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A imperiosa necessidade de subir os impostos

Este artigo questiona um dos pilares do pensamento econômico neoliberal que sustenta que a baixa de impostos é a melhor forma de estimular a economia e criar emprego. A evidência científica existente não avaliza tal suposto. Ao contrário, a subida dos impostos dos altos rendimentos (que poupam mais do que consomem) é benéfica para estimular a economia, se os fundos derivados deste maior agravamento forem para a criação de emprego público, pouco desenvolvido em Espanha.

Por Vicenç Navarro

Um dos mitos que se reproduz em grande número de meios de informação econômica em Espanha (reproduzido também nos periódicos de maior difusão do país) é que em momentos de recessão como o que agora vivemos é importante não subir os impostos, pois isso reduziria a procura (ao subtrair recursos ao rendimento disponível para a população) e, com isso, o estímulo econômico e a criação de emprego. Na verdade, a teoria neoliberal indica que em momentos de recessão há que baixar os impostos a fim de estimular a procura e o consumo.

O presidente Reagan foi quem introduziu esta teoria (à qual o candidato George Bush pai se referiu, quando concorria com o candidato Reagan nas primárias do partido Republicano, como "voodoo economics", isto é, economia dos bruxos), reduzindo os impostos (das pessoas mais ricas), o que, segundo ele, estimularia a economia, gerando mais recursos para o estado.

A realidade é que tal redução de impostos aos rendimentos superiores criou um enorme déficit do estado, o qual era, na verdade, o objetivo real da sua política, utilizando este déficit para argumentar que havia que reduzir a despesa pública (incluindo a despesa pública social) para diminuir e/ou eliminar o déficit.

Tal "voodoo economics" transformou-se na política dos establishments europeus tais como o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. Tal redução de impostos dos ricos originou, no entanto, grandes déficits e uma elevada dívida pública [1]. Este aumento dos déficits e da dívida pública utiliza-se como argumento para exigir, agora, uma redução da despesa pública (incluindo a social) com o fim de diminuir o déficit. Tal postura é parte integrante do dogma econômico neoliberal, reproduzido à base de fé e não de evidência empírica que o sustente.

A outra alternativa, a de subir os impostos, é eliminada, pois, diz-se-nos, diminuiria a procura e o estímulo econômico. Dado que a maioria da população prefere pagar o número mais baixo possível de impostos, então, aquela mensagem é aceite e incorpora-se rapidamente na sabedoria convencional. É assim que os dogmas se produzem e reproduzem. Mas, como sempre ocorre no nosso país, um elemento chave para entender quem paga impostos e quanto pagam, é a classe social do contribuinte.

As pessoas com mais rendimentos, os ricos, são os que têm maior capacidade de poupança. Têm tanto dinheiro que, inclusive depois de consumirem (consumo de luxo), lhes fica bastante para poupar. Mas o que é necessário agora, num momento de recessão, não é tanto que as pessoas poupem, mas que gastem, consumam e estimulem a economia.

Pois bem, o Estado deve conseguir dinheiro dos ricos (com base no aumento dos seus impostos, que foram descendo durante todos estes anos) e, com tal dinheiro, criar emprego nos serviços públicos, que estão muito pouco desenvolvidos em Espanha. Outro dogma neoliberal, também erroneo, que é promovido e reproduzido em Espanha, é que há demasiados funcionários públicos.

Nada menos que um Ministro da Economia de um governo socialista, o Sr. Boyer, numa entrevista no El País [2], dizia que o emprego público era demasiado alto em Espanha, mais alto que na Alemanha ("O peso do PIB da remuneração dos assalariados públicos é de 12% em Espanha, enquanto na Alemanha é de 7,5%").

Mas o Ministro Boyer não pode concluir destes números que o número de funcionários públicos seja mais elevado em Espanha que na Alemanha. Se tivesse sido meu aluno na cadeira de Políticas Públicas I, tê-lo-ia reprovado. Trata-se de um caso claro de como não ler as estatísticas. Para comparar emprego público da Espanha com a Alemanha, por exemplo, há que comparar maçãs com maçãs e não com pêras.

O fato de a Alemanha ter menos funcionários públicos deve-se a que, no sistema de contabilidade nacional, o setor de saúde alemão não está contabilizado nos números de emprego do Estado. Ao ser o seu sistema de saúde um Seguro Nacional de Saúde, em lugar de um Serviço Nacional de Saúde, o emprego de tal sistema contabiliza-se numa rubrica diferente [3]. Quando se incorpora tal emprego público sanitário alemão no do Estado, então a Alemanha tem um emprego público maior que a Espanha.

Tal erro é semelhante ao que ocorreria se excluíssemos da categoria de emprego público os profissionais sanitários, quando o financiamento sanitário dependia da Segurança Social. Seria aconselhável que os economistas que dirigem a política econômica do país diversificassem as suas leituras e não aceitassem automaticamente os relatórios procedentes da banca e do mundo empresarial.

Da mesma maneira que a indústria farmacêutica tem uma enorme influência na configuração da cultura médica (através do patrocínio e do financiamento das revistas e congressos médicos), o capital financeiro tem uma enorme influência (juntamente com o mundo das grandes empresas) na cultura econômica, através de medidas semelhantes. Daí que a sabedoria convencional em círculos econômicos esteja muito influenciada pela Banca, situação que se acentua ainda mais nos governos que se rodeiam de assessores procedentes ou próximos à banca ou ao Banco de Espanha (o Vaticano do pensamento liberal).

O dado de que a Espanha tem mais emprego público que a Alemanha procede de um relatório (de grande pobreza técnica) publicado pelo IESE, financiado pela Banca. E, devido à escassíssima capacidade critica dos maiores meios de difusão do país, foi reproduzido amplamente. No trabalho citado anteriormente, investigadores do Observatório Social de Espanha (OSE) mostraram os numerosos erros de tal relatório. Mas numa situação que caracteriza a cultura neoliberal dominante em círculos econômicos, tal afirmação continua a repetir-se, ignorando a evidência esmagadora que a questiona.

Eu rogaria ao leitor que, de cada vez que leia um artigo que registe aquela falsidade, envie ao autor do mesmo cópia do trabalho do OSE. Em verdade, pensava abrir no meu blogue [4] uma seção (que ia intitular “os erros que são cometidos no discurso político e mediático espanhol”) para ir alertando o público de que se estão a tomar medidas com base em informações erroneas, mas tive que abandonar a ideia, pois era um número excessivo.

Tudo o que foi dito tem grande importância, porque o que o Estado deveria fazer é aumentar os impostos para criar emprego. Se o estado central eliminasse todas as reformas fiscais regressivas (que beneficiaram primordialmente os ricos durante os últimos vinte anos) poderiam ser recolhidos 66 bilhões de euros, com os quais se poderiam criar mais de quatro milhões de postos de trabalho [5].

O leitor perguntar-se-á: e por que não se faz? E a resposta é o enorme poder dos lóbis econômicos e o poder de classe (isto é, dos grupos mais abastados) que os poderes políticos (em teoria nossos representantes) não se atrevem a antagonizar. Entende você leitor, por que as classes populares estão cada vez mais frustradas com os nossos representantes?

[1] Tal como mostro no meu artigo As políticas fiscais neoliberais, 08/07/2010.

[2] “Zapatero me escucha con interés”, 11/07/2010.

[3] Ver Vicenç Navarro, Marta Tur, Miquel Campa y Carlos Carrasco, El empleo público en España no es excesivo. Los errores del informe sobre el coste de la Administración, de la EAE Business School, 09/12/2009.

[4] www.vnavarro.org.

[5] Ver o meu artigo Estamos a viver acima das nossas possibilidades?, 25/06/2010.

Fonte: Informação Alternativa