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Jornal do Brasil deixa de circular em papel após 119 anos

Fundado em 9 de abril de 1891, o Jornal do Brasil terá em 31 de agosto sua última edição em papel após 119 anos de circulação. Com sede no Rio, o diário com data marcada para morrer está afundado em dívidas — de pelo menos R$ 100 milhões —, amarga baixíssima tiragem e passará a ser editado apenas na versão online.

De acordo com a direção do JB, o plano faz parte de uma estratégia “sustentável e inovadora”, elaborada após pesquisas de mercado. Em anúncio de duas páginas publicado nesta quarta-feira (14), o jornal diz que informará os leitores sobre o processo de migração para o online no decorrer dos próximos 45 dias.

Considerado uma referência da imprensa nacional e um dos mais influentes veículos do país entre o período da ditadura militar e o início da redemocratização, o JB se despede das bancas num momento em que a circulação dos jornais teve alta. Dados da ANJ (associação Nacional dos Jornais) mostram que, de 2004 a 2008, a circulação média diária cresceu 31%. Ano passado, devido à crise econômica, houve retração foi de 3,46%. Mas os números do Instituto Verificador de Circulação (IVC) apontam uma recuperação — 1,5% nos primeiros cinco meses de 2010.

Nesta década, entretanto, a concorrência aumentou para o JB. O mercado carioca ganhou os jornais Meia Hora, da Editora Dia SA, e Expresso, da Infoglobo — dois veículos que disputam o segmento popular no Rio. Isso sem contar o emergente Destak, de distribuição gratuita.

Profissionais sob risco

A presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio, Suzana Blass, diz que a prioridade agora é saber quantos profissionais do Jornal do Brasil poderão ser aproveitados na versão online. Segundo a entidade — que cobra a garantia dos direitos de quem for dispensado —, o JB soma cerca de 160 funcionários, sendo 60 jornalistas.

Os repórteres só ficaram sabendo do encerramento da publicação por meio de notícias divulgadas em outros veículos e criticam a falta de informação. Eles aguardam um comunicado na intranet da empresa ou que a informação seja dada pessoalmente por alguém da direção.

Um repórter confirmou que o último salário dos profissionais estaria atrasado. “Na sexta-feira (09) recebemos apenas R$ 800 do pagamento de junho e ainda não há previsão de quando devemos receber o restante”, explicou. Segundo o vice-presidente do sindicato, Rogério Marques Gomes, os atrasos salariais eram constantes, mas “a maior irregularidade do JB é a contratação de um grande número de jornalistas como Pessoa Jurídica (PJ)”.

Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), expressou “tristeza pelo significado e importância que o Jornal do Brasil tem para a imprensa brasileira e indignação pela postura do Nelson Tanure, de desempregar jornalistas e arrochar salários. Está confirmado que ele é um predador dos veículos de comunicação”.

O desemprego causado pelo fim da publicação também foi lembrado pelo presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo. “O jornalismo eletrônico não necessita de algumas funções que são típicas dos veículos impressos. Com isso, muitos jornalistas que trabalham no Jornal do Brasil vão ficar desempregados”, lamenta.

O mais influente

Será o fim de uma publicação que alternou momentos de prestígio, inovação jornalística e outros menos brilhantes, em seus 119 anos de vida. O JB nasceu monarquista com Joaquim Nabuco e Rodolfo de Sousa Santas, chegando a ter Ruy Barbosa como diretor. Nos anos 30, perdeu sua importância como órgão noticioso e se voltou para os classificados. As primeiras páginas eram inteiramente ocupadas por anúncios, e o jornal recebeu o apelido pejorativo de “jornal das cozinheiras”.

A situação se inverteu de tal forma que o diário chegou a ser o mais influente do país. Seu auge foi dos anos 50 a 80. “O JB deste tempo ainda reunia a seleção brasileira da imprensa”, escreveu o jornalista Ricardo Kotscho, em seu blog. “Não havia limite de despesas para se fazer uma boa reportagem. O grande sonho de todo jornalista era trabalhar lá um dia. Tinha vários craques em cada editoria. Ouso afirmar que nunca mais se montou uma redação daquela qualidade em jornal algum.”

Por sua independência editorial e bons salários e ambiente de trabalho, o diário era, de fato, a ambição dos jornalistas nas décadas de 1970 e 1980. Em 1981, uma equipe de repórteres do JB denunciou a farsa da apuração do atentado terrorista do Riocentro, ação da linha-dura do regime militar para tentar interromper a abertura política, em show em comemoração ao Dia do Trabalho. Um militar morreu e outro ficou ferido com a explosão dentro de um Puma. A cobertura recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo.

Nas eleições diretas para o governo do Rio, o jornal descobriu esquema fraudulento para beneficiar Wellington Moreira Franco, do Partido Democrático Social (PDS), e evitar a vitória de Leonel Brizola (PDT). Durante as Diretas Já, o diário teve postura moderada — mas apoiou o candidato Tancredo Neves como um consenso nacional.

Depois do passado monarquista, o JB defendeu o parlamentarismo durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, e foi contra os cinco anos de mandato do presidente Sarney — que depois teria feito pressão econômica e devassa fiscal contra o jornal, afetando suas finanças.

Na primeira eleição direta para presidente após a redemocratização, o jornal apoiou Fernando Collor de Mello – que curiosamente trabalhou lá como repórter. O diário chegou a defender o polêmico Plano Collor e atacou a CPI de Paulo César Farias, mas terminou por publicar um editorial intitulado “Razões para o sim” ao impeachment.

Fernando Henrique Cardoso foi visto também com grande entusiasmo por suas convicções políticas neoliberais, embora em seu governo tenha piorado a situação financeira do JB. Nos anos 90, em crise financeira aguda, o veículo iniciou a decadência. Ensaiou uma breve recuperação em 2001, com o arrendamento do jornal pelo empresário baiano Nelson Tanure.

A chegada de Tanure chegou a ser vista com esperança, diante da promessa de investir R$ 100 milhões no periódico. A redação ganhou nomes de peso, e jornalistas foram contratados com altos salários em um projeto editorial que privilegiava reportagens especiais e analíticas, com uma primeira página ousada. Durou menos de um ano, e rapidamente a equipe se desfez.

Mudanças inúteis

Esta década viu o ocaso do diário, entre sucessivas trocas de diretores de redação e demissões em massa de jornalistas. Como símbolo dessa decadência, em 2002, o jornal deixou a sede da Avenida Brasil – que ocupara entre 1973 e 2001 – para voltar ao endereço de sua origem, na Avenida Rio Branco. Desde 2005, instalou-se na Casa do Bispo, imóvel de estilo colonial no Rio Comprido. Já era uma fase de escancarado retrocesso.

Em abril de 2006, para reduzir custos do papel, o JB abandonou o formato standard tradicional pelo “europeu” ou “berlinense”, espécie de tabloide. No ano seguinte, inaugurou-se a TV JB, que durou por apenas seis meses. Ano passado, a Gazeta Mercantil, também controlada por Nelson Tanure, foi extinta após a cobrança de uma dívida de R$ 35 milhões.

Depois de 11 diretores em dez anos, Tanure tentou encontrar compradores para o Jornal do Brasil, sem sucesso. Entre os proponentes, esteve até a Igreja Universal do Reino de Deus. A agonia do JB misturou perda de credibilidade, dívidas, forte queda em vendas e também demissões em massa de jornalistas.

Tradicionalmente voltado para as classes média e alta da zona sul do Rio, o Jornal do Brasil ainda mantém fiéis leitores assinantes antigos e tradicionais — mas perdeu a influência política e o prestígio de outras épocas — e, junto a isso, anunciantes e dinheiro. Vende atualmente cerca de 17 mil exemplares durante a semana e 22 mil aos domingos, de acordo com o mercado.

Em 2008, o JB foi descredenciado em 2008 do Instituto Verificador de Circulação (IVC), que audita o número de exemplares vendidos das publicações brasileiras, o que desgastou ainda mais a imagem do órgão com os anunciantes. A partir de 1º de setembro, sobreviverá apenas sua edição online.

A débâcle da primeira década do século 21 trouxe o confronto da tradição de um diário de peso histórico se rendendo à realidade de sua crise financeira e jornalística e à modernidade digital. O primeiro jornal brasileiro a entrar na internet é agora o primeiro a se transferir totalmente para a rede, abandonando o papel.

Da Redação, com agências