Estatuto da Igualdade: lamentar ou seguir em frente?

O presidente Lula acaba de sancionar a Lei 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial.

Por Olívia Santana*

Vale lembrar que a militância negra reagiu com veemência ao Relatório do senador Demóstenes Torres (DEM) que, numa só canetada, pôs por terra artigos que instituía as cotas nas universidades, reservava vagas para negros na Lei eleitoral, definia políticas específicas para a saúde da população negra e titulação das terras de quilombos, quando o projeto de Lei ainda tramitava na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Aliás, o senador vem se notabilizando por sua posição sistemática de oposição às políticas voltadas à eliminação do racismo no Brasil, sob o pretexto de defender a unidade nacional. Por ocasião da audiência pública ocorrida no Supremo Tribunal Federal que discutiu a Arguição por Descumprimento de Preceitos Fundamentais, movida pelo DEM, contra o Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão da UNB, que instituiu as cotas para negros, Demóstenes chegou a debochar das mulheres que viveram o horror da escravidão, dizendo que leu Gilberto Freire e por isso sabia que não houve estupro durante o escravismo. Segundo ele, as coisas aconteceram de “forma muito mais consensual”.

Na verdade, os setores conservadores de plantão tentaram impor uma derrota completa ao Estatuto, mas não conseguiram. Portanto, diante de uma Lei aprovada e sancionada, mais do que remoer o que foi suprimido do texto, é preciso virar a página, sem esquecer a história. Vale muito o que foi mantido, pois é essencialmente o resultado de uma década de debates e enriquecimento do Projeto de autoria do senador Paulo Paim, que iniciou com 30 artigos e se tornou uma Lei de 64 artigos.

Pela primeira vez na história do país, temos formalizado o direito às ações afirmativas destinadas ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte, lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros, conforme determina o artigo 4º do Estatuto.

O Estatuto da Igualdade Racial soma-se a um conjunto de conquistas iniciadas no final do século XX, a exemplo da criminalização do racismo na Constituição de 1988, da Lei 7.716/89 que pune os crimes de racismo, da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o Ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e Africana, entre outras que quebraram o jejum desde a restrita Lei 353/1888 – a Lei Áurea.

O desafio agora é materializar direitos. Com base no Estatuto, temos de garantir a aprovação do PL 3.627/04, que institui o Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior. Além disso, derrubar a ADPF-186 contra as cotas na UNB e a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto Presidencial 4887, que regulariza as terras de quilombos, também movida pelo DEM junto ao Supremo Tribunal Federal.

Ação afirmativa agora é Lei no Brasil. Não como estratagema para reafirmar classificações raciais a serviço da segregação, como alguns teimam em querer rotular. Mas para remover obstáculos e encurtar distâncias entre brancos e negros no acesso aos direitos econômicos, educacionais, culturais e sociais.

Mas há diferença entre o legal e o real. Nunca foi e não será através de leis que promoveremos mudanças estruturais no país. A legislação é uma ferramenta importante, mas há que se realizarem amplos processos de reestruturação do Estado democrático, que resulte em desconcentração da renda, em elevação da qualidade da escola pública em todos os níveis, que forme quadros capazes de responder ao novo ciclo de desenvolvimento da nação, que crie oportunidades para todos e elimine as desigualdades salariais baseadas em cor e sexo.

Não se pode mais aceitar democracia racial como retórica e nem as iniqüidades entre homens e mulheres, pobres e abastados. O Estado brasileiro deve se lançar ao desafio da refundação da unidade nacional, com valorização da diversidade e com a efetiva consagração dos direitos de todos.
 
* Olívia Santana é vereadora de Salvador