

Companheiros e companheiras, esperamos que esta Casa aprove, o mais rápido possível, não só a data de 20 de novembro como feriado no Estado do Rio Grande do Sul como os projetos sobre o Estatuto da Igualdade Racial Estadual, as cotas da UERGS, em tramitação nesta Casa, e as cotas nos concursos públicos estaduais. São necessárias políticas públicas afirmativas para enfrentar a desigualdade fática resultado de séculos de escravidão, discriminação e racismo.

Concluo lendo pequeno trecho, que considero muito significativo, da poesia Navio Negreiro, do grande Castro Alves:

Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!…"
Qual um sonho dantesco as sombras voam!…
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!…
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co´a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

De Porto Alegre,
Isabela Soares