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Socorro Gomes: Paz sim, Otan não!

Neste artigo, Socorro Gomes, membro do Comitê Central do PCdoB e presidente do Cebrapaz, fala sobre o crescimento da militarização mundial e trata da reunião de cúpula da Otan marcada para novembro. "Nós, as organizações dos povos, defensoras da paz, afirmamos alto e bom som", escreve,  "que a Otan realizará a sua cimeira de Lisboa para aperfeiçoar-se e capacitar-se ainda mais como uma máquina de opressão e guerra".

O curso da militarização no mundo continua célere e terá um dos seus pontos altos em novembro deste ano, quando se realizará a reunião de cúpula da Otan, em Lisboa, Portugal.

Durante a Festa do Avante, realizada naquele país entre os dias 3 e 5 de setembro, o secretário-geral do Partido Comunista Português, anunciou que o povo português rechaçará a cúpula da Aliança Atlântica, com manifestações de protesto. Com isso, o povo português falará não só no próprio nome, mas também de todos os povos da Europa e do mundo. Ao faze-lo, estará pronunciando-se contra os planos militaristas e bélicos das potências imperialistas – os Estados Unidos e a União Européia -.

Campanha de massas

Em contato com cidadãos, militantes e nossos companheiros portugueses do movimento pela paz, constatamos que já é intensa a campanha Paz sim, Nato não, uma iniciativa de mais de uma centena de organizações populares, coordenada pelo Conselho Português pela Paz e a Cooperação, integrante do Conselho Mundial da Paz, o qual, por sua vez empresta toda a solidariedade e apoio político e moral aos companheiros portugueses.

Nova Concepção estratégica

A cimeira da Otan de Lisboa realizar-se-á com a finalidade de decidir sobre a adoção de uma nova concepção estratégica.

Desde o fim da Guerra Fria, as cimeiras da Otan discutem, adotam e aplicam novas concepções estratégicas. Na de Roma, em 7 de novembro de 1991, o documento aprovado dizia: “Contrariamente à ameaça predominante no passado, os riscos que permanecem para a segurança da Aliança são de natureza multiforme e multi-direcional, coisa que os torna de difícil previsão e avaliação. As tensões poderiam – prossegue o documento – conduzir a crises danosas para a estabilidade europeia e a conflitos armados que poderiam envolver potências externas ou expandir-se aos países da Otan”. Por isso, concluíram os chefes de Estado e de governo dos países da Aliança: “A dimensão militar da nossa Aliança permanece um fator essencial, mas o fato novo é que esta dimensão militar estará mais do que nunca a serviço de um amplo conceito de segurança”.

Esta nova concepção estratégico foi oficializada em plena guerra contra a Iugoslávia, na reunião de cúpula da OTAN realizada em Washington de 23 a 25 de abril de 1999, onde a Aliança Atlântica passou a assumir caráter e formas de atuação ainda mais agressivas. A adaptação aos “novos tempos” ocorreu através de medidas para alargar o raio de ação da Aliança, dotá-la de maior capacidade militar e para empreender novas ações lesivas à liberdade e soberania dos povos, inclusive fora do território da Aliança.

Ações agressivas nos Bálcãs

A primeira concretização do novo conceito foi a intervenção da Otan na crise balcânica, com ações militares agressivas, inicialmente na guerra da Bósnia, depois na do Kosovo, onde a Aliança Atlântica cometeu crimes de lesa-humanidade e tornou-se o agente pelo qual destruíram a Federação Iugoslava.

A nova concepção adotada no apagar das luzes do século 20 resultou numa Aliança Atlântica mais forte e agressiva, empenhada não só na chamada “defesa coletiva”, mas principalmente voltada para empreender novas missões fora do território da Aliança. O então presidente dos Estados Unidos, Clinton, declarava: “Os aliados norte-atlânticos reafirmam sua prontidão para enfrentar em circunstâncias apropriadas conflitos regionais além do território dos membros da Otan”.

Os EUA mandam

Na mesma cúpula foi reafirmada a hierarquia: “Os Estados Unidos manterão na Europa cerca de 100 mil militares para contribuir com a estabilidade regional, sustentar os laços transatlânticos e conservar a liderança dos Estados Unidos na Otan”, dizia o documento aprovado. Ou seja, uma Europa estável sob a Otan e uma Otan estável sob os Estados Unidos, que seguiriam exercendo a liderança global. Uma Europa militarista agindo como pilastra da Otan.

Portas abertas

Ao mesmo tempo começava a expansão da Otan no território do ex-Pacto de Varsóvia e da ex-União Soviética. Em 1999 essa expansão engloba os primeiros três países do ex-Pacto de Varsóvia: Polônia, República Tcheca e Hungria. Em 2004, se estende a outros sete: Estônia, Letônia, Lituânia, Bulgária, Romênia, Eslováquia, Eslovênia. Na reunião de cúpula de Bucareste, em abril de 2008, decide-se o ingresso da Albânia e da Croácia, ao tempo em que se prepara o ingresso na Aliança da Macedônia, da Ucrânia e da Geórgia. Enfim, afirma-se que prosseguirá a política “de portas abertas” para permitir a outros países o ingresso na Otan.

Entrando na Otan, os países da Europa oriental, incluindo algumas repúblicas da ex-União Soviética, ficam mais diretamente sob o controle dos Estados Unidos que mantêm na Aliança uma posição predominante. Basta mencionar que o comandante supremo aliado na Europa é, por uma espécie de direito hereditário, um general estadunidense nomeado pelo presidente, e que todos os demais comandos-chave são controlados diretamente pelo Pentágono.

Mísseis e Força de Resposta Rápida

Na cúpula de Bucareste de 2008 os países da Otan aprovaram também o deslocamento de mísseis baseados na Europa, afirmando que estes forneceriam uma contribuição à proteção de mísseis balísticos de longo alcance.

A nova concepção estratégica da Otan resultou também na criação da Força de Resposta Rápida, considerada como “uma das mais importantes mudanças na Aliança Atlântica desde a assinatura do Tratado de Washington.

Trata-se de uma força permanente, caracterizada por uma formação capaz de se transferir rapidamente para qualquer lugar onde seja necessário. Possui forças aéreas e navais prontas a atuar e atacar em qualquer teatro de operações, para lá deslocando-se em curto espaço de tempo.

A Otan, com base no novo conceito estratégico, assumiu a liderança da ocupação do Afeganistão, a primeira missão fora da área euro-atlântica de toda a história da Otan. Lá encontram-se até hoje, transformando diversos exércitos nacionais de países europeus em buchas de canhão e fautores de crimes de lesa-humanidade. As tropas da Otan estão colhendo rotundo fracasso, lado a lado com o exército de ocupação dos EUA. Missão inglória em nome de uma causa injusta.

A nova concepção expressou-se ainda através do posicionamento da Otan por trás do ataque da Geórgia à Ossétia do Sul, do invariável apoio a Israel e das operações militares de “caça aos piratas” na costa nordeste da África, no Oceano Índico.

Escalada agressiva a partir de Lisboa

Agora, na cúpula que se realizará dentro de dois meses e meio, em Lisboa, a nova concepção estratégica assumirá novos contornos. No quadro da cooperação e das rivalidades interimperialistas – sempre em prejuízo dos povos, da paz e da segurança internacional – anuncia-se uma integração ainda maior entre a União Europeia, a OTAN e os Estados Unidos, o aumento das forças de rápida intervenção, a modernização das suas armas e o alargamento da sua esfera de atuação.

A cúpula de Lisboa será um degrau a mais, uma escalada na concepção e ação da Otan como pacto militar agressivo, a serviço das potências imperialistas, os EUA e a União Europeia, uma força para a guerra, um instrumento de imposição da vontade desses potentados contra os povos, para sufocar os justos anseios destes à liberdade, ao progresso social e à independência nacional.

Esta cúpula será na prática um fator de aumento da tensão e da instabilidade num mundo já mergulhado no caos.

A reunião examinará as recomendações do grupo de especialistas designado na cúpula de Estrasburgo, do ano passado, pelo secretário-geral Anders Rasmussen. O grupo foi coordenado por Madeleine Albright, ex-secretária de Estado dos Estados Unidos quando Clinton era o presidente.

Máquina de opressão e guerra

O documento começa com uma deslavada mentira, qual seja a de que “a Otan é fonte essencial de estabilidade num mundo incerto e imprevisível e faz parte do esforço para se alcançar segurança e estabilidade”.

Nós, as organizações dos povos, defensoras da paz, afirmamos alto e bom som que se trata de todo o contrário: A Otan realizará a sua cimeira de Lisboa para aperfeiçoar-se e capacitar-se ainda mais como uma máquina de opressão e guerra. Se de segurança e estabilidade pudéssemos falar, seria da segurança e da estabilidade das potências imperialistas, de sua ordem injusta, dos seus monopólios e das suas políticas de saque, opressão e exploração dos povos. Mas nem essa segurança haverá, porquanto os povos cedo ou tarde se rebelarão.

O documento fundamenta em falsos pretextos a necessidade de adotar uma nova concepção estratégica, refere-se aos chamados “novos perigos”, entre os quais enumera: “a conexão entre tecnologia e terror”; “o stress a que é crescentemente submetido o regime de não proliferação nuclear”; “a existência de históricas tensões, incidentes e instabilidade na periferia da Europa”; “a pirataria”; “os riscos ao fornecimento de energia”; “as negligências ambientais” e os “ataques informáticos”.

O grupo de especialistas recomenda o aumento da capacidade militar, a realização de uma abordagem mais sofisticada dos parceiros, a adoção de uma eficiente (leia-se mais agressiva) estrutura e levanta a bandeira de mais união entre os seus membros.

Diretrizes para a guerra

O documento estabelece os pontos a serem seguidos nos próximos 10 anos.

1 – Reafirmar os compromissos basilares, que vêm desde a fundação da Aliança. Em suma, reitera a própria identidade agressiva e intervencionista;
2 – Assegurar o êxito no Afeganistão;
3 – Promover a coesão de todos os seus membros, através de comando unificado;
4 – Desenvolver capacidades para enviar forças a distâncias estratégicas por período extenso;
5 – Prevenir e administrar crises, o que significa imiscuir-se nos assuntos de outras regiões;
6 – Inaugurar nova era nas parcerias, sobretudo com a Rússia;
7 – Obter maior cooperação entre os seus membros;
8 – Manter a política de portas abertas, para a adesão de novos membros, nomeadamente, os países dos Bálcãs que ainda não aderiram, a Geórgia e a Ucrânia;
9 – Promover uma reforma militar para alcançar mais flexibilidade, mobilidade e versatilidade e
10 – Manter as próprias forças em termos de armas nucleares e simultaneamente combater a proliferação.

O documento faz menções explícitas, como merecedoras da atenção da Otan, a todas as regiões do planeta e destaca o Irã, o conjunto do Oriente Médio, a Ásia Central, a Coreia e a África (República Democrática do Congo e Sudão). Até mesmo a América Latina é mencionada, em menor grau, mostrando a amplitude do alcance da visão estratégica da Otan.

CMP com os povos em luta

O Conselho Mundial da Paz soma-se às vozes que em Portugal e em toda a Europa se levantam contra o fortalecimento e o aumento da capacidade agressiva da Otan, como instrumento que ameaça a paz não só no velho continente, mas também em todo o mundo.

O objetivo desse agigantamento da máquina de guerra é o mesmo que move o imperialismo, hoje como ontem: saquear os recursos das nações e povos, controlar os mercados e exercer a dominação política.

Com essa nova concepção estratégica, a OTAN exacerba o caráter agressivo que lhe é próprio desde sua constituição, em 1949. Uma das mentiras mais difundidas durante estas seis décadas de sua existência é que a OTAN foi criada como mecanismo para neutralizar a ameaça de um ataque soviético à Europa Ocidental. Agora, como dissemos, inventa novos pretextos.

A verdade é que a OTAN foi criada como parte do conjunto de instrumentos da política hegemonista estadunidense na Europa no imediato pós-segunda guerra mundial. Durante muitos anos representou a subordinação militar da Europa e sua instrumentalização na guerra fria. A OTAN era, como ainda é, o braço armado de uma política imperialista. Ela correspondeu, desde a sua fundação, à necessidade de usar a força, num momento em que os Estados Unidos despontavam como a superpotência líder dos países capitalistas e estavam constituindo a ordem mundial de acordo com os seus interesses.

Hoje, num momento de aguda crise do sistema capitalista e de esgotamento das políticas neocolonialistas, a militarização e a guerra são as opções estratégicas do imperialismo para continuar a exercer o seu domínio do mundo.

As forças amantes da paz seguirão, neste contexto, lutando contra a militarização do mundo, contra as bases militares, pela extinção da Otan e pela eliminação das armas de destruição em massa.

Socorro Gomes, membro do Comitê Central do PCdoB e presidente do Cebrapaz