Joan Edesson – A ausência da paixão: 30 anos sem o Poetinha

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Vinícius de Moraes

Eu tinha apenas quatorze anos, o prenúncio de uma miopia, e uma fome imensa de livros e de mundo. Mas era cedo para dizer que eu tinha fome de paixão. Sabia que paixão doía e que perda também doía, e que por vezes perda e paixão são companheiras inseparáveis.

Menino que eu era, sertanejo, criado nas brenhas do Ceará, entre os Inhamuns e o Cariri, achava que os livros haviam me dado a revelação da vida, que já sabia o que precisava. Naquele então, folheando livros em uma manhã, soube pela televisão, e não pelas longas espirais do telefone, que Vinícius de Morais partira. Um sujeito com cara de bom velhinho, meio safado mas bom velhinho, a voz meio embrulhada mostrada nas imagens, partira cedo, do dia e da vida.

Nos anos seguintes após a sua morte eu conheci Vinícius. Nos fizemos amigos, quase íntimos, parceiros em inúmeras farras, companheiros de noitadas, a recitar juntos poemas pelas madrugadas (sua voz nos meus ouvidos).

Sua poesia ajudou-me a conquistar amores e me fez companhia nas duras desilusões amorosas, que foram tantos, tantos, os amores e as desilusões. Sou seu eterno devedor.

Mas serviu também muitas vezes, a sua poesia, como faca cortante, protesto, pedra atirada ao (in)visível inimigo. O doce poeta de voz engrolada a declamar a paixão com tanto ardor também tinha a voz segura a desafiar aquela noite que teimava em não mais terminar, sufocando a liberdade e a paixão contidas no peito de todos nós. Por isso também sou seu eterno devedor.

Ah! Quantas vezes recitei o Soneto de Devoção, declamando embriagado o seu último terceto:

Essa mulher é um mundo! uma cadela
Talvez… – mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Quanta dor, quanta paixão, quanto alucinado, desesperado e incendiado amor não surgiu e partiu de mim madrugada afora, com Vinícius no início e no final, com sua poesia detonando a paixão, ateando fogo ao rastilho de pólvora do incandescente amor, ou registrando sua fria e dolorida cinza, sua ardente cicatriz.

Quantas vezes também os versos de Rosa de Hiroshima não saíram da minha boca como fossem petardos contra a guerra, a distante e a próxima de todos nós, a guerra que nos fazem todos os dias; quantas vezes não declamei esse poema pensando nas crianças do sertão e não naquelas distantes de Hiroshima; quantas vezes esse poema não foi arma de combate contra rosas estúpidas e inválidas?

Tantas vezes, quase chorando, sentindo em minha carne e alma a dor de milhares, que nunca passei, mas que sentia como minha, tantas vezes declamei a dor do exílio e o amor pelo Brasil, contidos nos versos de Pátria Minha. Minha pátria tão pobrezinha, tão íntima, quanta vontade de também mandar-te um avigrama.

Celebro hoje a ausência de um amigo, de um grande amigo, que nunca vi, que não conheci, mas um grande amigo, companheiro de horas doces e de horas difíceis, solidário na conquista e na dor da desesperança. Celebro esse amigo que nunca tive, ausente há trinta anos, tão presente nestes trinta anos. Enquanto escrevo, a voz de Elizeth Cardoso (doçura de pássaro) ecoa os versos densos, desesperados, de uma sublime beleza, de Serenata do Adeus. A vontade é de ficar, mas também tenho que ir embora. Como Vinícius, amando e morrendo pela vida afora.

Saudades de você, meu poetinha.

Joan Edesson de Oliveira escreve versos ruins, considera Vinícius um velho amigo e um imortal acima de nós, pobres mortais, e continua, ainda que muito espaçadamente, a farrear com o poeta e sua poesia

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