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Manifesto de Caracas defende integração, unidade e socialismo

Após três dias de trabalhos, encerrou-se sexta-feira (23) a terceira edição do Encontro Sindical Nossa America (Esna). A finalização das atividades foi marcada pela aclamação unânime do Manifesto de Caracas, documento político que reafirmou a unidade da classe trabalhadora como estratégia de ação fundamental para o sindicalismo do continente.

Antes da apresentação pública do documento, a coordenação do Esna fez um relato que resumiu as discussões realizadas pelos participantes do Encontro. Os delegados foram divididos em três oficinas, que debateram a constituição do documento político, uma plataforma de ação unitária e também a criação de um instituto de Pesquisa, Formação e Assistência Técnica para a classe trabalhadora latino-americana.

Três resoluções políticas, referentes aos temas debatidos pelos delegados do Encontro, também foram aprovadas pelo plenário ao final das atividades, assim como uma Moção de Apoio ao governo venezuelano em relação à postura belicista e irresponsável assumida pela Colômbia, cuja consequência foi o rompimento das relações entre as duas nações. As duas primeiras resoluções foram contempladas pelo texto do Manifesto. A constituição do instituto, por sua vez, demandará novas discussões e, antes de se concretizar, deve ser precedido da elaboração de um programa de ação sindical para o continente americano.

“Um Encontro vitorioso”

Ao longo dos trabalhos, definiu-se que o atual coordenador-geral do Esna, Juan Castillo, permanecerá no cargo ao menos até o próximo Encontro, que deverá ser realizado em julho de 2011, na Nicarágua.

Para o secretário de Relações Internacionais adjunto da CTB e um dos coordenadores do Esna, João Batista Lemos, o Encontro de Caracas foi plenamente vitorioso. “Foi algo realmente combativo, com um grande espírito de unidade e consciência de classe. Sem a unidade da classe trabalhadora não haverá protagonismo. Divididos somos fracos, unidos somos invencíveis. Somente a partir da unidade é que chegaremos ao socialismo, e não apenas na Venezuela, em Cuba e na Bolívia, mas sim em todo o nosso continente e em todo o mundo”, afirmou ao final das atividades.

O vice-presidente da CTB, Nivaldo Santana, fez uso da palavra durante os encerramentos das atividades para representar oficialmente a entidade e respaldar todos os documentos aprovados pelo plenário. “A CTB apóia com veemência o conteúdo das três resoluções aqui apresentadas e o manifesto político. A nossa fala breve é apenas para sublinhar alguns aspectos que achamos da mais alta importância, como a reafirmação neste Encontro da integração do sindicalismo classista em nosso continente. E a base programática desse sindicalismo classista é a luta contra o capitalismo, o imperialismo e o neoliberalismo, no rumo do socialismo”, disse.

Bicentenário e emancipação

O documento aprovado pelo 3º Esna destaca a luta da classe trabalhadora no marco dos bicentenários de independência iniciados na América Latina ao longo de 2010. O texto também faz uma análise dos efeitos da crise econômica mundial, ataca a crescente militarização estadunidense por todo o continente e defende que o momento atual é uma grande oportunidade para que o projeto emancipador iniciado há 200 anos possa conquistar novos avanços.

O Manifesto convoca todos os trabalhadores e trabalhadoras da região a aprofundar sua resistência diante da atual conjuntura, de modo a construir sua própria emancipação e iniciar uma nova fase que seja ofensiva e na direção de uma sociedade sem explorados e exploradores.

Leia abaixo a íntegra do texto:

Manifesto de Caracas
Declaração do 3º Encontro Sindical Nossa America

Estamos em tempos de bicentenários na América Latina e no Caribe. Em 1804, veio do Haiti o primeiro grito de luta pela emancipação de nossos povos. Desde então, uma força social contínua foi acumulada na luta emancipatória de Nossa América, com grande parte dela sendo condensada até 1810. A luta contra o colonialismo se transformou, com o tempo, em uma luta contra o capitalismo e o imperialismo. Os centenários encontraram os trabalhadores em uma luta aberta contra o regime do capital. A emancipação como projeto animou a revolução nesses anos de consolidação capitalista de uma região fragmentada pelo apetite das classes dominantes locais. A partir dessa tradição de luta dos povos originários contra o invasor colonial e desse gesto pela emancipação com que comemoramos os bicentenários, a classe trabalhadora de nossa região retoma o desafio pelo projeto inconcluso.

Hoje, assim como ontem, o povo propõe a si mesmo a libertação, e sob novas condições enfrentamos o projeto dos dominadores, agora denominado como “liberalização”, promovendo a abertura das economias nacionais às necessidades das corporações multinacionais. Sob esse lema liberalizante, impõem os piores sofrimentos para nossos povos e pretendem aprofundar a relação de exploração em um capitalismo em crise, ao mesmo tempo em que pretendem usurpar o território e se apropriar de importantes recursos naturais – como a água, o petróleo, o gás, a terra, a biodiversidade – de modo a subordinar a região às necessidades do capitalismo.

Somente durante o ano de 2009 foram mais de três milhões de novos desocupados na América Latina e Caribe, como parte dos 50 milhões que se incorporaram a essa condição em todo o planeta. O flagelo do desemprego vem acompanhado do subemprego, da flexibilização, da precariedade e do empobrecimento em um projeto arquitetado pelos capitalistas, mais concentrados em debilitar a capacidade de resposta dos trabalhadores do movimento operário.

Nessa ofensiva capitalista, as classes dominantes pretendem recuperar o terreno perdido pelas mudanças políticas ocorridas em nosso meio ao longo da ultima década. Elas são conscientes do perigo que significa a persistência de mais meio século da Revolução Cubana, apesar do bloqueio e do boicote dos Estados Unidos e seus sócios – as classes dominantes que se instalam no poder de cada um dos países latino-americanos e caribenhos. Elas estão preocupadas com o poder popular emanado das reformas constituintes na Venezuela, Bolívia e Equador, além de outras experiências que vão no mesmo sentido, que destacam o objetivo do protagonismo e da participação do povo para transformar a realidade e desenvolver uma transição que resulte em uma nova sociedade, que seja anticapitalista, antiimperialista, socialista, que recorra à tradição do bem-viver das comunidades originarias, às experiências de democracia direta, participativa e comunitária, que possa organizar a ordem econômica e social sem a existência de explorados e exploradores.

A essas pessoas lhes preocupa o movimento popular, democrático e progressista, constituído em governos que renegam o projeto neoliberal, hegemônico nos anos 90, e que em seu aprofundamento podem potencializar processos mais radicalizados. Os setores dominantes ultraconservadores tentam recuperar a iniciativa perdida de anos anteriores. A primeira década do século 21 pôs em marcha a critica às políticas hegemônicas de cunho neoliberal, principalmente na América do Sul, expressadas em governo de coalizão nos quais, em alguns casos, a esquerda e os movimentos populares, com seus matizes, contradições e diversos graus de amplitude e profundidade, puderam levar sua voz e suas propostas.

A partir desses processos de mudança política e especialmente daqueles de raiz revolucionaria, voltou a ter sentido o imaginário de luta pelo socialismo, tal como fora estabelecido na década de 20 do século passado por José Carlos Mariátegui e, nos anos 60, por Ernesto Che Guevara e o processo da Revolução Cubana liderado por Fidel Castro. Queremos destacar os 20 anos de desarticulação socialista no Leste da Europa e o desarme no imaginário popular de uma ordem social anticapitalista, que a partir da mão e da luta dos trabalhadores e dos povos, fazem com que voltem a soprar em território latino-americano os ventos favoráveis à revolução, sob novas formas e práticas que revivem a criatividade para que as transformações sociais “não sejam decalque nem copia, mas sim criação heróica de nossos povos”.

Essa preocupação os leva a militarizar a região, tal como militarizaram outras partes do mundo. Nesse sentido, as bases militares na Colômbia constituem uma parte essencial no projeto em nossa região; renovam a agressão golpista como demonstraram em Honduras; e aspiram a reinstalar, por todos os meios, a estratégia do livre-comércio e a renovação da dependência econômica, financeira, tecnológica e cultural. No caminho do livre-comércio competem entre si os Estados Unidos e a Europa, especialmente por meio da renovação do dialogo entre a União Europeia e a America Latina para estabelecer um tratado de livre-comércio, que deveremos rechaçar tal como fizemos com a Alca. Nós, trabalhadores e organizações sindicais e territoriais, reunidos em Caracas, no 3º Esna, declaramos nosso rechaço à militarização; às bases na Colômbia; à autorização de ingresso de militares estadunidenses na Costa Rica e em outros países; aos golpes de Estado; aos tratados de livre-comércio, ao pagamento da divida externa publica, às privatizações em geral e às do serviço publico, em particular, além de toda forma de subordinação da região e de nossos povos aos interesses do capital transnacional, dos grupos econômicos locais e ao sistema internacional de dominação, em cuja cabeça se encontram o G20, o G8, o FMI e o Banco Mundial.

Somos conscientes de que os trabalhadores estão pagando pela crise do capitalismo, tal como querem que paguemos as políticas anticrise, de socorro a bancos e empresas com problemas. O capital recorre ao Estado capitalista para socializar as perdas e favorecer a recuperação dos ganhos afetados pela crise. As classes dominantes utilizam a crise como uma chantagem sobre os menos favorecidos, para aprofundar o ajuste e a reestruturação regressiva da ordem capitalista. A crise é uma oportunidade para o capital, para seguir flexibilizando e deteriorando o poder dos trabalhadores e suas organizações. No entanto, em que pese a iniciativa da burguesia e seu Estado, neste Manifesto do 3º ESNA sustentamos que a crise é também uma oportunidade para nós, para os explorados, para os povos, para nos constituirmos como sujeitos conscientes da luta contra o regime do capital. Para nos constituirmos em construtores de nossa emancipação, para superar uma luta defensiva e construir nossa ofensiva na perspectiva de uma sociedade sem exploração.

A crise capitalista em curso é nossa oportunidade para relançar, sob novas condições, o projeto emancipador que já tem mais de 200 anos e que se soma à histórica luta dos povos originários. Para que Nossa America seja uma realidade, retomando o ideário e a pratica revolucionaria de camadas de resistência e projeto autônomo, de liberação social e continental.

A partir deste Manifesto, convocamos os trabalhadores de Nossa America e do mundo para a mais ampla unidade, na luta por nossos direitos, contra o capital e pela emancipação social. A unidade dos trabalhadores é uma necessidade deste tempo, é um atributo imprescindível para enfrentar a ofensiva das classes dominantes e uma garantia para pensar nosso futuro de uma sociedade sem explorados e nem exploradores – exemplo disso é visto nas praticas de participação dos trabalhadores na tomada de decisões e nas renovadas experiências de “controle operário”, assim como nas lutas e ações que combatem o efeito regressivo sobre os trabalhadores.

Nesse marco, convocamos todos os trabalhadores para aprofundar a resistência a todos os planos de ajuste, e especialmente a participar de uma Jornada Continental de luta contra as bases militares, a ser realizada no próximo dia 10 de dezembro, de modo a fazer do Dia Mundial dos Direitos Humanos um verdadeiro plebiscito popular.

Caracas, 23 de julho de 2010