Átila Bezerra – Um homem contra o medo do pecado de pensar

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A demissão do jornalista Dalwton Moura da editoria do Caderno 3 do Diário do Nordeste – Jornal de Circulação no Ceará – é o sintoma de um grave problema que vem afligindo a liberdade de pensamento e livre opinião no país. Espaço que deveria ser da discussão aberta, franca, plural, democrática e livre dos desdobramentos das artes e das demais manifestações simbólicas, em seus amplos sentidos, usos e interpretações no mundo em que vivemos (pós-moderno, contemporâneo, pós-industrial, pós-tecnológico ou como queiram chamar), onde a opinião divergente tenha espaço. O que parece, na realidade, é que o jornalismo de cultura de grandes grupos de Comunicação no Brasil estão se tornando feudos onde apenas o pensamento apolítico, a-histórico e desabitado de sentido – como diz Affonso Romano de Sant´Anna sobre a Arte no seu O Enigma Vazio – prevalece.

Para quem não vem acompanhando o caso, Dalwton Moura foi demitido do DN por publicar uma entrevista com o sociólogo Michael Löwy, marxista contemporâneo, que esteve em Fortaleza proferindo palestra sobre as Revoluções dos séculos XIX e XX. A Demissão de Dalwton neste momento político em que vivemos, de eleição de uma ex-presa política para a Presidência da República do Brasil, dentro da estrutura de repressão do pensamento contrário, remete-se imediatamente a da psicanalista Maria Rita Kehl, ex-colaboradora do Estado de S.Paulo. É um sintoma de algo que, aparentemente, pode parecer uma gripe em um ou dois pacientes, mas que na realidade vem se tornando uma epidemia que pode revelar algo mais grave: o medo da Grande Imprensa que depende de altos recursos publicitários dentro de um modelo sócio-político e econômico específico e global.

Conheço e acompanho a trajetória pessoal de Dalwton há mais de 15 anos, como estudante de Comunicação, professor da UFC de Fortaleza e profissional atuante que ele é nos meios de comunicação cearenses. Dalwton escrevendo tanto sobre política como sobre as artes e as culturas, inclusive aventurando-se com competência e sensibilidade na seara da composição, ao lado de importantes intérpretes da música popular que se faz hoje no estado do Ceará. Um dos mais brilhantes de minha geração, que hoje chega na casa dos 30, Dalwton Moura sempre pautou sua vida profissional pela ética, pelo esforço cotidiano, corajoso e árduo do bom jornalismo, da perspectiva múltipla do debate, sem deixar é claro de emitir sua subjetividade em seus textos, por "ser humano e existir", respeitando sempre a opinião contrária e possibilitando a livre discussão.

O espaço existente para as opiniões extremamente conservadoras, retrógradas, baseadas em preconceitos, em um pensamento individualista e mesquinho de classe média, incrivelmente impera em jornais de grande circulação nos cinco cantos do país. Nas colunas de jornalistas que fazem o jogo dos poderosos e dos detentores do poder hegemônico econômico (seja no impresso, seja na internet, na rádio ou na Televisão), o que se lê, vê-se e se ouve são enxurradas de opiniões medievais. Neste fluxo de micro-realidades quer circulam como a luz, assuntos que são considerados "polêmicos" e intocáveis são de forma veemente suplantados pelas realidades política, social, cultural, econômica e ambiental: pela experiência pessoal cotidiana, pelo bom senso, pelo contexto dos avanços políticos internacionais e pelos avanços científicos na medicina, na preservação ambientais que exigem esforços hercúleos, na defesa imparcial e imprescindível do consumidor e na gestão transparente do serviço público.

Trazer o debate do marxismo, como fez Dalwton Moura a partir da entrevista realizada com o sociólogo Michael Löwy, ao lado da jornalista Síria Mapurunga, parece ser realmente o pavor, o medo de que se possa fazer um jornalismo progressista para além dos debates rasteiros, pobres de sentido que mantém, mais de 40 anos depois do Panis et Circenses, as pessoas confortavelmente "sentadas em suas salas de jantar, preocupadas em nascer e morrer". Assuntos causados por um medo desta mesma classe média que dirige os jornais, jornalistas que chamam "patrão de Camarada", como denuncia Paulo Henrique Amorim. Um medo como mostra a realidade hoje, em tocar nos assuntos que possam levar a um passado não muito distante em que política e cultura caminhavam juntas, mostrando inclusive que comportamentos pessoais rebeldes são tão subversivos como uma revolução armada.

Quando o debate político de assuntos Foucaultianos, relativos ao corpo, à liberdade individual, aos fragmentos cotidianos de mudanças pessoais, fica em um nível em que esses mesmos temas não são aprofundados da maneira que exigem e merecem, a imprensa cumpre apenas um papel relativo, que não abarca a dimensão necessária para que esses mesmos temas possam tomar um corpo maior e se fazerem realidade na vida de um número grandiosamente maior de pessoas, de milhões mesmo, como uma eleição para Presidente da República em um país democrático, livre e independente como o Brasil deve suscitar, estimular, provocar.

O medo sumário, quase teológico, com t minúsculo, por parte de setores da classe média e por toda a alta, rica e hegemônica, da lembrança da possibilidade de uma revolução vinda das classes que precisam e sobrevivem hoje da Bolsa Família que mata a fome dos miseráveis, tirando a discussão do espaço rasteiro e levantando alto e forte a bandeira das mudanças e das lutas contra a hegemonia, mesmo que seja feita por nós, o outro lado das mesmas classe médias, intelectuais orgânicos no sentido Gramsciano, coloca em visibilidade a fragilidade e a instabilidade de um modelo de Imprensa que precisa cada dia mais de alternativas.

Alternativas que já vêem nas incontáveis mídias radicais, na imprensa sindical, na TV Digital, na web, nos blogs e nos microblogs, nas rádios comunitárias, na imprensa alternativa e popular, nas manifestações artísticas urbanas, em experiências amplas do cinema, da literatura, dos quadrinhos, do teatro, da dança, da música e de outras artes dos dias de hoje. Um inimigo perigosíssimo a ser combatido pela Mídia Grande, quando se discute profundamente o seu sentido.

O que eu quero é me dirigir e lembrar ao meu velho amigo e camarada Dalwton Moura, dos tempos do colégio e do Centro Acadêmico do Curso de Comunicação da UFC (quando nem mesmo éramos, como ainda não somos ainda, filiados a partido A ou B, mas que tínhamos sim a sensibilidade, a honra e o orgulho de sermos de esquerda, por sermos solidários e humanos) é que ele não está só, e ele sabe bem disso. A hegemonia do papel da imprensa grande – que não vai acabar agora, mas que sofre uma metralhada diária das mídias radicais – vai cada vez mais diminuindo. E o "público", o "receptor", ou melhor, o cidadão, como bem esclarece os Estudos Culturais, o sujeito que uma visão distorcida de uma ala do que se chama de discurso pós-moderno quer colocar em crise, esse já se sabe que toma decisões, enxerga, reflete, navega, aprofunda-se e não tem medo de cometer o "pecado de pensar" por conta própria: porque sabe que falso moralismo é uma faca de dois gumes.

Haverá um dia, ainda neste século, em que os filhos que precisaram no governo democrático de esquerda do Bolsa Família escreverão textos lembrando como seus pais e avôs eram massacrados pelas mentiras e omissões por parte da imprensa que escondia, relativizava e abafava a verdade. Neste dia, jornalistas como você, caro Dalwton, serão lembrados – pelos novos historiadores, sociólogos, economistas, antropólogos, comunicólogos e demais cientistas sociais que surgirem nas Universidades Públicas do Futuro – como os "primeiros revolucionários" do novo século.

Átila Bezerra é Jornalista e Mestre em Mídia e Práticas-socioculturais pela UFC

Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do Portal Vermelho

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