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José Carlos Ruy: O PSDB é a nova direita do Brasil.

Na esteira do declínio eleitoral histórico dos conservadores no Brasil há um rearranjo na representação política destes setores; a importância dos partidos remanescentes da ditadura de 1964 diminui e um novo esteio da direita emerge, representado pelo PSDB e pelas camadas sociais que ele representa

Por José Carlos Ruy

A trajetória do antigo Partido da Frente Liberal, atual Democratas (DEM) é uma boa ilustração do declínio das agremiações políticas que foram diretamente ligadas à ditadura militar, e também do rearranjo das forças conservadoras que ocorreu nos últimos anos.

A redução expressiva da representação parlamentar que o resultado da eleição do dia 3 confirma a tendência histórica de queda eleitoral dos partidos conservadores iniciada logo após o fim da ditadura militar.

A sucessão presidencial do general Figueiredo, há 25 anos, foi a última eleição realizada sob as regras impostas pela ditadura, cuja escassa legitimidade foi corroída pelo crescimento do clamor democrático – cujo primeiro marco eleitoral foi a disputa de 1974. Naquela eleição, o MDB, que era o partido oficial da oposição, elegeu 16 das 22 vagas em disputa para o Senado, e 161 deputados federais, contra 203 da Arena. Na eleição seguinte, em 1978, quase empatou com a Arena, que teve apenas 700 mil votos a mais que a oposição.

O clímax daquele movimento foi a campanha pelas eleições diretas para presidente da República, em 1983 / 1984, que levou milhões de brasileiros às ruas contra a ditadura mas não conseguiu triunfar na Câmara dos Deputados onde a uma minoria de deputados seguiu a orientação da ditadura e impediu o alcance do quorum necessário para aprovar a mudança constitucional e devolver ao povo o direito de eleger o presidente da República.

Foi uma vitória efêmera pois a grande mobilização popular criou as condições para que a ditadura fosse derrotada no Colégio Eleitoral que ela havia criado para respaldar os nomes que os generais escolheram para governar o país. Em 1985 eles não conseguiram essa façanha e seu próprio partido político, o Partido Democrático Social (ex-Arena) rachou, com uma ala, autodenominada Frente Liberal, favorável ao voto direto para presidente.

Herdeiro da ditadura

Esta ala foi o núcleo do futuro PFL. Os parlamentares dissidentes do oficialismo militar ajudaram a eleger Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985; ele recebeu 480 votos, contra 180 dados a Paulo Maluf (PDS) e 26 abstenções. Alguns dias depois, em 24 de janeiro, aqueles dissidentes oficializaram a criação do Partido da Frente Liberal, que nascia com força: tinha 10 senadores e 63 deputados federais. Seu desempenho eleitoral, nos anos seguintes, demonstrava uma representatividade que fazia do PFL a autêntica vanguarda da direita brasileira, ao passo que o PDS minguou acentuadamente.

Em 1986 o PFL elegeu sete senadores e 118 deputados federais. Em 1990 elegeu oito senadores e 83 deputados federais; nesse ano, foi um dos esteios do governo de Fernando Collor de Mello, apoiando ativamente a política de privatizações e dando apoio parlamentar para o início do desmantelamento neoliberal do Estado brasileiro.

Quando Collor foi afastado da Presidência da República acusado de corrupção, o prestígio do PFL vacilou, sendo salvo dele pela coligação com o PSDB para apoiar a candidatura de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência, em 1994. O vice naquela chapa foi Marco Maciel, uma liderança histórica da direita e que teve papel destacado entre a liderança política da ditadura militar.

O PFL mantinha ainda uma força eleitoral considerável, e conseguiu eleger naquele ano 11 senadores e 89 deputados federais. Seu núcleo principal era formado então por oligarquias de Pernambuco, Maranhão, Bahia e Santa Catarina e, naqueles anos de recuperação depois do desastre do governo Collor de Mello, o PFL conheceu o auge de sua representação parlamentar: em 1998 elegeu cinco senadores e a maior bancada da Câmara dos Deputados, com 105 cadeiras. Prestígio que ainda mantinha quatro anos depois, em 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente da República. Naquela eleição, o PFL elegeu 14 senadores e 84 deputados federais.

Em 2006 a queda ficou visível na eleição de seis senadores e 65 deputados federais. Em 2007, numa tentativa de enfrentá-la, o PFL mudou seu nome para Democratas (DEM), mas não conseguiu se livrar da má fama de herdeiro da ditadura militar, como o resultado da eleição de 2010 vai demonstrando.

Esse desempenho contrastou com o da outra vertente principal da direita brasileira, sua irmã siamesa, o PDS, e deu ao PFL a hegemonia entre a direita e os conservadores brasileiros.

Rearranjo na direita

O PDS foi mudando ao longo dos anos, e das sucessivas derrotas eleitorais, e hoje é o Partido Progressista, de Paulo Maluf – uma força residual entre os políticos de direita. Na sucessão do general Figueiredo, em 1985, capitaneou a resistência contra as mudanças democráticas que se avizinhavam e defendeu a postulação de Paulo Maluf, que era o principal expoente político da direita, à Presidência da República. Sua derrota no Colégio Eleitoral desdobrou-se, depois, num forte declínio.

Antes, em 1982, ainda sob a ditadura, o PDS havia eleito 15 senadores e 235 deputados federais. Mas na eleição seguinte, de 1986, elegeu apenas dois senadores e 33 deputados federais; em 1990 voltou a eleger dois senadores e aumentou um pouco a bancada de deputados federais, alcançando 42 mandatos. A última eleição em que participou com o nome de PDS foi a de 1992, quando era o terceiro maior partido do país. Elegeu 363 prefeitos, inclusive o de São Paulo, Paulo Maluf. No ano seguinte ocorreu a primeira mudança de nome (ou segunda, se contarmos desde a mudança de Arena para PDS) – fundiu-se com o Partido Democrata Cristão, assumindo a denominação de Partido Progressista Reformador (PPR); em 1995, outra mudança de nome o transformou em Partido Progressista Brasileiro (PPB, que apoiou o governo de Fernando Henrique Cardoso) que, desde 2003, é o atual Partido Progressista (PP).

Seu desempenho eleitoral foi cada vez menos expressivo. Em 1994 elegeu dois senadores e 52 deputados; em 1998, dois senadores e 60 deputados federais; em 2002, 49 deputados federais e nenhum senador; em 2006, um senador e 41 deputados federais. Na eleição atual, perdeu ainda mais deputados, elegendo 34 federais, mas aumentou o número de senadores para quatro.

A década de 1990 assistiu a um rearranjo na direita brasileira. Enquanto definhavam as velhas siglas conservadoras, derivadas diretamente da ditadura militar e que acolhiam a herança de linhagens ainda anteriores, vindas do PSD e da UDN anteriores a 1964, uma direita “renovada” começava a despontar.

Ela tinha raízes em setores que atuaram na oposição à ditadura militar de 1964 animadas por um programa liberal e antiestatal que, no período de embate direto pelas liberdades democráticas, não foi destacado. Mas que, ultrapassados os governos militares, começou a passar para o primeiro plano.

A expressão dessa direita renovada foi o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), fundado em 1988 por dissidentes do PMDB que defendiam a modernização capitalista, o estado mínimo e o fortalecimento da “economia de mercado” com a diminuição da regulamentação permitindo a ação mais livre para o capital.

Ao ser criado, o PSDB tinha nove senadores e 39 deputados federais. Sua guinada mais ostensiva para a direita ocorreu na eleição presidencial de 1994, quando se aliou ao PFL formando a chapa Fernando Henrique Cardoso / Marco Maciel. FHC foi o que se chamou, na época, de “anti-Lula” – isto é, o candidato capaz de enfrentar, nas urnas, a ameaça que a direita identificava na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República.

A aliança com o PFL deu densidade eleitoral àquela candidatura e as mudanças econômicas representadas pela nova moeda, o real, que foi encarada como uma promessa de melhoria na vida do povo, deram prestígio ao candidato conservador. Naquele ano, além do presidente da República, o PSDB elegeu também 12 senadores e 63 deputados federais. Aumentou para 83 deputados federais em 1998, mas elegeu apenas quatro senadores. E começou a diminuir em 2002, quando perdeu a Presidência da República para Luiz Inácio Lula da Silva; elegeu então 71 deputados federais e oito senadores. Voltou a perder ainda mais deputados em 2006, ficando com 66, embora tenha aumentado o número de senadores eleitos para 14.

A eleição deste ano parece confirmar esse declínio e também a ascensão do PSDB como a principal viga do conservadorismo no Brasil.

Mexicanização?

Esta foi uma eleição onde as forças democráticas e progressistas tiveram um avanço eleitoral inédito, conquistando ampla maioria na Câmara dos Deputados e no Senado – 311 dos 513 deputados federais e 49 dos 81 senadores (estes números ainda não são definitivos pois a quantidade de senadores e deputados pode variar de acordo com julgamentos pendentes em relação a candidatos cujas eleições precisam ainda passar pelo crivo da Lei da Ficha Limpa).

Enquanto o PSDB firma-se como força dirigente da direita, o DEM (ex-PFL) parece completar sua trajetória rumo ao abismo. Os dois partidos encolheram. O PSDB ficou com 53 deputados federais (13 a menos do que em 2006) e 11 senadores. O DEM perdeu ainda mais, ficando com 43 deputados federais (22 a menos dos 65 que elegeu em 2006) e dois senadores, deixando de frequentar a lista dos partidos grandes. Com estes resultados, o DEM que, nos seus tempos áureos, já teve ampla maioria no Senado, fica reduzido a seis cadeiras nesta casa legisltativa – os dois eleitos este ano mais os quatro eleitos em 2006. E o PSDB fica com onze (seis eleitos em 2006 mais cinco eleitos este ano).

Nas semanas que antecederam a eleição de 3 de outubro muitos comentaristas ligados à coligação PSDB / DEM viram na perspectiva do crescimento da bancada parlamentar progressista e patriótica a ameaça do que chamaram de mexicanização do sistema político brasileiro argumentando que, nas novas condições, não haveria oposição parlamentar ao governo (como ocorreu no México, durante o longo reinado do Partido Revolucionário Institucional, que durou de 1929 a 1980).

Estavam errados e suas análises nesse sentido decorriam da constatação da crescente obsolescência do atual arranjo entre os partidos que reúnem direitistas, conservadores e neoliberais. Nesse setor do espectro político, o que os resultados eleitorais das décadas posteriores à ditadura militar revelam é a continuidade do esgarçamento eleitoral das forças conservadoras remanescentes da década de 1930, quando se opuserem à renovação promovida pelos governos de Getúlio Vargas. Elas conseguiram atravessar as décadas seguintes à custa de golpes e espertezas políticas e, agora, parecem perder o fôlego. Há uma nova direita se reajustando, e o PSDB emerge como sua principal força dirigente. Mas ela pode perder a hegemonia que manteve até aqui e ficar reduzida à influência social e política que as camadas sociais que ela representa mantêm. Uma direita na qual as oligarquias regionais ficam reduzidas e subordinadas diante de novas forças sociais conservadoras de feição urbana, ligadas principalmente ao capital financeiro, a setores das classes médias e aos aliados do imperialismo.