Ceará: Dicionário coleciona expressões verbais de origem popular

Resultado de 10 anos de trabalho, o "Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa", do cearense João Gomes da Silveira, reúne 22,5 mil verbetes

Nos tempos de sala de aula, quando ensinava português em escolas das redes públicas municipal e estadual, João Gomes da Silveira era visto como um professor rigoroso, arraigado em sua defesa do uso da norma culta. Os antigos alunos e colegas devem se surpreender com o livro que o professor Gomes escreveu na surdina, entre os intervalos das aulas e das correções de provas. Em "Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa", ele reúne 22,5 mil verbetes, cuja fonte foi justamente a língua viva que se forma à margem da tal norma culta.

"Levei quase 10 anos para fazer o livro. Tive que usar qualquer ´pedaço´ de tempo disponível, aproveitando as poucas pausas que tinha do trabalho. Eu ensinava os três turnos, no Estado e no Município. O que fiz foi um trabalho de garimpagem, procurando em glossários, em dicionários, mas também em jornais e obras literárias", relembra João Gomes.

A garimpagem envolvia visitas a sebos, contatos com pessoas distantes que lhe enviavam cópias de dicionários de gírias regionais (como o caso do "cearencês"/ "cearês") e consultas exaustivas para mapear as diversas definições de uma mesma expressão. É delas, aliás, que o dicionário se compõe.

"Dizem que o verbo é a alma da língua", cita. "No dicionário, eu trabalhei só com expressões, o sintagma, como querem os linguistas, com a frase verbal", explica o dicionarista popular. No livro, João Gomes da Silveira elenca 1.187 verbos e, a partir deles, frases derivadas – ramificações que vão de uma única expressão a centenas delas. A maior parte das frases vem do português falado no Brasil e em Portugal, mas há espaço para contribuições de países como Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

No princípio era o verbo

"Falar; falar de ou sobre uma pessoa o que se tem vontade, alto para todos ouvirem, ou às escondidas, via de regra em tom de reprovação; revelar um segredo (…)", anota João Gomes no verbete "Abrir o verbo", um dos muitos desdobramentos do verbo "abrir". À definição seguem-se citações, tiradas da literatura e da imprensa; e o créditos dos dicionaristas e estudiosos da linguagem citados (Gomes renega a condição de "autor" do dicionário, preferindo a de "organizador").

As referências a obras literárias abundam. Caso de "Abusar de alguém" (no sentido de "violar"), cujo suporte é uma passagem de "Tocaia Grande" (1988), do baiano Jorge Amado. A literatura está no grau zero do "Dicionário de Expressões Populares". "Uma das motivações para organizar esse dicionário veio da leitura, principalmente de nossos regionalistas modernistas, que usavam abundantemente essas expressões. Contudo, elas não se restringem a obra desses escritores. Frases desta natureza você vai encontrar até em Camões", detalha o pesquisador.

Fontes

João Gomes da Silveira faz questão de citar suas fontes. Entre dicionários e outras obras do gênero, foram consultados 64 livros. "Tem os mais-mais. Um é o do português Guilherme Augusto Simões; há, ainda, o mestre Aurélio Buarque de Holanda, o ´Tesouro da Fraseologia´, do Antenor Nascentes. Entre os cearenses, dois foram preciosíssimos: Tomé Cabral Santos (1907 – 1988) e os livros do Leonardo Mota (1891 – 1948)", aponta. "Penso em um segundo volume, só com expresses nominais. Só não sei se tenho fôlego para tanto", diz João Gomes, que já finalizou outro livro, um glossário de espanhol popular, ainda sem editora.

Serviço
" Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa"
João Gomes da Silveira
R$ 98,00 980 PÁGINAS 2010 WMF MARTINS FONTES

Fonte: Diário do Nordeste