Leci Brandão vai levar a luta contra o preconceito para a Alesp

Nesta segunda-feira (21/6), a cantora Leci Brandão comemorou seus 35 anos de trajetória musical. A festa aconteceu na quadra da Rosas de Ouro e reuniu sambistas, personalidades da área cultural e lideranças políticas. A festa marcou, também, um novo desafio para a cantora: disputar uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo pelo PCdoB.

leci brandão 35 anos de carreira

Em entrevista ao Terra Notícias, a carioca de 66 anos, nascida em Madureira, diz querer o cargo de deputada estadual para levantar temas referentes ao preconceito e à justiça social. Confira a entrevista na íntegra:

Terra: Por que você decidiu se filiar ao PCdoB e concorrer ao cargo de deputada estadual?
Leci Brandão: Sempre defendi todo tipo de cidadania, sou contra todo tipo de preconceito, sempre tive músicas contra o racismo, pelo MST, pelos índios, contra a fome, participei das Diretas Já, sempre fui engajada. As pessoas falavam o meu nome, achavam que eu tinha capacidade, daí o Netinho de Paula, em uma reunião que nós tivemos na sede estadual, me disse que eu só não tive um mandato, mas sempre fui muito política e que sempre demonstrei preocupação com os problemas da sociedade brasileira menos favorecida. O meu público é o povão e eu resolvi aceitar esse desafio.

Terra: Você tem um histórico de shows em atos políticos.
LB: Principalmente os dos partidos de esquerda.

Terra: Você costuma escolher os eventos, se oferece, ou sempre foi convidada?
LB: Sempre fui convidada. Eu sempre me ofereço quando são eventos beneficentes. Ao longo da minha carreira eu sempre batalhei ao lado de ações que tem a ver com as causas sociais. É muito difícil alguém me convidar para eventos que não sejam de esquerda, porque eu sempre fui muito transparente. Por causa disso, eu já tive problemas dentro da mídia, de ficar cinco anos sem gravar, de não participar de alguns programas com outros sambistas porque tinham medo de que eu falasse alguma coisa política.

Terra: Teve algum programa que você não participou e que te marcou, por achar injusto?
LB: Eu não vou nem citar para não dar problema e nem ficar divulgando esses programas, estes produtores, entendeu? Mas o povo percebe e diz: "você sempre tem tanta coisa a dizer, por que não está lá?". Mas é uma opção do programa.

Terra: Qual é a principal bandeira que você levantará na sua campanha?
LB: A minha bandeira é sempre as classes menos favorecidas. Além disso, defendo os direitos humanos, a justiça social, a negritude. Não é à toa que me chamaram para fazer parte do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na gestão da Matilde Ribeiro Secretaria da Igualdade Racial. Aí, continuei, porque o ministro Edson Santos pediu e agora eu vou ter que sair porque vou me candidatar.

Terra: Acha que as mulheres e os negros ainda são muito discriminados na sociedade?
LB: A questão do negro é claro que existe, embora exista o discurso hipócrita de que o Brasil tem preconceito social e não racial, mas quem é negro sabe que isso é uma falácia. Existe sim e tem o institucionalizado que é o pior. É difícil ver negros em cargos de direção, como gerentes de banco privado, comandantes nas companhias áreas. Se você observar os negros em destaque são jogadores de futebol ou artistas. Mas eu quero ver os negros médicos, arquitetos. Aí, as pessoas perguntam por que eles não conseguem, eles são burros? Não, não é isso. Para entrar em uma universidade pública, é muito difícil.

Terra: Você é a favor das cotas?
LB: Sim, eu acho que as cotas resolveriam o grande problema de inclusão nessas profissões liberais. Raramente você vê negros na medicina, você vê auxiliares de enfermagem, mas médicos não.

Terra: E na política?
LB: Na política também tem poucos políticos negros. Porque se você olhar na população brasileira o percentual de negros que tem e a quantidade que têm no Congresso Nacional é pouco. Você não vê na Assembleia Legislativa de São Paulo, que tem 94 deputados.

Terra: Como avalia a candidatura de Netinho de Paula para o Senado? Ele está preparado para o cargo?
LB: Sim, até porque ele está fazendo um mandato como vereador que é elogiado por muita gente. Ele é um cara muito interessado, conversa muito com os outros vereadores, para procurar ter mais sabedoria, porque ele é um cara muito inteligente. Ele está fazendo uma política séria, comprometida, está estudando mais, ele está fazendo faculdade inclusive. O Netinho está demonstrando que está dando conta do recado. Ele quer ser senador, é um sonho dele e ele quer provar que pode fazer muita coisa e provar que um cara pobre, negro, pode ser um senador com competência.

Terra: Você acha que os artistas ainda sofrem preconceitos por tentar cargos públicos?
LB: O preconceito existe. É o povo que fica sempre com o pé atrás e pergunta: "o que esse artista vai fazer lá?" Eu, graças a Deus, tenho o apoio das pessoas para a minha candidatura, porque eles dizem: "a Leci sempre foi uma militante". Na verdade, o espanto é porque eu vou ser candidata e eu sempre disse que não queria ser.

Terra: Você acredita que a sua posição é diferente dos outros candidatos porque sempre esteve na condição de militante.
LB: O povo, pelo menos, vê isso dessa forma. São as pessoas que estão dizendo: "a Leci é uma pessoa séria, a Leci eu conheço e sempre conversou com seu público". Eu sempre falo coisas sérias no meu palco, eu falo mesmo, falo até demais.

Terra: E a classe artística, tem te apoiado?
LB: Eu já recebi apoio da Paula Lima, do Reinaldo, do Mano Brown, do Rappin Hood, de vários intérpretes de escolas de samba de São Paulo, do Jorge Aragão, da Zélia Duncan. Bom, essas pessoas já disseram que estão apoiando a candidatura, falaram naturalmente, sem divulgar nada, ficaram sabendo e se manifestaram. Eu não saí propagando isso.

Terra: O PCdoB, que é seu partido, faz parte da base aliada do PT. Como você avalia a candidatura de Dilma Rousseff?
LB: Eu acho uma coisa muito importante, primeiro por ser mulher, porque a participação da mulher no Brasil está se valorizando mais. Eu tive o prazer de conhecer a Dilma em uma homenagem que recebi no Senado federal, por meus serviços prestados a sociedade e ela fez um discurso maravilhoso. Eu não sabia que ela sacava a minha história. Mas antes disso, eu já a admirava porque ela é uma mulher que foi presa, foi torturada e sempre lutou, é uma mulher inteligente e é uma pessoa que demonstra um grande conhecimento do País. Eu confio na Dilma, ela é uma pessoa séria. Mas é claro que a mídia que é contra ela, fica ocupando espaço para falar da roupa, do cabelo, que ela é gorda, acho isso muito medíocre, é um horror, é uma coisa preconceituosa, de gente que só quer saber de estética.

Terra: Mas estas críticas são da mídia no geral?
LB: É da mídia que é contra o Lula, que é contra a candidatura da Dilma. Existe uma mídia que é forte no Brasil, que tem poder e que não é favorável. O que puder falar vai falar.

Terra: Por outro lado, a Marina Silva também concorre à presidência. Acha que ela está sofrendo o mesmo preconceito que Dilma?
LB: De vez em quando falam da Marina, só porque é mulher e fica essa coisa horrorosa. Eu sou fã da Marina e da vida dela, já fiz uma música para ela quando ela foi senadora. Eu acho a Marina demais, porque ela tem uma história linda, ela veio da seringueira. Ela é muito inteligente.

Terra: E Dilma, também vai ganhar uma música?
LB: Quem sabe, né? (risos)

Terra: O PT já havia feito algum convite para você se filiar?
LB: Nunca ninguém me convidou não, mas sei que eles gostam de mim. O primeiro convite foi do Netinho mesmo.

Terra: Leci, você tem algum plano de governo ou temas que pretende abordar na Assembleia?
LB: São necessários projetos para que as pessoas pobres e da periferia possam ter oportunidades, condições de estudar mais, de poder se formar no curso superior, para mudar o quadro no Brasil. Tem a questão cultural, fazer com que a cultura popular tenha mais espaço. A questão da saúde da mulher, da anemia falciforme. E o problema da habitação, porque eu vi que muita gente ficou desabrigada, com doenças, por que fizeram casas onde não podia ser feito. E outra coisa que eu queria falar é sobre a abordagem policial com os jovens negros. A filosofia da segurança pública em São Paulo é extremamente racista. Outros temas importantes são a intolerância religiosa e a homofobia.

Terra: Se você vencer o pleito de outubro, como conciliará a vida artística e a política?
LB: Eu sou uma pessoa que faço shows de forma normal, não faço show a toda hora, não sou superstar e nem celebridade. As apresentações são mais aos finais de semana. Vai dar para associar, até porque quero deixar claro que eu não vou encerrar a minha carreira, pois foi a música foi a válvula propulsora para realizar tudo que realizei.